¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

Powered by Blogger

 Subscribe in a reader

quarta-feira, junho 30, 2004
 
MEMÓRIAS DE UM EX-ESCRITOR (XVIII)


Em 1981, voltando de uma viagem à Romênia, fui convidado por um professor da PUC de Porto Alegre, para participar de um painel sobre o socialismo. Éramos três os expositores e meus dois colegas se debulharam em louvores sobre as virtudes do sistema e confrontos com o capitalismo podre ocidental. Quando chegou minha vez, fui contando em detalhes o que havia acabado de ver.

Miséria por todo lado, pessoas famintas disputando quase a tapa um pedaço de carne, isso quando surgia carne nos mercados de gôndolas vazias e lúgubres, onde a mercadoria que mais dava o ar da graça eram longas filas de pás, enxadas, baldes e utensílios do gênero. Comestíveis, que é bom, nem pensar. Em hotéis de primeira categoria, faltavam lâmpadas e papel higiênico. Na portaria dos hotéis, cada vez que reclamava da falta de papel, a funcionária me perguntava quantos dias ficaria ali. Avaliava então minhas trocas metabólicas, puxava um rolo do balcão e me passava algumas tiras. Considerando-se que eu pagava em dólar, moeda que sempre foi bem-vinda no finado mundo socialista, pode-se imaginar as condições de higiene em que vivia o cidadão romeno comum, dispondo apenas de seus inúteis lei (plural de leu, a moeda local).

Falei das lavouras onde cereais e batatas apodreciam no chão, em um total de 40% a 50% da colheita. Pois a ninguém interessa colher nada, se deste gesto não recebe lucro algum. Concluí com um exemplo que me parecia determinar, mais que qualquer complicada teoria econômica, a derrocada do socialismo. Estava em uma praia em Mangália, no Mar Negro, a sete quilômetros da fronteira com a Bulgária. Dois garçons abrem um bar à minha frente. Espalham as mesas na areia, dispõem toalhas, seguram-nas com pedrinhas. Cerveja, pensei. Santa ingenuidade. Não havia cerveja. Água mineral, então. Nada feito. Mas a sede nos faz perder a compostura. Pedi então um desses xaropes horrendos ianques, coca ou pepsi. Muito menos.

Apostei mais alto. Naquela região há uma interessante cachaça de ameixa, a Haidouc. Por haidouc entende-se uma espécie de gaúcho eslavo, o homem mais ou menos nômade que habitou aquelas plagas, em época que as potências não haviam estabelecido fronteiras fixas. Pois nem a cachaça da região havia no bar. Vodca é o que não vai faltar, pensei. Faltava. Comecei a delirar: vinho, uísque. Nada. Nada para beber? Nada. Muito bem. Para comer o que é que tem? Nada. Mas como, isto não é um bar? É, mas o distribuidor não vem hoje. E por que vocês abriram o bar? Nós somos funcionários. Somos pagos para abrir o bar.

Volto a Porto Alegre. Ali estava, singelamente, o fato que minaria o socialismo: uma sociedade não avança se a ninguém interessa vender algo a alguém. Surgisse ali na praia um moleque com um balaio vendendo cerveja e pastéis, iria preso como inimigo do socialismo, sabotador da sociedade ideal. É utopia desvairada, afirmei, alguém pretender que o homem trabalhe sem pensar em lucro. Meu anfitrião agradeceu-me, encerrou os debates e mais ou menos desculpou-se ante a platéia, que eu fora convidado para discutir a teoria socialista, e não a prática.

Pena que na prática a teoria é diferente, protestei. Pouco dias antes do fuzilamento dos Ceaucescu, diga-se de passagem, era proibido entre a elite bem-pensante de Porto Alegre contestar o regime romeno. Um deputado gaúcho teve inclusive de recolher às pressas um seu livreco de viagem, onde saudava Nicolae Ceaucescu como a Águia dos Bálcãs.

segunda-feira, junho 28, 2004
 
DE UMA LEITORA


Parabenizo Janer Cristaldo, por sua coluna, estando de pleno
acordo com seu comentário (ora em discussão), pois frequentamos os mesmos bancos escolares e tivemos vários colegas homossexuais, pessoas muito queridas e respeitadas em suas opções. Como disse Janer: "numa terra de machões". Não há necessidade de exibicionismos para se conquistar respeito e admiração e sim por seus reais valores.

Zilma Terezinha Porto Monson

sábado, junho 26, 2004
 
MEMÓRIAS DE UM EX-ESCRITOR (XVII)


"Tu estás contra toda tua geração", disse-me há boas décadas o Aníbal Damasceno Ferreira, este obscuro pesquisador a quem devemos a descoberta de Qorpo Santo. No que não deixava de ter razão. Mesmo assim, a frase me surpreendeu, afinal nunca tive vocação para original. Por geração entendia nossos contemporâneos que lêem, escrevem, discutem e lutam por suas idéias, e este é o conceito utilizado ao longo desta reflexão. Panta rei. Nada como uma década depois da outra para se passar a entender o que antes era ininteligível.

Anos mais tarde, um outro amigo gaúcho me confessava desolado: "Minha geração fracassou". Eu, perplexo. Tínhamos a mesma idade, tentamos salvar o mundo, logo nossa geração era a mesma. Não me sentia fracassado, muito antes pelo contrário. A visão de mundo que defendi, desde que me conheço por gente, triunfava no Ocidente. Nossa geração ganhou a parada, retruquei.

Cada frase depende de sua circunstância. Mais ainda, de por quem é proferida. Este último diálogo ocorreu nos dias da queda do Muro de Berlim. Meu amigo havia militado no PC. Verdade que abrira os olhos bem antes da revolução do Nove de Novembro. Mas marxismo é como caxumba. Ou dá na idade certa, ou deixa seqüelas. Passei então a entender a afirmação do Damasceno. Não havia percebido que a minha, a nossa geração, era fundamentalmente marxista, mesmo sem ter lido Marx.

Inclusive eu. Em meus dias de adolescente em Dom Pedrito, mesmo sem conhecer história ou geopolítica, stalinismo ou guerra fria, eu detestava Tito, Franco e Salazar. Não tinha a mínima idéia do que fosse Iugoslávia, Espanha ou Portugal, muito menos do que significasse Europa ou a finada União Soviética. Mas já sabia a quem insultar. Do alto de minhas tribunas na sedizente Capital da Paz, na arrogância dos quinze anos, sem conhecer nem mesmo Bagé, eu julgava e condenava a "sifilização" ocidental e cristã.

Mais tarde estudei história, particularmente história da filosofia e história da arte. Há mais distância entre arte e filosofia do que nosso vão cientificismo presume. Posso hoje ler a Arte de Amar, de Ovídio, ou o Quixote, e estes livros permanecem sempre verdejantes, porque nascidos da emoção. As filosofias, frutos da razão, se destroem umas às outras, e dogmas existem apenas para gerar hereges. Quem estuda história sabe que verdade é algo relativo ao espaço e tempo em que foi enunciado. Desde adolescente venho refutando o fascismo eslavo travestido de pensamento científico. Neste sentido, eu de fato estava contra minha geração.

Um de meus primeiros artigos na imprensa da capital saiu no finado Correio do Povo, em 1968: Marxismo Gaúcho Contemporâneo. Era uma sátira aos filhinhos-de-papai oriundos em geral do colégio Júlio de Castilhos, de Porto Alegre, depois entrincheirados na Filosofia da UFRGS (então URGS), que discutiam a união estudantil-operário-camponesa nas boates da Independência. Filho de camponeses, nascido e criado no campo, sempre julguei ridículas abordagens teóricas sobre o homem do campo, feitas por meninos urbanos de mãos sem calos. Daí meu artigo e suas conseqüências. Fui ostracisado na universidade, com a pecha de reacionário.

Mais ainda: fui encarcerado na calada da noite, por um delegado lotado em Dom Pedrito, que pouco entendia de humor e julgou que meu artigo era uma defesa do marxismo. Passei a noite na cadeia e fui interrogado, no dia seguinte, por cerca de cinco horas. Barbudo, em época em que barba era sinônimo de subversão, tive de ouvir: "você sabe que sua estética externa suscita antipatias?" Sabia. O delegado, candidato a rábula, gostava de aliterações. Era verão e estava pensando em raspar a juba, só não o fiz por ser imposição da "otoridade".

quarta-feira, junho 23, 2004
 
SENSATEZ


Mail de uma leitora:

Janer,

Muito bom o seu artigo sobre os Novos Reacionários, que pude ler no site Midiasemmascara. Para início de conversa, sou homossexual. Mas certamente você nunca vai me ver numa passeata como essas. Esse negócio de orgulho gay é a maior sandice que eu já vi na minha vida. Os gays lutam contra o preconceito e pela igualdade, mas o que mais fazem é fazer o possível para serem diferentes e com isso aumentarem o preconceito. Não tenho orgulho de ser gay. Tenho orgulho de ser honesta, de ter bom caráter, enfim, de ser um ser humano bacana. Sou igual a qualquer um.

A incoerência desses grupos é total. Querem ter o direito de casar na Igreja em cerimônias e tudo mais. Quanta bobagem. O único direito que quero ter é o direito de uma união civil. Não pelo casamento em si, e sim pelo direito de deixar e dividir bens. Já vi muitos casos de pais e famílias que viram as costas, com toda a sorte de preconceito, para seu familiar gay. Na hora de sua morte, voam todos em cima dos bens que ele, muitas vezes, construiu junto com seu parceiro. E isso eu não acho justo.

Mas agora dinheiro público para passeatas, era só o que faltava, o meu dinheiro para aquelas bobagens, não!!!! Sou contribuinte como outro qualquer.

terça-feira, junho 22, 2004
 
OS NOVOS REACIONÁRIOS


Ora, meu caro secretário dos Direitos Humanos do Grupo Gay da Bahia, que todos são iguais perante a lei, isto é ficção que ninguém ignora e que consta de todas as constituições. Como se o filho do presidente de um país tivesse direitos iguais aos do filho do Zé Ninguém. Que caiba à República Federativa lutar contra preconceitos, isto só está escrito em teu bestunto. Não está entre os objetivos fundamentais da República, capitulados no artigo 3º da Constituição, lutar contra coisa alguma, muito menos contra a tal de homofobia.

Por homofobia, neologismo de fim de século, entenda-se o medo, ódio ou aversão a homossexuais. Ora, deste mal não sofro. Desde que me conheço por jornalista, tenho defendido o direito de cada um conduzir sua vida sexual como bem entender. Disto, meu caro Mott, sabes muito bem. Suponho não tenhas esquecido um distante domingo de março de 92, quando me acordaste com um entusiasmado telefonema, para saudar-me por artigo que escrevi na Folha de São Paulo, intitulado Bíblia relata vários casos de amor entre homens. Neste artigo, eu comentava o desespero do rei Davi, ao saber da morte de Jônatas. Enlouquecido de dor, o rei rasga suas roupas e chora a morte do amado: "Tu me eras imensamente querido, a tua amizade me era mais cara que o amor das mulheres", diz o soberano inconsolado. Recebi dezenas de telefonemas indignados, acusando-me de homossexual. Palavra que, na época, era palavrão. O único telefonema de apoio foi o teu.

Jamais alimentei preconceitos, meu caro secretário, em relação a comportamentos sexuais ou a quaisquer outros comportamentos. Desde o ginásio, convivo bem com homossexuais e tive entre eles bons amigos. Criei-me em uma pequena cidade da fronteira gaúcha, entre cujas virtudes sempre foi marcante a da tolerância. Décadas antes de Berlim ou Paris, Dom Pedrito elegeu um prefeito homossexual. O fato não mereceu nenhuma primeira página de jornais. Primeiro, porque Dom Pedrito não é Berlim ou Paris. Segundo, porque a nenhum pedritense causava espécie as práticas sexuais de seu alcaide. A nenhum daqueles gaúchos da fronteira, tidos como machões embrutecidos, ocorreu vetar ou mesmo criticar a candidatura do prefeito por razões de ordem sexual. O que importava era sua postura política, e por estas razões foi eleito.

Sou, isto sim, doentiamente mecenatofóbico. Da mesma forma que abomino cineastas, músicos, escritores e gente de teatro metendo a mão no bolso do contribuinte, vejo os homossexuais como corruptos e cúmplices de corruptos quando assumem o mesmo gesto. Não vejo razão nenhuma para que o Ministério da Cultura financie paradas de deslumbrados nem privilegie determinados comportamentos na cama. Ser homossexual, para mim, é opção individual, não uma questão de Estado. Quanto mais distante permanecer o Estado das questões morais, melhor para a saúde do cidadão. E a Igreja também. Diga-se de passagem, sempre condenei as catilinárias de João Paulo II contra o homossexualismo. Não se pode admitir que, em pleno século XXI, um líder religioso pretenda dar diretivas sobre a vida sexual de cada um.

Curiosamente, os gays contemporâneos fecham com o líder obscurantista, ao reivindicar a formação de família. Quanto mais o casamento tradicional faz água, mais os homossexuais lutam pelo direito de casar. Se possível com a benção desta mesma Igreja que os vê como enfermos. Ou de qualquer outra igreja. Chamando-se igreja, já serve. O que importa é sacramentar a união. A Igreja Católica Ortodoxa, que já celebrou quatro casamentos de parceiras lésbicas em São Paulo, já pensa em uma chácara em Atibaia, com toda a infra-estrutura para um casamento. "Os casais homossexuais serão abençoados por um rito de consagração. A festa terá bufê, lembrancinhas e mesmo o buquê de flores, que será jogado para os participantes".

Mais um pouco e estarão exigindo fidelidade do parceiro. Muito em breve, teremos tédio conjugal e divórcio, males que antes não afetavam os homos. Em vez de fugir ao modelo que está se revelando inadequado ao mundo contemporâneo, os gays nele buscam proteção. Como se núpcias de véu e grinalda os redimissem de um hipotético pecado original. O que um dia foi transgressão e libertação, está virando instituição. Homossexualismo está perdendo a graça. Mais um pouco, os homos - da mesma forma que os negros - estarão exigindo cotas na universidade.

"Temos família e orgulho", foi um dos temas da parada gay em São Paulo. O slogan, como todo slogan, é idiota. Primeiro, porque família, bem ou mal, todos temos. Segundo, porque esta ou aquela sexualidade não deveria ser motivo de orgulho algum. Orgulhar-se de ser homossexual é relegar a uma subespécie de humanidade quem tem outras preferências sexuais. Na parada, não faltou nem mesmo o cartaz absurdo: "Viva o homossexualismo, morra o capitalismo". Quem bolou o slogan parece não ter percebido que é justamente no capitalismo que os homossexuais florescem como alfeninados cogumelos após a chuva. Nos socialistas, estariam - e estão - atrás das grades.

Estamos assistindo ao surgimento de um novo obscurantismo, com nítidas características de proseletismo religioso. Para aplauso do respeitável público, os novos reacionários.



segunda-feira, junho 21, 2004
 
COMENTÁRIO DE LUIZ MOTT

Lastimável o tom preconceituoso e a postura doentiamente homofóbica deste Cristaldo. Se o governo investe no resgate da história e cultura dos afro-descendentes, na preservação da fauna ameaçada de extinção, deixar de investir num segmento social que representa mais de 10% da população brasileira, como é o caso da comunidade homossexual, isto sim, seria inaceitável e digno de reprovação. Ao apoiar as Paradas Gays, os Dias da Consciência Negra, o Dia da Mulher, os governos Federal, Estadual e Municipal estão simplesmente cumprindo o que determina a Constituição Federal: todos são iguais perante a Lei, e cabe à República Federativa do Brasil lutar contra TODOS OS PRECONCEITOS, inclusive a homofobia.

Luiz Mott, Secretário de Direitos Humanos do Grupo Gay da Bahia, Professor Titular de Antropologia, Universidade Federal da Bahia

sexta-feira, junho 18, 2004
 
SOBRE EINSTEIN

(excerto de entrevista concedida pelo físico César Lattes, ao Diário do Povo, de Campinas, 06/08/96)


O senhor é tido como um crítico de Einstein, não é mesmo?
César Lattes - Einstein é uma fraude, uma besta! Ele não sabia a diferença entre uma grandeza física e uma medida de grandeza, uma falha elementar.

E onde exatamente ele cometeu a falha a qual o senhor está falando?
César Lattes - Quando ele plagiou a Teoria da Relatividade do físico e matemático francês Henri Poincaré, em 1905. A Teoria da Relatividade não é invenção dele. Já existe há séculos. Vem da Renascença, de Leonardo Da Vinci, Galileu e Giordano Bruno. Ele não inventou a relatividade. Quem realizou os cálculos corretos para a relatividade foi Poincaré. A fama de Einstein é mais fruto do lobby dele na física do que de seus méritos como cientista. Ele plagiou a Teoria da Relatividade. Se você pegar o livro de história da física de Whittaker, você verá que a Teoria da Relatividade é atribuída a Henri Poincaré e Hawdrik Lawrence. Na primeira edição da Teoria da Relatividade de Einstein, que ele chamou de Teoria da Relatividade Restrita, Ele confundiu medida com grandeza. Na segunda edição, a Teoria da Relatividade Geral, ele confundiu o número com a medida. Uma grande bobagem. Einstein sempre foi uma pessoa dúbia. Ele foi o pacifista que influenciou Roosevelt a fazer a bomba atômica. Além disso, ele não gostava de tomar banho...

Então o senhor considera a Teoria da Relatividade errada? Aquela famosa equação E=MC² está errada?
César Lattes - A equação está certa. É do Henri Poincaré. Já a teoria da relatividade do Einstein está errada. E há vários indícios que comprovam esse ponto de vista

Mas, professor, periodicamente lemos que mais uma teoria de Einstein foi comprovada...
César Lattes - É coisa da galera dele, do lobby dele, que alimenta essa lenda. Ele não era tudo isso. Tem muita gente ganhando a vida ensinando as teorias do Einstein.

Mas e o Prêmio Nobel que ele ganhou por sua pesquisa sobre o efeito fotoelétrico em 1921?
César Lattes - Foi uma teoria furada. A luz é principalmente onda. Ele disse que a luz viajava como partícula. Está errado, é somente na hora da emissão da luz que ela se apresenta como partícula. E essa constatação já tinha sido feita por Max Planck.


quarta-feira, junho 16, 2004
 
HOMOBRÁS


Domingo passado, o centro de São Paulo foi tomado por uma parada gay, que vem se repetindo há sete anos. Que os gays façam paradas, até que se entende, embora particularmente me desagrade todo exibicionismo sexual nas ruas. O difícil de entender é que a promoção tenha sido beneficiada pela Lei do Mecenato do Ministério da Cultura, captando 503 mil reais, de pessoas físicas e jurídicas, a título de incentivos fiscais. Já no ano passado, a Associação do Orgulho Gay, entidade promotora do evento, havia tungado do contribuinte 441 mil reais. O governo ainda repassou 43 mil reais do Fundo Nacional de Cultura para a realização da versão baiana da Parada Gay, realizada na semana retrasada em Salvador.

"Não estamos repassando recursos para um movimento social, mas para um movimento cultural", justificou o ator e secretário de Identidade e Diversidade Cultural do ministério, Sérgio Mamberti. "O ministério trabalha com um conceito ampliado e moderno". Neste país incrível, homossexualismo é cultura. Mais ainda: virou questão de Estado. Mais um pouco e teremos a Homobrás. O homossexualismo é nosso.

Do universo entre as nações, resplandece a do Brasil. Criamos o gay estatal.


sábado, junho 12, 2004
 
GENTINHA INFAME


Entre outros países, sou um apaixonado pela Grécia e Portugal. A Grécia, tanto pelas suas ilhas e cidades, pelo azul e branco onipresente no Egeu, como por aquela explosão de gênio ocorrida três séculos antes do Cristo. Que mais não seja, é o berço primeiro da cultura ocidental. Nossas raízes não estão na África, como pretendem os neo-apparatchiks. Mas em Aristóteles, Platão, Sócrates.

Portugal, não só pelo charme de suas cidades, por sua gastronomia e bons vinhos, como também por Eça e Pessoa. Se alguém quiser me ver entusiasmado, é só puxar assunto sobre Grécia e Portugal. Lá nasceu nossa língua, lá está nosso passado mais próximo.

Hoje, nas ruas, só se falava em Grécia e Portugal. Os dois países estavam na boca do povo. Triste ver esta gentinha infame, que só toma conhecimento de países tão lindos quando ocorre um jogo de futebol.

 
MEMÓRIAS DE UM EX-ESCRITOR (XVI)


Autores brasileiros hoje em moda, mais por suas posições ideológicas que por qualidade estética, morrerão literariamente em breve, se é que já não estão mortos e nenhuma alma caridosa ousou avisá-los. Da mesma forma que matemática é matemática ou não é matemática, literatura é literatura ou não é literatura. A brasileira, pelo menos como está sendo hoje difundida, é uma vaca leiteira que amamenta generosamente os editores, professores e críticos de literatura brasileira. Fora honrosas ilhas - acrescente-se aqui um Mário Quintana e um Aníbal Machado, sem pretender esgotar a lista dos poucos e bons - é vaca e nada mais. Se algum pai quiser um dia afastar o filho do gosto pela literatura, basta encaminhá-lo a um curso de Letras.

Literatura é boa ou má, profunda ou superficial, e estamos conversados. Nada impede que um escritor tente definir seu país. Que mais não seja, raramente consegue definir outro que não o seu. Se nessa tentativa, particularmente nestes dias em que o planeta virou aldeia, quem nada disser ao leitor distante, ao estrangeiro, fracassou. Dostoievski é um escritor russo, correto. Mas também japonês, brasileiro ou argentino.

Adelante! A Bíblia é um livro profundamente nosso, afinal vende aqui mais que qualquer best-seller americano ou mesmo nacional. Jeová, Lúcifer, Adão, Eva, a serpente, estes personagens das ficções hebraicas, estão entranhados no consciente e inconsciente de todo brasileiro, seja de um acadêmico gaúcho ou de um cangaceiro nordestino, seja no bestunto de uma passista de escola de samba como no de um empresário. Estão em Guimarães Rosa e na literatura de cordel, no cinema de Glauber Rocha e no imaginário tanto do cardeal Vicente Scherer como no de minha faxineira. Deus, por exemplo, é o personagem literário mais universal, conhecido tanto por intelectuais como pelo mendigo caído na sarjeta.

Tenho quatorze bíblias em minha biblioteca, quatro em papel, nove em CD-ROM e uma no disco rígido. Gosto de trecheá-las e comparar as traduções. O primeiro livro eletrônico que inseri no computador foi uma Bíblia. Pareceu-me emblemático inserir o livro mais antigo na máquina mais moderna. Sem falar na rapidez de leitura. Em segundos, fico sabendo que no Novo Testamento usa-se oito vezes a palavra cavalo, trinta a palavra sol, lua dez vezes, égua uma só e gato não existe nem pra remédio. Não falta quem se surpreenda com esta coleção e julgue que vivo uma crise religiosa.

Nada disso. Após ter deixado de ver a bíblia como a palavra divina, me agrada degustar esta antologia contraditória e mal-costurada, mescla de história e ficção desenvolvida ao longo dos séculos, uma tentativa nada desprezível do homem primitivo de entender o universo que o envolvia. A prova definitiva de que Deus não existe é a Bíblia. O personagem é tão contraditório, mal construído e pouco convincente, que só pode ser obra da mente humana.

O crente jamais lê várias bíblias. Lê uma só, a que melhor convém à sua seita, e as demais versões são obras do demônio. Ler várias é requinte de quem não crê.

quarta-feira, junho 09, 2004
 
UM BELO FILME

Nestes dias de louvações a assassinos, o bom filme é Slogans, produção franco-albanesa, dirigido por Gjergj Xhuvani.

Recomendo vivamente.


segunda-feira, junho 07, 2004
 
MEMÓRIAS DE UM EX-ESCRITOR (XV)


Um leitor russo ou espanhol, inglês ou francês, tem opções bastantes para buscar autores profundos na própria língua. O leitor brasileiro as tem em termos, terá de refugiar-se em Portugal, em Guerra Junqueiro, Eça de Queirós ou Fernando Pessoa. O endeusamento de mediocridades na literatura brasileira se deve, a meu ver, a essa mania que têm os países com complexo de inferioridade cultural a desenvolver uma literatura nacional. Se existe Brasil, deve existir um cânone brasileiro com seus mitos e gênios.

Vamos então endeusar os nossos, por menores que sejam. Se aproximamos mais a lupa, o panorama se torna ridículo. Em Florianópolis há um cânone catarinense, em Curitiba um paranaense. Não seria de espantar que dentro em breve se exija nos currículos literatura pedritense ou não-me-toquense. Se é que já não se exige.

Ocorre que literatura é tão universal quanto a física ou matemática. Pelo menos até agora os acadêmicos brasileiros não ousaram falar de uma física ou matemática brasileiras. (Na França, foram mais longe: houve época em que se falava em uma geografia burguesa e outra proletária). Quando alguém me pergunta quais autores recomendo na literatura brasileira, não me faço de rogado: Platão, Cervantes, Dostoievski, Swift, Nietzsche, Orwell, Pessoa e por aí afora.

Ora, direis, estes não são autores nacionais. Pois a meu ver, são. Estão traduzidos, fazem parte do imaginário nacional, logo são tão brasileiros quanto Machado ou Rosa. Mesmo que não fossem, pertencem ao acervo universal e não temos o direito de ignorá-los. Por que não considerar Cervantes ou Balzac como escritores brasileiros? Tratam do ser humano e seus personagens invadem nosso dia-a-dia. Dom Quixote é mais conhecido no Brasil do que Braz Cubas, gerou inclusive um adjetivo, quixotesco, aliás presente em outras línguas de cultura. Balzac também. O português é a única língua que define a mulher de trinta anos como balzaquiana. Deu até samba: "Balzac acertou na pinta, mulher só depois dos trinta".

Quando se fala em vinho ou uísque, a preferência recai sobre vinho ou uísque importados. O mesmo vale para carros ou aparelhos eletrônicos. Mas quando se trata da bendita literatura, ela tem de ser nacional.

terça-feira, junho 01, 2004
 
MEMÓRIAS DE UM EX-ESCRITOR (XIV)


Pedra que rola não cria limo, dizem os gaúchos. Muito menos identidade, seria bom acrescentar. Hoje, quando perguntam qual é minha cidade, tenho de refletir. Para começar, não nasci em cidade. De minha mais que metade de século, em Dom Pedrito só vivi seis anos, de 1958 a 63. Quase o mesmo tempo que vivi em Paris. Quando se tem muitas cidades nas costas, temos de estabelecer critérios para definir o que seja "minha cidade". Talvez seja aquela em que nos defrontamos com os primeiros embates existenciais, os primeiros desafios profissionais, a primeira mulher na qual apostamos tudo. Neste sentido, minha cidade é Porto Alegre. Foi lá que fiz minhas universidades, escolhi profissão, ganhei meu primeiro salário. E foi também lá - conquista mais importante que qualquer outra - que encontrei a companheira de toda uma vida, hoje ausente.

Verdade que me sinto muito mais em casa em Madri ou Buenos Aires, é como se sempre tivesse vivido nelas, enquanto na capital gaúcha ainda tenho um pouco a sensação de peixe fora d'água. Seqüelas da infância na fronteira. Em verdade, sempre me senti mais platino, uruguaio, hispânico, que brasileiro. Ao falar espanhol sinto um prazer que o português não me dá.

Em 77, quando recebi bolsa em Paris - do governo francês, que o brasileiro jamais me concedeu qualquer favor - meus professores não entendiam por que razões não escolhera obra de autor brasileiro como tema da tese. Não foi muito fácil explicar que a literatura brasileira pouco ou nada me dizia.

O Brasil ainda não produziu um poema que possa ombrear com o Martín Fierro, nem escritores do porte de um Roberto Arlt, Ernesto Sábato ou José Donoso. Machado de Assis, desculpem-me os machadianos, é literatura água-com-açúcar, tanto que é permissível em qualquer escola secundária, até mesmo religiosa. Se um escritor entra nos círculos didáticos oficiais, é porque sua literatura já perdeu seu potencial subversivo. Quando Machado começa a escrever, há um mundo editorial tão incipiente no Brasil que os escritores tinham de publicar em Paris. Como dizia Fernando Pessoa, sobre um pano de fundo de nada qualquer coisa se destaca.

Guimarães Rosa, perdoem-me os rosianos, é um elefante branco criado pela universidade brasileira. Impossível negar seu talento de poliglota e criador de uma linguagem, mas é o menos lido e mais citado dos ficcionistas brasileiros. Escreve para uma elite que sequer o lê. As tiragens de suas obras só foram possíveis porque impostas em currículos acadêmicos.

Erico Verissimo, gostei muito de conversar com o homem, mas o escritor não me diz nada. É outra planta de estufa universitária. O gaúcho pintado por Verissimo é uma ficção ao estilo dos Centros de Tradições Gaúchas, nada tem a ver com nosso homem de fronteira. (O gaúcho mesmo, sem pilchas nem fanfarronadas, está em Aureliano Figueiredo Pinto, um dos injustiçados da cultura gaúcha. Memórias do Coronel Falcão, editado postumamente, foi sufocado pelos donos da cultura na capital, entre outras razões porque continha "espanholismos"). Erico foi homem urbano, nada conhecia da vida de campo. Ele próprio jamais se considerou escritor, apenas um contador de histórias. O problema em torno a Verissimo é a simpatia e calor humano que dele emanavam. Depois de uma charla com ele, não era fácil ir aos jornais e dizer o que se pensava de sua literatura. As novas gerações têm a vantagem de não sofrer este constrangimento, e talvez dentro em breve sua obra seja avaliada com isenção. Mais ainda: Erico foi covarde e omisso em relação ao comunismo. Conto mais adiante.

Jorge Amado, cortesã de alto bordo, foi nazista, stalinista, cúmplice das duas ideologias mais assassinas que empestaram o século, e vira qualquer coisa que lhe renda fortuna. Apoiou Collor de Mello na tentativa de colocar o Itamaraty em sua campanha desesperada para receber o Nobel. Suas traduções no mundo todo se devem à sua cumplicidade com o fascismo eslavo. A bem da verdade, tem um belo livro, e um só: Os Velhos Marinheiros.

Escritor de porte, para competir na literatura universal, penso que o Brasil tem apenas um, o Nelson Rodrigues. Só começou a ser descoberto depois da queda do Muro de Berlim. Seu teatro tinha livre trânsito, afinal denunciava as "contradições da burguesia". Como malhava as esquerdas em suas crônicas, o Nelson cronista sempre foi maldito nos círculos intelectuais do país. De qualquer forma, em matéria de literatura, sempre me senti melhor freqüentando os hispânicos. Mas adoro reler o Nelson, o das crônicas. Escritor bom é o que gostamos de reler. Os outros passam. "Só escrevo para ser relido", dizia Gide. Como dizia D. H. Lawrence, é melhor ler um livro seis vezes do que seis livros.