¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, julho 31, 2006
 
REMEMBER ALTALENA



Que Israel tem necessidade de extirpar o Hizbollah de suas fronteiras, disto só os insensatos discordam. Que o bombardeio da cidade libanesa de Qana, com 28 vítimas civis - entre elas 19 crianças - foi uma insensatez, disto só os fanáticos defensores de Israel discordam. Os judeus já estão intuindo que pagarão um alto preço no mundo todo por este ataque insano.

Quem se espanta com a determinação de Israel nunca deve ter ouvido falar do Altalena. O episódio ocorreu nos albores do Estado hebraico, em junho de 1948, e judeu algum gosta de relembrá-lo. O Altalena era um cargueiro que trouxe da Tchecoslováquia um carregamento de armas, por encomenda do Irgun, grupo armado judeu separado do Haganá. As armas seriam desembarcadas clandestinamente nas costas de Israel.

Quando o Altalena chegou, Yitzhak Rabin, obedecendo ordens do governo, comandou um grupo que explodiu o navio, matando mais de 100 judeus.

 
PIB & FIB



Estudiosos dessa inefável ventura, a felicidade, estão preocupados em saber onde ela reside. Nas últimas semanas, fomos bombardeados por pelo menos três pesquisas. Para o economista britânico Richard Layard, em Happiness: Lessons From a New Science, a felicidade residiria no reino budista do Butão.

O Butão é um país isolado no Himalaia, cujo rei, Sua Majestade Jigme Singye Wangchuck - o primeiro marajá da dinastia dos Wangchuk a auto-intitular-se rei - decidiu abandonar os obsoletos índices de Produto Interno Bruto e substitui-lo por um índice de Felicidade Interna Bruta. Abaixo o PIB, viva a FIB. Sua jogada de marketing parece ter agradado às eternas e azedas esquerdas, que acham que PIB não quer dizer nada. Não que acreditem nisso, mas como o PIB das nações capitalistas sempre foi superior ao das socialistas, então o PIB "é do mal".

Mais dia, menos dia, o mal acabou entrando no paraíso. Não através da serpente, mas de algo muito mais insidioso, a televisão. Segundo Layard, "os butaneses puderam então ver a mistura comum de futebol, violência, traição sexual, propaganda, lutas e afins. Eles adoraram, mas o impacto em sua sociedade fornece um experimento notável sobre como a mudança tecnológica pode afetar atitude e comportamento. Logo se observou um aumento profundo em rompimentos familiares, crimes e consumo de drogas."

Ou seja, a realidade circundante invadiu o país. O bode a ser banido para o deserto é a televisão. "Nos últimos anos, o governo butanês vem tentando banir do país a televisão, ou ao menos os programas mais odiosos." Confesso que jamais vi justificativa tão linda e nobre da censura. Oremos para que o Supremo Apedeuta não a ouça nem se converta ao budismo. Poderia ser tentado a acabar com a violência, os crimes e o consumo de droga mediante uma medida singela, a proibição da televisão.

Segundo pesquisa feita por Layard nos EUA, quanto mais uma pessoa assiste televisão, menos feliz ela é. A solução então é simples: retire a televisão da sala e suas chances de ser feliz aumentarão. Sua Majestade Jigme Singye Wangchuck parece ter conseguido vender ao Ocidente a idéia de que, para a felicidade geral das nações, é melhor renunciar ao presente e encerrar-se nas trevas do passado. Sob o repúdio à televisão, o livro do economista britânico esconde uma tese safada: informação é infelicidade. Do fundo de seu sarcófago, Stalin deve ter esboçado um sorriso: "finalmente fui entendido".

De qualquer forma, não se entusiasme. Não é fácil visitar o país onde a felicidade mora. Só é permitida a entrada de pessoas autorizadas por Sua Majestade ou pelo ministério de Turismo. Essas pessoas devem efetuar o depósito de cerca de US$ 200 por dia a favor do governo. Qualquer semelhança com a velha União Soviética e a Intourist não é mera coincidência. Sua Majestade, a título de curiosidade, é casado com quatro mulheres, todas irmãs. Sua FIB deve ser muito alta.

Por outro lado, a New Economics Foundation e a ONG Friends of Earth criaram o Happy Planet Index, segundo o qual a felicidade teria estabelecido sua morada no arquipélago de Vanuatu - 83 ilhas no Pacífico, com 209 mil habitantes, na maioria pescadores e agricultores que vivem numa economia pouco além do nível da subsistência. Os vanuatuenses tiveram a melhor média de três indicadores básicos: esperança de vida ao nascer, bem-estar humano e nível dos danos ambientais causados ao país. Nesse índice, o Brasil ficou em 65º lugar, atrás da Colômbia, da Argentina, do Chile e do Paraguai - até de Bangladesh. Os Estados Unidos ficaram com o 150º lugar, um dos últimos entre 178 países. O Happy Planet Index quer evidenciar que "não é necessário esgotar os recursos naturais da Terra para se ter uma vida relativamente longa e feliz". Seus critérios são, no fundo, um panfleto contra tudo o que de bom o Ocidente oferece.

Se os vanuatenses se sentem felizes numa economia que vai pouco além da subsistência, estão confundindo ignorância do mundo contemporâneo com felicidade. "Se estamos em um quarto escuro e dizemos que não há luz é porque alguma vez vimos a luz. Algo parecido acontece com a felicidade", escreveu Swami Tilak. A pesquisa cheira à estratégia dos ecochatos que, uma vez morto o socialismo, querem empunhar novas bandeiras contra o capitalismo triunfante. Ora, uma comunidade de 200 mil pessoas isoladas num mar oceano, que vivem numa agricultura de mão pra boca, jamais reunirá aqueles elementos que tornam a vida prazerosa.

A universidade britânica de Leicester, por sua vez, elaborou o que seria o primeiro mapa mundial da felicidade, em estudo que reúne 177 países. Segundo este, os dinamarqueses e os suíços são os mais felizes. Depois destes, vêm os cidadãos da Áustria, Islândia, Bahamas, Finlândia e Suécia. Zimbabuanos e burundineses estão nos postos mais baixos e os brasileiros em 81º lugar. Dentro de meu conceito, já não digo de felicidade, que é muito relativo, mas de bem-estar, parece-me um mapa sensato. Que a vida é agradável na Dinamarca e Suíça, disto estou ciente. Que deve ser dura no Zimbábue e Burundi, disto também estou ciente, mesmo sem jamais ter postos os pés naquelas plagas.

Ao que tudo indica, as ideologias invadiram a geografia da felicidade e a disputam palmo a palmo. Como se felicidade tivesse geografia. Sentimento personalíssimo e subjetivo, não vejo muito bem como possa ser mensurada. Para populações que desconhecem uma gastronomia elaborada, qualquer gororoba que mate a fome deve dar uma sensação de paraíso. A gastronomia, a meu ver, é algo altamente espiritualizado. O gastrônomo não come para satisfazer a vil premência física, mas a uma necessidade do espírito. Para civilizações que desconhecem bons vinhos, suco de laranja deve saber a néctar dos deuses. Faltou a prova dos nove nas três pesquisas: investigar se os vanuatenses ou os butaneses continuariam sendo felizes em suas economias precárias após degustar os requintes do Ocidente.

Não vejo grandes FIBs sem altos PIBs. Os rosseaunianos adoradores da vida frugal que me desculpem. Altos PIBs significam mais opções de lazer, mais conforto no dia-a-dia, mais acesso à cultura e à saúde, medicina de ponta na hora da doença. E essa grande aventura do espírito - as viagens - ao dispor de qualquer veneta. Quanto à felicidade, é uma questão de ambições. Já vi mendigos rindo sozinhos em uma noite gelada, felizes com uma garrafinha de cachaça. E conheço não poucas pessoas, de muitas posses e com altos saldos bancários, mergulhadas na depressão e próximas ao suicídio. Conheço inclusive pessoa que comprou carro blindado para proteger sua vida e hoje teme olhar para o revólver, por medo de não resistir a matá-la.

Certa vez, no aeroporto de Cumbica, puxei conversa com uma moça que servia cafezinho. O trabalho é duro, oito horas em pé, circulando dentro de um brete. "Eu estou feliz da vida" - me dizia a moça -. "Não fosse este trabalho, eu estaria na roça, no cabo da enxada".

Conheci o cabo da enxada e já fui feliz com uma bicicleta. Cresci, me eduquei, zanzei pelo mundo e hoje, meu conceito de paraíso mudou, mas não deixa de ser singelo: uma manhã de inverno ensolarada, na terrasse de um café em Paris - pode ser também em Copenhague ou Zurique. Ou Madri ou Roma - temperatura de uns dez graus, jornais de dois ou três países, dois ou três livros para dar as primeiras folheadas e uma Leffe radieuse. Detesto a idéia de eternidade. Mas se for assim, topo. Buñuel tinha um desejo parecido. Gostaria de, depois de morto, sair de vez em quando da tumba, esgueirar-se lívido pelos muros, ir até uma banca de jornais e voltar com alguns debaixo do braço.

Claro que PIB não significa automaticamente felicidade. Prova disto são os altos índices de suicídio dos países desenvolvidos. Mas sem altos PIBs, a tal de FIB não passa de mais uma utopia das esquerdas. Há gentes de todo azimute tentando vender a idéia de que há virtudes na pobreza. São em geral pessoas ricas, que jamais viram a miséria de perto. Ou que só a viram como turistas.

domingo, julho 30, 2006
 
TV E INCESTO



Desconheço o que ocorre no universo televisivo brasileiro. Fora algum noticiário, nada sei do que se passa na telinha. Assim sendo, através de um leitor de Angola - longe vão as obras primas nacionais! - fiquei sabendo que incesto tem sido o prato forte das novelas da Globo:

Eu tenho assistido muito as novelas do Brasil. E observei que nas três da Globo, em questão de um mês, a temática foi o incesto. Senão vejamos:
- em Belíssima, descobriu-se, ao final, que a personagem de Adriana Esteves, que era casada e teve uma filha com o neto de Bia Falcão, era na realidade, filha desta;
- em Cobras & Lagartos, o personagem Martim ama Letícia, mas pensa que é irmão dela;
- em Sinhá Moça, o personagem Rafael está no maior dilema, por amar Sinhá Moça, e se morde de ciúmes dela, mesmo sabendo que é seu meio irmão.
Coincidência? Ou será que daqui a alguns anos, este não será mais um tabu a ser derrubado? Foi assim que começaram, com os casais homossexuais, e agora, já liberaram o beijo entre eles na TV.


Tabu até pode ser. Mas ilegal não é. Incesto não é proibido pelas leis brasileiras. Se alguém é maior de idade e quer relacionar-se com sua filha, filho, irmã ou irmão, desde que este seja também maior idade e que a relação não decorra de violência ou constrangimento físico, só podemos desejar-lhe bom proveito. O incesto é condenado por preceitos éticos, mas ética não tem força de lei. Pelo menos enquanto o preceito ético não estiver tipificado como crime no Código Penal.

sábado, julho 29, 2006
 
AINDA A PAGA DA TRADUTORA


Mas o erro, na verdade, parece estar na tradução da notícia a partir do espanhol. Um outro amigo fornece um despacho da EFE:

La traductora al japonés de la serie de libros sobre el mago Harry Potter, Yuko Matsuoka, ha sido acusada de fraude fiscal por las autoridades japonesas, según fuentes cercanas al caso citadas por la agencia Kyodo. La Hacienda nipona considera que Matsuoka no declaró 3.500 millones de yenes (23,5 millones de euros) de ingresos durante tres años, entre 2002 y 2004, por lo que le reclama 700 millones de yenes (4,7 millones de euros), de acuerdo con la agencia japonesa.

O redator do Estadão caiu numa das armadilhas do espanhol, o mil millones, que significa um bilhão. Então: 3,5 bilhões em yens. O que vai dar 23,5 milhões em euro, conforme o câmbio utilizado pela EFE.

Retorno pois a meu desconsolo.

sexta-feira, julho 28, 2006
 
CONSOLO DE TRADUTOR DE PAÍS POBRE


Um amigo me alerta sobre um erro na nota sobre a tradutora de Harry Potter no Japão. 3.500.000 yenes dá uns 299.600 dólares. E não 29,6 milhões, como o Estadão publicou. Ocorreu um erro de vírgula no câmbio.

Mesmo assim, é uma remuneração de sonho para três anos de tradução.

 
ALCKMIN MORRE PELA BOCA


Acabo de ouvir na televisão uma declaração espantosa de Geraldo Alckmin, o canditato das oposições, celebrando o apoio de Itamar Franco:

- Diz-me com quem andas e dir-te-ei quem é és. O presidente Itamar é uma figura impecável... etc, etc, etc.

Perdoai, leitores, o vatícinio sombrio. Com opositores deste jaez, o Supremo Apedeuta nem precisa de apoiadores para reeleger-se.

 
DA VENTURA DE SER TRADUTOR NO JAPÃO



Leio no Estadão:

Tradutora de Potter acusada de fraude

A tradutora ao japonês da série de livros Harry Potter, Yuko Matsuoka, de 62 anos, foi acusada de fraude fiscal pelas autoridades japonesas. Yuko não declarou 3.500 milhões de yenes (US$ 29,6 milhões) de rendimentos durante três anos, entre 2002 e 2004.


Como tradutor neste país de Terceiro Mundo, fico perplexo. Um tradutor literário, no Brasil, ganha pouco mais que um digitador. Traduz mais por paixão que por dinheiro. 29 milhões de dólares em três anos está além da imaginação de um escritor brasileiro. Imagine de um tradutor!

Traduzi em torno de vinte livros, do sueco, espanhol e francês. Nunca me moveu o pagamento, que sempre foi irrisório. Traduzir é penetrar a fundo em uma língua, em uma cultura, e isto foi o que sempre me moveu. Jamais traduzi obras pelas quais não me fascinasse. Traduzir foi então prazeroso.

Do sueco, traduzi Karin Boye e Maria Gripe. Literatura requintada. Como no Brasil pouco ou nenhum interesse há por literatura requintada, não rendeu nem segunda edição. Kalocaína, de Karin Boye, é um dos mais belos momentos da literatura universal. Quem sabe hoje quem é Karin Boye? Ninguém.

Do sueco, traduzi ainda a Saga do Grande Computador, de Olof Johanesson, pseudônimo de Hannes Alfvén, prêmio Nobel de Física em 1970. Soberba antecipação destes nossos dias internéticos, o livro foi recusado por mais de 15 editores. Mas você pode encontrá-lo hoje, como e-book, em http://www.ebooksbrasil.com.

Da América Latina, traduzi Sábato (quase toda sua obra), Borges, Bioy Casares, José Donoso e o fantástico Roberto Arlt. Da Espanha, Camilo José Cela e sua obra-prima, A Família de Pascual Duarte. Quando propus a tradução de Cela, editor algum imaginava que logo adiante ele seria Prêmio Nobel. Do francês, traduzi Michel Déon e Michel Tournier. Em suma, traduzi a melhor literatura contemporânea. Creio que minha faxineira ganha mais por hora do que ganhei como tradutor.

Apenas constato, não me queixo. Traduzir um bom livro é uma aventura intelectual, e estas aventuras eu as vivi com sumo prazer. Jamais traduziria Harry Potter. Traduziria até mesmo Hitler, dada sua importância histórica. Mas jamais best-sellers produzidos para satisfazer os baixos instintos das massas.

Mas é interessante ser tradutor no Japão. Resta saber se os tradutores de boa literatura são também tão bem remunerados.

quinta-feira, julho 27, 2006
 
AINDA AS TRÊS VIAS


Olá...Dr.Janer...tudo bem?

Envio a presente para dar meus parabéns pelo artigo "As três vias de acesso".
Explico. Já estava ficando sufocado... porque vislumbrei em minha vida a mesma situação que o colega atravessou, em nosso País parecem ter esquecido o verdadeiro significado da palavra com mérito, minha formação é juridica, tendo estudado um pouco de ciências sociais e filosofia também. Em Direito posso lhe afirmar que a situação é a mesma - experiência profissional e titulação acadêmica no exterior - só vale pra quem já está lá...dando aulas....

Fico feliz porque é a primeira vez que encontro uma pessoa com a mesma indignação e me sinto honrado por compartilharmos o mesmo ponto de vista nesses tempos obscuros.

Às vezes me encontro perdido em meus pensamentos - naqueles momentos de reflexão que todos temos - será que ninguém percebe que se isso não mudar é o nosso País que perde, somos todos nós que perdemos?

E o pior é que tem gente que quando falamos sobre essas coisas acham que está tudo normal...e o errado é a gente...é dose....

Um grande abraço!

Saudações!
Caios J.C. Mariano
advogado

 
MINISTRO DESCOBRE AMÉRICA


De acordo com Guido Mantega, ministro da Fazenda, a autorização para que as compras em free-shops nacionais sejam pagas em reais foi adotada apenas para dar mais importância à moeda nacional. "É incômodo para o cidadão brasileiro o fato da moeda dele não valer nada em seu próprio território", argumentou. Ou seja, o ministro finalmente descobriu que o real não vale grande coisa mesmo no Brasil.

O que o ministro não parece ter percebido ainda é que, fora da América Latina, o real não vale nada. Nunca valeu. Exceto Portugal - e se bem me lembro com um razoável deságio - você não troca reais em país algum do mundo. Outra anomalia que o ministro parece também não ter percebido, é que, com exceção de Austrália e Nova Zelândia, free-shops existem apenas na saída do país, não na entrada.

quarta-feira, julho 26, 2006
 
JOVEM E PREGUIÇOSO



Em uma resenha sobre Ferdidurke, de Witold Gombrowicz, a última Veja se refere ao "excêntrico autor polonês que já era íntimo dos argentinos - e só agora chega ao Brasil".

Jerônimo Teixeira, o autor da resenha, deve ser jovem. Gombrowicz foi muito lido no Brasil nos anos 70 e teve duas obras publicadas entre nós: Bakakai (1968, tradução de Álvaro Cabral) e Pornografia (1970, tradução de Flávio Moreira da Costa), ambas pela Editora Expressão e Cultura, do Rio.

Gombrowicz é um personagem curioso. Desembarcou em 1939 na Argentina, por acaso. Como naquele ano Hitler invadiu a Polônia, resolveu ficar por aqui mesmo. Trabalhou como bancário na Argentina. Vivia com colegas em uma pensão e recusava-se a arrumar seu quarto. "Eu sou nobre. E nós, os nobres, detestamos tarefas braçais". Bakakai pode soar como polonês, mas é apenas o nome de uma das ruas em que viveu em Buenos Aires.

Além de jovem, Jerônimo Teixeira deve ser preguiçoso. Bastaria uma olhadela no Google e em 0,15 segundo teria esta informação. É espantoso como, em plena era internética, jornalistas desdenhem os recursos que a Web oferece.

terça-feira, julho 25, 2006
 
SOBRE AS TRÊS VIAS



Prezado Janer Cristaldo,

Lí sua matéria na internet e a achei muuito interessante, sou aluno da UFPA, mestrando em Computação aplicada a engenharia, no mês de maio, último, me inscrevi em um concurso do CEFET (Centro Federal de Educação Tecnológica) do Pará, pra Professor e me deparei com este problema "concurso de cartas marcadas", havia 10 candidatos, duas vagas, os dois candidatos aprovados são intimos da banca que foi nomeada, e claro, que eles foram aprovados, inclusive um deles é Professor-visitante e amigo intimo de toda a Banca, fui ao Ministério Público Federal fazer uma denúncia, estou esperando o resultado da apuração, lhe escrevo somente pra dizer que, nas áreas de exatas e tecnologia também existem essas tais "panelas", ou cartas marcadas, como bem dizia o poeta Renato russo. As instituições públicas de educação, ditas IFEs (Instituições Federais de Ensino, que são os CEFETS, universidades federais e escolas agrotécnicas) estão cercadas de pessoas que são nomeadas por indicação para cargos de gerência, que elaboram concursos, sejam eles pra docentes ou técnicos, somente com o intuito de colocar os "seus", e quem não tem parentes ou amigos lá como o meu caso, como fica? Acho que vou fazer como tu, passar uma temporada na Europa, eheheheh. Um grande abraço e parabéns pelo artigo,

Antônio Marcos Cardoso Silva
Mestrando em Computação Aplicada à Engenharia
UFPA - PPGEE - Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica

 
ATRAÇÃO PELO LIXO



Um leitor me pergunta:

- Janer, meus filhos de 8 e 5 anos assistem tal novela. Está correto em tal horário?

Eu pergunto:

- Por que essas duas crianças estão assistindo a tal novela? Se já estão expostas ao lixo da rede Globo, saber que uma mulher teve um orgasmo não fará mal maior. Aliás, não fará mal nenhum. Que deformação moral pode sofrer uma criança se souber que uma mulher se masturba? Nessa idade, as crianças já sabem que as pessoas morrem, fato bem mais grave e sem volta. Tomar conhecimento de uma anódina circunstância da vida não lhes trará prejuízo algum.

Que mais não seja, que fazia o leitor com seus filhos há poucos anos, quando o Jornal Nacional comentava todos os dias, às 20h, as práticas sexuais de Clinton no Salão Oval? O que ocorre, ao que tudo indica, é que os adultos gostam de assistir ao lixo e não sabem como mandar os filhos para a cama.

segunda-feira, julho 24, 2006
 
A IMPROPRIEDADE DOS MARASMOS



Era Porto Alegre, 1968, final de curso de Filosofia. Como o curso não fornecia créditos suficientes para bacharelato, fui obrigado a fazer algumas cadeiras de Pedagogia no Colégio de Aplicação da UFRGS, considerado na época a mais avançada experiência educacional de Porto Alegre. No primeiro dia de aula, querendo impressionar os egressos da Filosofia, as pedagogas apresentaram um jogral, interpretado pelos alunos, sobre A Náusea, de Sartre.

O resultado era de doer no estômago. Adolescentes que não tinham idéia nenhuma de existencialismo, nem mesmo do clima que antecedera a Segunda Guerra, proferiam frases de efeito. De efeito, mas vazias de qualquer significação. Protestei. Aquilo era pura masturbação mental, quando aqueles jovens estavam na idade da masturbação física, apenas. Uma das pedagogas, que tinha o peito côncavo - talvez pelo esforço de esconder os seios quando estes surgiram - ficou indignada: "O sr. está refletindo problemas pessoais".

- Claro - respondi. Quando adolescente, eu me masturbava, professora. A senhora não?

Um silêncio mortal caiu sobre a sala. Anjos passavam por cima de nossas cabeças. Até parecia que eu havia dito alguma impropriedade. A pedagoga encerrou a aula. Disse que me dispensava das próximas, eu poderia trabalhar em casa. Recusei. Queria participar das aulas. A guerrilha estava deflagrada. Quando eu entrava na sala, o Côncavo Andando entrava em taquicardia.

Tivemos outro conflito. Havia um livro proibido na mais avançada experiência educacional de Porto Alegre. Pasma, leitor: era o Dom Casmurro, do Machado. E por que proibido? Sempre sexo: deixava aberta a possibilidade de Capitu ter traído Bentinho. Ao saber da proibição do casto Machado, logo daquele autor que sempre baixava os reposteiros das alcovas quando algo iria acontecer, denunciei a censura aos jornais. Tomei a defesa do autor, logo eu que jamais tivera maior apreço por sua literatura. Resumo da ópera: recebi a primeira e única reprovação de minha vida. Fui ainda o único aluno reprovado na Filosofia, nos quatro anos de curso. E - não duvido - talvez o único aluno a ser reprovado em toda a história do curso.

Era Porto Alegre, 1968, dizia. No ano seguinte, comecei a trabalhar em jornal. Fiz uma reportagem sobre a prostituição, que intitulei de "Porque os homens pagam". Foi para a cesta do lixo. Não se podia grafar a palavra prostituta em um jornal. Neste sentido, o Brasil em nada diferia dos países socialistas: como oficialmente não havia prostituição, jornal algum podia falar de algo que não existia. Até que entendo, com alguma boa vontade, os pudores da época. O difícil de entender é que, no ano da graça de 2006 - 38 anos após 1968 - alguém admitir na televisão que se masturba possa ainda causar escândalo. Na Idade Média, os teólogos discutiam abertamente a questão. Em latim, é verdade, mas discutiam. Teologia, a rigor, é a "ciência" que discute Deus. Mas os teólogos sempre preferiram discutir sexo.

Não assisto TV nacional. Do que ocorre nesse universo, só tenho notícia através dos jornais. O fato teria ocorrido em uma das novelas da rede Globo. Não lembro em que novela foi nem vou pesquisar para saber em qual. Me contento com o fato. Uma senhora, já de idade, afirmou que, através da masturbação, pela primeira vez teve um orgasmo. Aos 45 anos. Horror nacional! Como pode uma televisão transmitir confissão tão horrenda? A novela passará agora a ser controlada de perto pela emissora.

Hipocrisia nacional, diria eu. Você troca de canal, e lá está uma velhota canadense, a Sue Johanson, exibindo seu farto estoque de dildos e especificando as virtudes de cada um. Para quem assiste às sitcoms ianques, a impressão que fica é que cada americana carrega um vibrador na bolsa. Mas a casta Globo não pode permitir-se tais liberalidades. Você pode assistir ao que quiser na telinha, desde que a procedência desse "o que quiser" não seja nacional. O episódio nos remete à Romênia, na era dos Ceaucescu, quando a palavra orgasmo era proibida de ser grafada no país. Os escritores, para contornar a proibição, escreviam marasmos. Quando o leitor lia "Que marasmo!", sabia que devia entender orgasmo. (Só não sei como se viravam os escritores quando queriam escrever marasmo mesmo).

Pessoas que não se masturbam ou não têm vida sexual são mais freqüentes do que se imagina. O insigne filósofo marxista Louis Althusser - aquele humanista que aos 62 anos estrangulou a própria mulher - só foi descobrir a masturbação aos 29, conforme confessa em L'avenir dure longtemps. Até lá, andava com aquela coisa rija entre as pernas sem saber o que fazer com ela. Salvador Dali foi iniciado por Gala, já em idade adulta. E o grande herói das esquerdas tupiniquins, Luís Carlos Prestes - o ídolo de Tarso Genro - esperou os 37 anos para ser deflorado por uma judia alemã, oficial do Exército Vermelho. Alguém concebe o Cavaleiro da Esperança só conhecendo mulher já nel mezzo del camin di nostra vita? Curioso que tais anomalias a ninguém causem espécie.

Tenho em minha biblioteca um setor onde coleciono um tipo de livro que defino como abortos literários. São aquelas obras que excelem por seu alto teor de ridículo. Um dos pontos altos desta minha coleção é L'Onanisme, do Dr. Tissot. Tem como subtítulo: dissertation sur les maladies produites par la masturbation. O livro é de 1760 e teve, até 1905, 63 edições, em alemão, inglês, russo, italiano e espanhol. Pretende ser uma abordagem científica do mal de Onan.

Segundo o Dr. Tissot, esta prática conduz à descoloração da pele, à magreza, à cor de chumbo da tez, os olhos perdem seu brilho, os lábios sua vermelhidão, os dentes sua brancura e a estatura se deforma com a curvatura da espinha. A cegueira e a morte são as conseqüências naturais da masturbação. "O masturbador põe em perigo a ordem da natureza, isto é, a ordem social. Os jovens se desvirilizam. Quanto às jovens, muitas delas não se contentam com a prática infame e se tornam tríbades, assumindo assim as funções viris. Dissipando as forças da juventude, comprometendo irremediavelmente o crescimento, toda uma geração se enfraquece e, a longo termo, a qualidade da raça é diminuída pelo flagelo".

Três séculos após o Dr. Tissot, nesta era televisiva em que sexo tornou-se o pão de cada dia do espectador e a homossexualidade já é quase regra, a rede Globo decide censurar-se após a dolorida confissão de uma senhora que desconheceu o prazer sexual em sua juventude. Mais um pouco e voltaremos aos dias do Colégio de Aplicação de Porto Alegre, quando as pedagogas não tinham orgasmos. Ou aos dias dos Ceaucescu, na Romênia, quando as mulheres tinham marasmos.

domingo, julho 23, 2006
 
CASTA SUZANE


Os jornais deveriam ser mais objetivos e terminar com essa bobagem de afirmar que Suzane von Richthofen foi condenada a 39 anos e 6 meses de prisão pelo assassinato de seus pais. Teoricamente, foi. De fato, em razão da tal de progressão de pena, e como já ficou 2 anos e 9 meses na prisão, poderá estar livre daqui a 3 anos e 7 meses. Isso se o júri não for anulado, como pretende um de seus advogados, e se os jurados não forem mais lenientes com a inocente mocinha no eventual novo julgamento. Os malvados irmãos Cravinhos, que seduziram a casta Suzane, estarão livres em 2 anos e 9 meses, um deles, e 2 anos e 7 meses, o outro.

Se Suzane renunciar à renúncia pública de sua herança - o que nada a impede de fazê-lo - seu gesto não deixará de ser lucrativo. Algo em torno de um milhão de reais por pouco mais de seis anos de prisão. Não é qualquer brasileiro que consegue amealhar isso em tão pouco tempo. Nem o presidente da República, segundo sua declaração à Justiça Eleitoral, conseguiu tanto em décadas de ócio remunerado.

Seis anos de privação de liberdade por um duplo parricídio? Conforme a herança, é de se pensar no assunto. A relação custo-benefício é atraente. A decisão dos jurados será estimulante para as novas gerações.

sexta-feira, julho 21, 2006
 
DEFESA À LA GENRO

"Eles cometeram um crime, mas não são criminosos" - disse Gislaine Jabur, advogada dos irmãos Cravinhos, durante o júri do caso Richthofen. Até parece defesa do Tarso Genro. Não houve crimes do stalinismo. Apenas desvios. O PT não comete crimes. Comete erros.

quinta-feira, julho 20, 2006
 
CAMUS, ZIDANE E A INDIGÊNCIA
MENTAL TUPINIQUIM




Quando pesquisei Albert Camus, para minha tese de doutorado, vi muitas interpretações absurdas para suas novelas, sempre com alguma propensão metafísica, e portanto sujeitas aos mais diversos desvarios. Mas a intelligentsia tupiniquim superou de longe todo o besteirol já escrito sobre Camus. Em reportagem de Sylvia Colombo, lemos na Folha de São Paulo de hoje:

Quando Meursault, o protagonista do romance filosófico de Albert Camus, O Estrangeiro (1942), atira e mata um homem, sem razão aparente e debaixo de um sol escaldante, percebe que alterou o equilíbrio de uma "praia onde havia sido feliz" e que aquilo o levaria a bater, irremediavelmente, à "porta da desgraça".
Seria possível comparar essa passagem memorável da obra de Camus (1913-1960) com a explosão de cólera do jogador francês Zinedine Zidane na final da Copa? Seria a cabeçada que deu no italiano Materazzi, como os tiros de Meursault, um ato também irracional e aparentemente gratuito que, no caso de Zizou, colocava em risco uma trajetória gloriosa?(...) Entre Zidane e Meursault há alguns paralelos possíveis. Em primeiro lugar, o fato de que as duas explosões de violência destruíram, num momento luminoso de suas vidas, uma narrativa até então coerente. Depois, nos dois casos, temos um julgamento público que pode terminar numa reparação, mas não necessariamente numa explicação racional sobre o que aconteceu. E, por fim, aí já no plano da mera curiosidade, tanto Camus como Zidane são de origem argelina.


Ora, em O Estrangeiro temos um assassinato, com fortes conotações metafísicas. Na verdade, é um recurso literário do autor - semelhante ao crime gratuito cometido por Lafcadio, em Os Falsos Moedeiros, de Gide - para discutir a questão do assassinato. É um tema eminentemente dostoievskiano. No jogo final da Copa tivemos a atitude estúpida de uma estrela do futebol, que aliás já cometera treze outros gestos também estúpidos em jogos passados. Sua cabeçada de fim de carreira não deveria supreender quem conhece sua trajetória. Quanto a afirmar que Zidane e Camus têm origens argelinas em pouco difere de afirmar que Hitler e Mozart eram austríacos. Ou seja, daí não concluí coisa alguma.

Para o escritor Joca Reiners Terron, o jogador fez uma paródia involuntária de Meursault. "A cabeçada e a negação de um arrependimento posterior soaram como recomendação de lucidez no absurdo". Já para o colunista da Folha João Pereira Coutinho, "o que mais os aproxima é o fato de terem mostrado que nem todos os nossos comportamentos têm explicações civilizacionais".

Um outro colunista da mesma Folha e pesquisador da obra de Camus, Manuel da Costa Pinto, recorre a O Homem Revoltado (1951),

em que o escritor argelino distingue os crimes de paixão dos crimes de lógica. "Os primeiros conservam sua excepcionalidade, enquanto os outros, ao advogarem sua necessidade, acabam virando regra. Zidane pertence ao primeiro caso. Preferiu ser fiel a si mesmo, mas, em nenhum momento, reivindicou uma razão abstrata que legitimasse o que fez. Reconheceu a culpa, mas afirmando que naquele momento - e só nele - a violência era imperativa".

E absurdos outros, por el estilo. Sem querer comparar mas já comparando, diz a crítica literária Leyla Perrone-Moysés:

O paralelo pode ser interessante e é bom que apareça porque esse episódio merece debate. Nos dois casos houve um surto. Mas são coisas diferentes. Meursault sente o mal-estar do mundo e não reage. Zidane estava reagindo.

Os bravos intelectuais tupiniquins parecem ter-se rendido à estupidez coletiva. Claro que jamais se apresentarão como meros torcedores de futebol, estes senhores que julgam estar dizendo algo muito inteligente quando berram: golaço! Um intelectual precisa enfeitar seu discurso. Recorrem a Camus, nada menos. Qualquer dia ainda descobrem que Camus foi goleiro em jogos de futebol de várzea - como de fato foi - e aí estarão definitivamente comprovadas as íntimas relações do escritor prêmio Nobel e o atleta imigrante. No fundo, sob a casca de erudição, uma profunda indigência mental.

Mais um pouco, e citarão Sartre para explicar a derrota da França. Sartre é aquele "filósofo" que um dia confessou, todo contente, a Simone de Beauvoir: "me superei. Hoje consegui escrever um período que nem eu mesmo consigo entender". O Ser e o Nada será certamente uma leitura muito esclarecedora para entender a última Copa. Chegarão então os dias em que, sem uma sólida formação filosófica, você nada entenderá de futebol.

segunda-feira, julho 17, 2006
 
AMOR, SUBLIME AMOR!



Segundo a defesa de Suzane Von Richthofen, ela perdeu a virgindade com Daniel e sofria coação por parte dele para cometer o assassinato dos pais, em outubro de 2002. Ela não teria condições de resistir porque o amava (coação moral irresistível). Assim, não se poderia esperar outra conduta da parte dela (inexigibilidade de conduta adversa).

Haja desfaçatez! O que os rábulas estão dizendo é que se uma tonta ama um idiota, ela não tem responsabilidade alguma se faz o que o idiota ordena. Se o idiota lhe ordena matar, não se pode esperar dela outra conduta senão matar. Se esta argumentação se sustentar, todos os que amam estão liberados para matar.

Amor, sublime amor! Tão sublime quanto o bestunto dos advogados de defesa.

 
NAZISMO NEGRO E GUILDA BRANCA



Uma nuvem de estupidez parece pairar sobre o Congresso nacional nestes dias. Não que sobre o Congresso costumem pairar nuvens de inteligência. Mas agora a estupidez concentrou-se e ameaça cair como chuva sobre o país todo. Dois projetos, que pretendem mandar o Brasil de volta alguns séculos para trás, estão sendo discutidos em Brasília. Um deles, o do senador Paulo Paim, já aprovado no Senado, quer mandar o país de volta à América racista do tempo das leis Jim Crow, ou talvez à Alemanha hitlerista ou mesmo à África do Sul do apartheid.

Em verdade, nada de novo tenho a dizer sobre o assunto. Desde que se começou a falar de cotas, tenho denunciado esta manobra dos movimentos negros como algo que só servirá para estimular o racismo. A estupidez avança e cada vez com mais audácia. Se antes falava-se apenas em cotas, o projeto do senador Paim pretende agora identificar os brasileiros por raça, como se fazia com os judeus na Alemanha nazista. A estupidez se repete? O cronista se vê constrangido a repetir-se.

O Estatuto da Igualdade Racial, já o comentei recentemente, ao denunciar a extinção do mulato. De uma penada, o senador pretende extirpar da história do país a prova mais evidente do bom convívio racial. O expediente é elementar. Como os negros constituem apenas 5,4 % da população nacional, o senador passa a chamar de negros todo o contingente de mulatos, que são 39,9%. Mais um pouco e o Brasil será definido como majoritariamente negro, aliás como já é visto por muitos americanos e europeus. Quer-se adotar o modelo americano, que não admite miscigenação. Ou é preto ou é branco. Alguns intelectuais, fugindo ao espírito de rebanho que caracteriza a espécie, apresentaram ao Congresso um documento com 114 assinaturas, com argumentos contrários ao Estatuto e às reservas de cotas raciais. O documento foi logo satanizado como o "Manifesto da Elite Branca", como se os malvados brancos tivessem algum interesse em manter a população negra afastada de seus territórios.

O governo, que desde então vinha insistindo na manutenção das cotas universitárias, sentiu-se constrangido a recuar. Fala agora em cotas sociais. Se por um lado desvincula a reserva de vagas do elemento racial, por outro lado mantém o absurdo propósito de mandar para a universidade pessoas que não preenchem os requisitos básicos para nela entrar, enviando de vez para o brejo o ensino universitário, hoje já extremamente deficiente. Paulo Paim pôs um bode na sala. O governo retira o bode e deixa lá o resto dos animais. Isso sem falar que tal projeto é flagrantemente inconstitucional. "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza", reza o artigo 5º da Carta Magna. Se aprovado, alguns serão mais iguais que outros. Boa parte da população negra gostou da idéia de ganhar no tapetão e não percebe a armadilha em que os negros estão caindo: tendo entrado pela porta dos fundos na universidade, serão naturalmente rejeitados no mercado de trabalho.

Prevendo isso, o senador já garante em seu projeto a presença de ao menos 20% de atores e figurantes afro-brasileiros em programas e propagandas de TV. A seqüência lógica será impor estas mesmas cotas inclusive às empresas privadas em geral, acabando-se definitivamente com qualquer critério de capacitação. Embutida no projeto, vem uma disciplina obrigatória nos colégios, História Geral da África e do Negro no Brasil, como se a história da África e do negro fosse mais importante para o Brasil que a História da Grécia e dos gregos, de Portugal e dos portugueses, da Itália e dos italianos, da América e dos americanos. Seria interessante imaginar como será tratada na nova disciplina a venda de escravos aos brancos europeus pelos chefes tribais negros da África. Ou será um capítulo proibido da história, como a matança dos oficiais poloneses na floresta de Katyn pelas tropas de Stalin, como a matança de sete mil religiosos espanhóis pelos comunistas na Espanha?

O projeto do senador prevê ainda a identificação racial dos negros em documentos de identidade. Segundo o Estatuto, os negros passarão a ter carteirinha de negro. Curioso observar que nas décadas passadas os movimentos negros haviam concluído que raça não existia. Agora passou a existir e deve constar em documento. Como o branqueamento é bastante generalizado no Brasil, talvez fosse melhor uma tatuagem ou adereço bem visível, como Hitler instituiu na Alemanha para judeus e homossexuais. Se aprovado tal monstrengo, este país onde a miscigenação sempre foi regra passará a discriminar oficialmente por raça. Estamos caminhando a largos passos rumo a um nazismo negro.

Não bastasse tal despautério, outro projeto, de iniciativa do deputado Pastor Amarildo, pretende mandar o país de volta mais longe ainda no tempo, para os dias da Idade Média, quando as guildas controlavam ferreamente o exercício das profissões. No fundo, a intenção é sufocar a liberdade de expressão, regulamentando uma profissão que não pode ser regulamentada, o jornalismo. Se antes apenas exigia-se curso para o exercício do jornalismo, em função de um decreto-lei promulgado por uma junta militar em 1969, o novo projeto, aprovado pelo Congresso na calada da Copa, pretende enquadrar até mesmo colunistas e comentaristas. Ora, este dispositivo ditatorial não encontra paralelo em nenhum regime democrático do mundo. Jornalista é quem tira seus proventos do ofício de jornalismo e fim de papo.

O projeto do pastor é uma reação à rejeição da proposta de um Conselho Federal de Jornalismo, feita pela Fenaj (Federação Nacional de Jornalistas) e encaminhada em 2004 ao Legislativo pelo Governo Federal. Devido à pressão de jornalistas e proprietários de veículos de comunicação, a tentativa de cercear ainda mais a liberdade de expressão foi retirada no mesmo ano. De novo, as cotas. A guilda branca quer proteger a corporação. Enquanto o país se empolgava com a Copa, o projeto passou quase clandestinamente no Congresso. Depende agora de veto ou aprovação do Supremo Apedeuta. O espantoso é que tal dispositivo surge precisamente nestes dias de Internet, em que qualquer cidadão pode montar seu blog e fazer jornalismo a seu gosto.

O Supremo Apedeuta, como é sabido, não tem maiores apreços pela imprensa. Não seria de duvidar que assumisse esta excrescência jurídica. Logo nestes dias em que a WEB libertou os jornalistas dos custos de papel, gráfica e distribuição. Os blogs constituem hoje jornalismo de alto nível e mais rápido que o jornalismo em papel. Os comunistas chineses já perceberam isto e estão censurando a Internet.

Se assumir esta excrescência, o Supremo Apedeuta estará lutando em vão contra o amanhecer.

domingo, julho 16, 2006
 
ESTADÃO MENTE



É triste ver um grande jornal, que se pretende sério, deseducando seus leitores. É o que ocorre na edição de hoje de O Estado de São Paulo. Ao comentar a edição do livro de George Orwell, Homage to Catalonia (título brasileiro: Lutando na Espanha), a repórter Beatriz Coelho Silva faz um verdadeiro hagiológio a Stalin. Em pleno ano da graça de 2006, mais de meio século após a morte do déspota. Escreve a moça: "A guerra começou em 18 de julho de 1936, quando o general Francisco Franco deu um golpe de Estado para pôr fim à república proclamada cinco anos antes com um projeto de modernizar o país, ainda com resquícios de feudalismo e mesmo da Inquisição".

Ora, a república proclamada cinco anos antes era uma ponta de lança de Stalin, cravada na Espanha para o posterior domínio da Europa. Não tinha projeto algum de modernizar o país, e sim de empurrá-lo rumo às trevas do socialismo. Se alguém modernizou a Espanha, tranformando-a de país de economia rural em país de economia industrial, foi precisamente Francisco Franco. Não é por acaso que a Espanha é hoje um país invejado por seu desenvolvimento e os países socialistas recém estão despertando do pesadelo soviético. Se milhares de pessoas já morreram tentando fugir do antigo paraíso socialista, hoje milhares de africanos estão morrendo nas águas do Mediterrâneo, tentando um lugar ao sol na Espanha legada por Franco.

Ao falar das Brigadas Internacionais, escreve a moça: "até 60 mil voluntários de 50 países lutaram na Espanha contra o fascismo, entre eles os americanos da Brigada Abraham Lincoln". No bestunto da repórter, defender a própria pátria da agressão russa é ser fascista.

"Entre os intelectuais proeminentes no lado republicano estavam escritores como o americano Ernesto Hemingway, o britânico George Orwell e o francês André Malraux". Num exercício talvez intuitivo de desinformação, Beatriz Coelho joga trigo e joio no mesmo saco. Não se pode mesclar um pensador libertário como Orwell - que mais tarde escreveria a mais contundente diatribe contra o comunismo, 1984 - com um americano stalinista deslumbrado e com um francês vigarista, que mentiu sobre sua participação na revolução chinesa e na Guerra Civil espanhola. Almas generosas pretendem que, afinal de contas, Malraux era um escritor, não um historiador, como se a escritores fosse permissível propalar mentiras históricas. Que mais não seja, Malraux morreu implicado em uma affaire de contrabando de baixos-relevos de Angkor, tendo sido condenado à revelia por um tribunal de Saigon a um ano de prisão e uma multa de cinco mil francos.

Orwell pertencia a outra estirpe. À estirpe de homens como André Gide, Ernesto Sábato, Albert Camus, Raymond Aron, Arthur Koestler, Ignazio Silone, Richard Wright, Louis Fischer, Stephen Spender e tantos outros, que não se deixaram levar pelo grande engodo do século passado. Orwell não pode ser misturado à escória comunista ou aos compagnons de route.

Segundo a repórter, "o governo republicano só podia receber ajuda e comprar armas da União Soviética. A ajuda incluía aviões, pilotos treinados, tanques e tripulações". Esqueceu de incluir no pacote a mercadoria mais importante, ideologia. Esqueceu também o custo. Juan Negrín, ministro da Fazenda do governo Largo Caballero, raspou os cofres da Espanha em troca da magnânima ajuda. Ao celebrar com um banquete no Kremlin a chegada das 7.800 caixas com 65 quilos de ouro cada uma (três quartos das reservas espanholas), Stalin, evocando um ditado russo, comemorou: "Os espanhóis não voltarão a ver seu ouro, da mesma forma que ninguém pode ver as orelhas".

E, como não poderia deixar de faltar a cada alusão à Guerra Civil, a eterna e sempre renovada mentira em torno ao quadro Guernica, do vigarista malaguenho Pablo Picasso. Conforme os manuais de apologética marxista, "obra em homenagem às vítimas da cidade basca de Guernica, bombardeada por Franco".

Ora, os fatos são bem outros. Só alguém hipnotizado pela mídia poderá ver cenas de bombardeio em Guernica. Picasso havia pintado uma tela de oito metros de largura por três e meio de altura, intitulada La Muerte del Torero Joselito, plena de cores fúnebres, que iam do preto ao branco, em homenagem a um amigo seu, o toureiro Joselito, morto em uma lídia. O quadro ficara esquecido em algum canto de seu ateliê. Ao receber uma encomenda para o pavilhão republicano da Exposição Universal de Paris de 1937, Picasso lembrou do quadro. Foi quando, para fortuna do malaguenho, a cidade de Guernica foi bombardeada pela aviação alemã. Ali estava o título e a glória, urbi et orbi.

Uns retoques daqui e dali, e Picasso deu nova função ao quadro. No entanto, até hoje multidões hipnotizadas pela propaganda vêem em uma cena de arena, com cavalo, touro e picador, uma homenagem aos mortos de Guernica. Esta lenda até hoje é repetida, tanto por focas novatos numa redação, como por escritores de renome nacional. De um só golpe de pincel, o pintor malaguenho traiu a memória do amigo e mentiu para a História.

É deplorável ver um jornal como o Estadão repetindo, com foros de verdade, antigas potocas stalinistas.

sexta-feira, julho 14, 2006
 
A ENCOMENDA DO MINISTRO
DAS RELAÇÕES INSTITUCIONAIS
QUANDO JOVEM POETA



encomenda

e os olhos que te encomendei?
e os cabelos castanhos,
compridos e lisos...
e a boca que te encomendei?...

e o corpo de linhas certas,
e os seios lindos e os joelhos
perfeitos...
e os pés que te encomendei?...

e o mais importante:
o coração bondoso,
o pensamento inteligente e vivo
e a meiguice procurada que te encomendei?...

que é feito disso, meu Deus...
que é feito disso, que te
encomendo tôdas as noites,
nas minhas orações?....

Tarso Genro, Vento Norte, Santa Maria, Edições Pallotti, 1964

quarta-feira, julho 12, 2006
 
EU, DEUS (3)



Em Porto Alegre, meu ponto de referência foi, durante anos, o Chalé da Praça XV, um restaurante quase centenário (hoje decadente), onde eu bebia, lia, trabalhava, recebia meus amigos e amadas, habitantes de Orion, personagens do gênero. Era meu escritório e sala-de-estar. Ponche Verde começa e termina ali. De minha mesa participava um orionino da gema, o Carlos Ducatti, em missão na terra, que tomei como personagem em meu romance. Afinal, se uma virgem pode conceber de uma pombinha - e este mito embasa a cultura ocidental - porque aquele serzinho todo fechado em copas não poderia vir de uma galáxia distante?

Ao voltar de Paris, após alguns dias no Rio, desembarquei em Porto Alegre, aí pelas 20h. Do aeroporto, fui direto ao bar. Minhas crônicas, que eu enviava adiantadas, continuavam sendo publicadas como se eu estivesse na França. Nem minha mulher, nem minha mãe sabiam que eu já estava em Porto Alegre. Só sabia disto uma amiga, que me emprestava seu apartamento. Encontrei-me com ela no Chalé para apanhar as chaves. Salvo ela e os garçons, não encontrei nenhum conhecido.

Atrapalhado com o fuso horário, dormi até tarde no dia seguinte. Flanei pela Rua da Praia, queria surpreender algum amigo. Por milagre, não encontrei ninguém. À tardinha, voltei ao bar. Mal sentei, junto com a caipira, o garçom me traz uma carta. "Para o Dr. Deixaram hoje aqui". Só de olhar a caligrafia, senti na barriga aquele friozinho prenunciador de catástrofes. Pior de tudo: a carta não tinha selos. Era a própria. Lembro algumas frases:

"Meu fantasma adorado. Sonhei ontem que virias e vim de Ojeriza para te encontrar. Te espero na Igreja da Conceição, às seis horas. Estou no último banco, com um lenço branco com bolinhas azuis na cabeça, minha mãe Semilda vive dizendo que tenho a cabeça cheia de bolinhas azuis. Por favor, vem me encontrar. Estou com dinheiro só para a passagem de volta, preciso te ver hoje".

Seriam umas 5h30. A Igreja da Conceição ficava a uns 200 metros de minha mesa. Homem algum foge ao seu destino, pensei. Fugir é pior. Melhor resolver tudo já na chegada. Tinha meia hora para enfrentá-la. Sorvi a primeira caipira e rematei com uma segunda. O que não me ocorreu naquele momento foi o caráter simbólico do local e hora do encontro. A igreja era da Conceição. O encontro seria às seis, hora do Angelus, quando o anjo anuncia a Maria a vinda do novo Deus.

Yo no creo en brujas, pero que las hay, hay, dizem os castelhanos. Até hoje não entendi esse encontro. No jornal, eu andava flanando em pleno Quartier Latin. Que eu estava no Brasil, só minha mulher sabia. Mas nem ela tinha a mínima idéia de quando chegaria a Porto Alegre. A amiga do apartamento, decididamente, não tinha contato algum com a moça, aliás nem sabia da existência dela ou de minhas preocupações. Só me resta uma hipótese: premonição. Vai ver que ela apostou no sonho e pagou pra ver.

Fui. Ela estava lá, ajoelhada no último banco. Magra, miudinha, nem feia nem bonita, aparentando uns trinta anos, com as bolinhas azuis na cabeça. Me aproximei em silêncio, encostei ao lado dela, em pé. Ela permaneceu imóvel. Sem virar o rosto, sem olhar-me, sentiu minha presença. Chorava. Fiz um sinal para que levantasse. Ela me olhou nos olhos, perplexa, como quem não acredita na própria certeza, as lágrimas começaram a cair em cascatas. Levantou e saímos caminhando, sempre em silêncio, ela sempre chorando. Em minha alma, algum demônio com espírito de porco começava a agir: "Leva ela a um bar discreto, leva. Senta com ela, pra ver se é mansa ou de atar".

Procurei um botequinho, já a meio caminho de meu ap. Sentei. Em todo o trajeto, ela balbuciara uma única frase, entre soluços. "Não acredito". Bom, eu também não estava acreditando muito. Aquilo me parecia algo do universo de Maupassant ou Bradbury. Mas ela estava ali. "Eu rezei tanto...", disse após alguns minutos de silêncio na mesa. Só bebeu água. "Eu não comi nada hoje. Só tenho farinha no estômago".

Resumindo: venceu o espírito de porco e fomos para o apartamento. Recuar já não tinha sentido. A loucura teria de ser levada até o fim ou eu não teria mais sossego. "Eu treinei bastante, com muitos homens, me preparando para este encontro". Fui então apresentado à Viúva Negra. Feito o que já não podia mais deixar de ser feito, ela voltou para Ojeriza. Procurou-me ainda mais uma vez em Porto Alegre e voltei para a França. Cleópatra conhecera o mito em carne e osso, talvez me largasse o pé.

Santa ingenuidade! Cheguei em Paris e lá estava, em minha caixa de correspondência, o envelope com a letra inconfundível. O pior já passei, pensei, vamos ver o que a moça diz. A primeira frase foi terrorismo puro: "Já sinto o novo Deus que se mexe em meu ventre".

Se antes pensava em me refugiar no Leste, meu desejo agora era me afogar no Sena. Insultei-me, arranquei-me os cabelos. Adulto, agira como criança. As circunstâncias do encontro haviam sido tão insólitas que nem me preocupara em precaver-me. Bom, o mal estava feito e está fora de nosso alcance copidescar o passado. De qualquer forma, continuei em silêncio. As cartas foram rareando. Recebi ainda seu título de eleitor. Me apressei a enviá-lo, sem remetente, para a devida Seção Eleitoral.

Deus, se existe, deve ter alguma simpatia pelos ateus: o alarme era falso. A correspondência cessou. Para não ser tentado a escrever alguma ficção baseada naquelas cartas, joguei-as todas ao lixo. Fiquei com uma, para depois não achar que tudo fora sonho, justo aquela em que anunciava o novo Deus em seu ventre. Em outras voltas a Porto Alegre, sempre me acometia uma vaga apreensão. Ao que tudo indica, como o novo Deus não vingou, Cleópatra deve ter saído a buscar outros genitores. Através de um escritor lá do Sul, soube notícias dos movimentos dela. Andou escrevendo para outros escritores gaúchos, não sei como se saiu com eles. De qualquer forma, atualmente não tenho a mesma disposição que um dia tive de testar a lógica das gentes.

 
EU, DEUS (2)



Nas cartas - que eu não respondia - a febre aumentava. Que estava perdendo sua identidade, que Jesus ressuscitaria, que ela passaria a se chamar Suci, Suci Cristaldo, e começou a assinar como tal. Juntava Jesus a essas palavras e formava anagramas, que iam derivando de Suci Cristaldo até formar "Jesus ressuscitará". O pior foi quanto me enviou correspondência que recebera do Palácio Piratini. Um assessor do governo respondia a seu pedido feito ao governador, alegando a impossibilidade jurídica de sua pretensão. Ela alegava ter perdido a própria identidade e queria registrar-se como Suci Cristaldo. O documento não era forjado. Vinha com timbre do gabinete do governador. Por coincidência, o assessor que o assinava havia sido meu fiador em meus dias de universidade. Suponho que jamais terá desconfiado que o Cristaldo em questão era eu.

A situação começava a tomar cores dramáticas. Por dentro, uma pergunta começou a me corroer as entranhas: se essa mulher tem dinheiro para me pagar a passagem, também tem para pagar a dela e chegar até aqui. Na época, nem ficcionista imaginava a queda do Muro. Estávamos em plena Guerra Fria. Mesmo assim, eu já me perguntava se não seria melhor refugiar-me no Leste europeu. Imaginava a manchete:

JORNALISTA OCIDENTAL PEDE ASILO EM PAÍS COMUNISTA

Eu brincava com a idéia. Mas já não dormia o sono dos anjos e começava a amaldiçoar minha maldita mania de dar trela aos malucos. Já imaginava abrir a porta e encontrar a moça de mala em punho. Para minha inquietação, já rolavam causos desse tipo em Paris, com personagens brasileiros. Um deles, inclusive, havia se suicidado no apartamento de um bolsista.

Certo dia, recebi, postado como carta aérea, um envelope com uma grossa tábua de mais de quilo, de uns 30 por 20 cm, besuntada com algo que me pareceu ser cera de abelha. Sem nada escrito. Filtro amoroso? Sei lá. Só sei que ela deve ter pago uma fortuna para postá-la. Abri o envelope, peguei a coisa por uma ponta, enfiei o dedo na parte mole, me pareceu de fato cera. Apressei-me a jogá-la no lixo.

Eu mantinha uma correspondência intensa com leitores que jamais havia visto de perto. Entre estes, uma pacata dona-de-casa de Pelotas, que costumava curtir minhas crônicas enquanto ia preparando o almoço. Um dia ela me pergunta, em tom de gozação: "Verdade que tens uma noiva? Não sabia". Logo adiante, ela esclarece. Que havia participado de um casamento em Porto Alegre, que os parentes dos noivos tinham um longínquo parentesco com a tal de H. H. Que a família da moça quase havia ido à falência com a história de nosso casamento. Que teríamos contratado noivado em uma viagem que eu havia feito a Recife e a grana da família foi pelo ralo, em jóias e enxoval. O casamento estava marcado para minha chegada a Porto Alegre, mas eu decidira não ir e a família toda ficou a ver navios no aeroporto.

Se a situação já era dramática, agora se agravava. Ocorreram mais fatos, que já não lembro. Dessa correspondência unilateral resultaram acho que uns sete ou oito quilos de cartas, profecias, poemas da Zuleika Berzelius (uma coletânea deles publicada em livro) e, para meu alívio, minhas primeiras cartas devolvidas. O conjunto constituiria um arquivo e tanto, coisa de fazer festa a um escritor em crise criativa. Para fugir à tentação, joguei tudo no lixo. Em uma delas, uma frase, algo como quem comenta uma história já sabida: "As jóias, eu devolvi". Mas eu não sabia de jóia alguma. Não fosse a leitora de Pelotas, não saberia nem mesmo de meu noivado.

Chegaram então os dias em que tive de dar um pulo ao Brasil. Encarava a viagem com ansiedade, já estava há quase quatro anos fora, tinha vontade de rever minha gente, meus amigos, minhas amadas. De repente, me assaltou a perspectiva infame, aquela idéia que meu inconsciente chutava para o fundo, que eu não queria deixar que subisse à superfície: a mãe do novo Deus estará me esperando. Não pretendia fugir. Nem me esconder.

 
EU, DEUS (1)


Já que tocamos no assunto... Sempre tive grande consideração por essas pessoas que o bom senso qualifica como loucas. Se encontro alguém que diz ser o filho de Deus, não discuto. Já não houve um que se assim apresentou e até hoje lidera milhões de gentes? Se alguém me aborda e diz estar chegando do planeta Orion, não ponho em dúvida sua afirmação. Me contento em perguntar como está o tempo por lá. Assim agindo, atraí não poucos "viajantes" em minha vida.

Tenho contado a história a amigos, mas é a primeira vez que a escrevo. Ela surgiu quando eu trabalhava em Paris. Meu endereço e telefone constavam ao final de cada crônica. Certo dia, recebi uma carta de Ojeriza, distrito de Não Me Toques, cidade gaúcha. A missivista dizia ter lido uma de minhas crônicas no cabeleireiro e achava que um cronista, ao receber um elogio por seu trabalho, deveria se sentir tão bem quanto uma mulher ao ser elogiada pelo penteado. Respondi, como fazia sempre, com um bilhete gentil.

Alguns dias depois, outra carta, nova resposta. Ela escrevia com elegância, caligrafia impecável, gótica. Via-se que lia muito e conhecia Nietzsche. Idade indefinível. Parecia jovem, mas o conhecimento que tinha de literatura me fazia intuir mais idade. Naquela época, fins dos 70, já era muito raro encontrar alguém jovem com maiores conhecimentos de letras. Fazia poemas, com o pseudônimo de Zuleika Berzelius. Chamava-se... bom, digamos H. H. A correspondência continuou e foi tomando uma conotação afetiva.

Um belo dia, a carta que me pôs em guarda: "Sou uma Cleópatra. Preciso de um grande homem ou de muitos pequenininhos". O Marcus Antonius aqui tratou logo de cair do barco. Me disponho a conversar com qualquer um desses "viajantes", aceito seus argumentos, mas não costumo passar recibo. Já tinha falado demais em minhas respostas e me encerrei no silêncio. Melhor continuasse respondendo. A correspondência aumentou, chegavam às vezes três, quatro e mesmo cinco cartas por dia. "Teu silêncio é divino", me escreveu em uma delas. O que eu não sabia era que a moça não estava falando por metáforas. Certo dia, recebi um cartão dela, postado em Recife.

Aí começaram os telefonemas na madrugada. Mantive a postura que sempre mantenho ante os malucos, converso como se estivesse falando com o mais normal dos seres. Afinal, se há gente que acredita em Deus, porque vou duvidar de alguém que me afirma ser algo bem mais viável como uma Cleópatra?

As cartas continuavam chegando. Ela havia descoberto sua missão na Terra: seria a mãe do novo Deus. E quem seria o pai? Eu, é claro, o Deus primevo. Me mandou inclusive uns recortes de Nostradamus, onde se podia intuir que o novo Rei - ou Deus, enfim, já que o novo Deus seria também o Rei cá da Terra - nasceria na França, filho de estrangeiro, e seria coroado em Reims e Aix-La-Provence. Eu era estrangeiro na França, estava em Paris e ela estava imbuída de uma missão. Os dados estavam lançados. Claro que a história me divertia. Os telefonemas foram tomando um caráter erótico. Ela antecipou, via Embratel, o que os franceses mais tarde chamariam de telephone rose. Seu sexo tinha nome, e terrífico: Viúva Negra. Eu, dando trela à moça. Tentava imaginar-lhe o perfil. Talvez fosse uma mulher nos seus 50 anos, com boa educação básica, talvez ex-freira ou algo pelo estilo, isolada no tal distrito de Ojeriza. Ou quem sabe, nada disso.

Certa madrugada, o xeque-mate. Que eu tinha de ir a Porto Alegre. Era urgente, vital para mim. Não podia dizer porque, eu tinha que confiar cegamente e partir no primeiro vôo. Permaneci em minha estratégia, a de não negar nenhum de seus argumentos. Acreditava que a viagem fosse vital, mas não podia viajar naqueles dias. Para encurtar o caso, avancei um argumento que me pareceu definitivo: "Que mais não seja, estou sem um vintém para viajar atualmente". Silêncio do outro lado da linha. "Ah, estás sem dinheiro?" "Estou". Ela conversou mais alguns minutos e desligou. Pelas horas de telefonia internacional, eu concluía que a moça teria algumas posses ou, pelo menos, boa folga financeira. Em geral, me telefonava do hotel Majestic, em Porto Alegre. Era o hotel que abrigava Mário Quintana. Hoje o prédio abriga um cabide de empregos, a Casa Mário Quintana.

Ela deve ter permanecido uma ou duas semanas em silêncio. Quando voltou, foi pra valer: "Estou com o dinheiro da tua passagem comigo. Para onde mando?" O que para mim até então fora um jogo divertido começava a tomar feições preocupantes. Aleguei que meu problema não era bem falta de grana, que estava envolvido com minha tese, que não estava cumprindo meu cronograma de pesquisas, em suma, não havia como viajar. Ela poetava? Pois deveria ter dificuldade para publicar seus poemas. Que reservasse então aquela grana para algo mais importante, a publicação de sua obra. Quanto a mim, voltaria ao Sul no ano seguinte e aí então poderíamos discutir sobre as tais coisas vitais.

terça-feira, julho 11, 2006
 
ESTRANHAS COLEÇÕES


Em meus dias de Paris, encontrei certa vez uma uruguaia, que se pretendia refugiada política. Conversa daqui, conversa dali, ela convidou-me para ir até a sua casa. Casa? - perguntei. Em Paris não há casas. Ela insistiu que morava em uma casa. Paguei para ver.

De fato, era uma casa, mais precisamente um sobrado, situado no centro de uma cour. Mal entrei não acreditei no que via. O lixo infestava todo o térreo, empilhado até a altura dos ombros. Por um estreito corredor em meio à muralha de lixo, chegava-se até a cozinha, onde se abria um espaço de uns dois metros quadrados para uma mesa e duas cadeiras. Ao sentar-me, minha cabeça ficou um pouco abaixo do nível de lixo. Um outro corredor levava até o banheiro.

Por uma escadaria também atulhada de lixo, ela subiu ao primeiro piso para trocar-se. Pediu que eu não subisse: "Aqui está pior". Saí voando daquela casa. Saímos para a rua e ela me passou um objeto cilíndrico. "Segura isto aqui. Com cuidado. É uma bomba e eu me sinto perseguida". É claro que não voltei a revê-la. Se a casa era aquilo, fiquei me perguntando como seria a cabeça da moça.

Os franceses têm a fama de não serem muito higiênicos, o que não deixa de ter algum fundo de verdade, mas não tanto quanto se imagina. Mas eu nem podia atribuir aquela montanha de lixo às idiossincrasias dos franceses, afinal a moça era uruguaia. O episódio me ficou na memória, naquele setor das coisas sem explicação, para as quais esperamos um dia alguma resposta. Alguns anos mais tarde, li nos jornais que uma aposentada fora soterrada pelo lixo de seu apartamento. Essa história, eu já conhecia.

Leio nos jornais de hoje que uma milionária espanhola, Violeta de Carvalho Martinez, de 70 anos, vivia em um sobrado no Itaim, bairro nobre de São Paulo, cercada por 250 toneladas de resíduos orgânicos e inorgânicos, laboriosamente juntados durante 20 anos. A casa tem 350 metros quadrados. Como não tinha mais espaço para viver, Violeta dormia em um carro na garagem. As 250 toneladas são certamente um equívoco de reportagem. O fato é que, até ontem, já haviam sido retirados 16 caminhões de lixo. O curioso é que a milionária colecionava esse lixo todo com a conivência dos filhos.

A espanhola lembrou-me a uruguaia. A urbe produz estranhas doenças.

segunda-feira, julho 10, 2006
 
ROTINA ENTRE BUGRES


Caro Janer,

o último texto publicado em seu Blog, intitulado "Bugres Podem", vem, como todos os seus escritos que tenho lido até então, de encontro à realidade. Escrevo para enfatizar, que o caso da indiazinha não é um fato isolado, como muitos bem sabem. Minha mulher dá aula de língua portuguesa numa aldeia próxima à nossa cidade e de certa forma já constituem rotina casos como esse.

Halison Junior Lunardi

 
BENTO, FRANCO E VICENTE



Você já imaginou a Espanha sem Francisco Franco? Com a Espanha dominada pela União Soviética, Stalin controlaria dois mares, o do Norte e o Mediterrâneo. Para derrubar Portugal bastaria um piparote e a resistência francesa seria estrangulada pelo domínio dos mares. Na esteira desta invasão, provavelmente cairia também a Inglaterra. Daí à conquista de toda a Europa Ocidental, seria questão de um ameno turismo blindado.Com Moscou imperando do estreito de Gibraltar ao de Bering, a tirania comunista teria vida bem mais longa. Europa e Ásia afundariam juntas na miséria inerente aos regimes socialistas e a praga se propagaria - como aliás se propagou, mesmo sem a vitória de Stalin - além do Atlântico. O Muro não teria caído em 89 e até hoje a Europa seria algo tão triste e pobre como foram - e ainda são - os países da Ex-União Soviética.

Pelo que lemos nos jornais, os europeus ainda não perceberam o óbvio. Em Estrasburgo, um eurodeputado polonês, Maciej Marian Giertych, elogiou em uma sessão do Parlamento Europeu, na terça-feira passada, os regimes liderados por Francisco Franco, na Espanha, e Antonio Salazar, em Portugal, por terem impedido a disseminação do que ele qualificou como a praga do comunismo. Giertych é pai do vice-primeiro-ministro da Polônia, Roman Giertych e, por sua idade, sabe do que está falando. As declarações de Giertych foram imediatamente rebatidas por Martin Schulz, líder da bancada socialista no Parlamento Europeu. Segundo Schulz, as declarações eram uma encarnação do espírito do general Franco. "O que acabamos de ouvir - disse o socialista - foi um discurso fascista para o qual não existe lugar no Parlamento Europeu". O que Schulz não disse é que, sem Franco, a Europa não seria o que é hoje, um continente rico, livre e democrático.

Ao chegar em Valência, sábado último, o papa Bento XVI lembrou a tragédia que matou 42 pessoas na segunda-feira em um acidente de metrô na cidade. Os valencianos comovidos agradecem. Destacou também o caráter insubstituível que a família fundada no casamento tem para a Igreja. E neste destaque vai um recado à Espanha, que há um ano já permite o casamento de homossexuais, em virtude de lei sancionada pelo atual governo socialista. Sem falar que a idade de consenso sexual, desde há muito, é de doze anos. (Coincidentemente, mais ou menos a mesma idade em que Maria concebeu Cristo). Mas a Espanha de Zapatero está pouco preocupada com questões de família. A Asociación por la Recuperación de la Memória Histórica (ARMH) enviou uma carta a todos os bispos recomendando-os a aproveitar a visita de Ratzinger para tirar todas as placas falangistas de "caídos por Diós e por España" que ainda resistem em centenas de igrejas e pedir perdão por seu papel na guerra.

Os espanhóis estão querendo trocar a sotaina papal por uma saia justa. Verdade que Franco executou quatorze sacerdotes vascos. Acontece que o clero vasco se alinhava com as milícias republicanas que mataram cerca de sete mil religiosos católicos, entre membros do clero secular, sacerdotes, freiras e até treze bispos. Muitas freiras tiveram seus tímpanos estourados pela introdução de rosários e crucifixos. Bem ou mal, Franco tomou o partido da Igreja romana. Após ter reprovado as execuções de sacerdotes nas Provincias Vascongadas, Pio XI declarava, na encíclica Divini Redemptoris, datada de 19 de março de 1937:

"Também ali, como em nossa queridíssima Espanha, o açoite comunista (...) não se contentou com derrubar uma ou outra igreja, um ou outro convento, senão que, quando lhe foi possível, destruiu todas as igrejas, todos os conventos e até mesmo todo rastro de religião cristã, por mais ligado que estivesse aos mais insignes monumentos da arte e da ciência. O furor comunista não se limitou a matar bispos e milhares de sacerdotes, de religiosos e religiosas, buscando de modo especial aqueles e aquelas que precisamente trabalhavam com maior zelo com pobres e operários, mas também fez um número maior de vítimas entre os seculares de toda classe e condição, que diariamente, pode-se dizer, são assassinados em massa pelo mero fato de ser bons cristãos ou apenas contrários ao ateísmo comunista. E uma destruição tão espantosa é levada a cabo com um ódio, uma barbárie e uma ferocidade que não se acreditaria ser possível em nosso século. Nenhum particular que tenha bom juízo, nenhum homem de Estado consciente de sua responsabilidade, pode menos que tremer de horror ao pensar que o que acontece hoje na Espanha talvez possa repetir-se em outras nações civilizadas".

Quando se fala em Guerra Civil espanhola, ninguém mais lembra que os grandes assassinos de religiosos foram os comunistas. Na saída do metrô, o papa depositou uma coroa de flores brancas e, ajoelhado, pediu o descanso eterno e em paz das vítimas do acidente. Sobre a retirada das placas falangistas, Bento não disse água. Nem poderia. Estaria desautorizando seu antecessor. Em nossos dias, o Vaticano se contenta com vagos apelos pela paz, sem nominar vítima nem carrasco. É mais prudente.

Valência é a terra de San Vicente Ferrer (1350-1419), santo espanhol canonizado por Calixto III em 1455, que goza da fama de grande milagreiro. Segundo reza a tradição local, certa vez um bispo deveria visitar uma família de camponeses. A mulher, desejosa de agradar, perguntou ao santo que poderia oferecer ao prelado. "Ofereçam o que de melhor vocês têm" - respondeu o Vicente. Os camponeses prepararam então uma paella. Antes da chegada do bispo, o santo provou um pedacinho da paella, gostou e quis saber do que era feita. "É nosso filho - respondeu a mulher - é o melhor que nós temos". Apavorado, Vicente desfez a paella e refez o filho. Menos o dedo mindinho. Era o pedacinho que havia degustado.

Tantos milagres fazia o santo, que um dia o alcaide o proibiu de fazê-los. Passava um dia Vicente por um prédio em construção, quando um operário caiu de um andaime. Proibido de operar milagres, o santo o deixou suspenso no ar, foi até a prefeitura e pediu que fosse revogada a proibição. Uma vez esta revogada, voltou ao prédio e fez descer suavemente o operário ao chão.

São Vicente tinha créditos junto ao todo-poderoso. O mesmo não parece ser o caso dos pastores da Igreja Universal. Em São Paulo, um fiel, encarregado de consertar o telhado de um templo, teve a garantia de um pastor evangélico de que, se tivesse fé, não cairia do telhado. Caiu e sofreu politraumatismo. Está requerendo na Justiça R$ 356.200 de indenização. O pedido foi julgado procedente. O pastor defende-se. Diz que o homem não tinha fé suficiente. Outros fiéis estão processando a mesma igreja, tanto por terem alienado bens tendo em vista uma prosperidade que não lhes foi concedida, como por terem quebrado a cabeça em sessões de "descarrego", essa prática catártica da Universal. Católicos e astrólogos já estão pondo as barbas de molho, afinal o consumidor brasileiro está cada vez mais ciente de seus direitos e a moda pode pegar. Fé está virando questão de Procon. E é bom que assim seja. Charlatanismo é crime.

Essas promessas de vida eterna, por exemplo. Quem pode provar que nossos entes queridos têm nos céus a prometida eternidade? Ou esses horóscopos maravilhosos, que nos prometem manhãs que cantam, dias radiosos e amor a mancheias. Está na hora de, em falta de entrega da mercadoria, entrar com ação indenizatória. Queremos a competência do santo homem de Valência... ou o dinheiro de volta. Mas isto já é outro assunto.

sexta-feira, julho 07, 2006
 
BUGRES PODEM


Deu no Estadão:

Indiazinha de 9 anos de idade dá à luz no Amazonas

A garota indígena da etnia apurinã de 9 anos, internada desde abril em uma maternidade de Manaus, deu à luz ontem a uma menina de 2,210 quilos e 42 centímetros. A cesariana, prevista para a sexta-feira, foi antecipada pela médica Christiane Rodrigues Marie. A garota teve contrações e entrou em trabalho de parto.

A legislação brasileira considera estupro toda relação sexual, mesmo consensual, com menores de 14 anos. Exceto no caso de índios. A Polícia Federal, segundo sua assessoria, ainda está investigando se a garota apurinã foi ou não estuprada. A etnia considera natural que meninas, ao menstruarem, possam ter relações sexuais, mas não é favorável ao estupro.

E se a etnia considera isto natural, não houve crime - é o que deduzimos. Os jornais, sempre tão pressurosos em apontar pedofilia quando um adulto tem relações com uma menina de 14 ou 15 anos, sequer falaram em pedofilia no caso da indiazinha. Temos de respeitar as tradições indígenas. O que é crime quando cometido por um branco, nada tem de criminoso quando cometido por um índio.

Há alguns meses, propus que se oficializasse logo a prática de elaborar diferentes legislações para diferentes grupos sociais. Alguns leitores acharam absurda a sugestão. Não era sugestão. Era a constatação de um fato. Já há leis diferentes para etnias e grupos sociais. Índio pode matar, estuprar (remember Paiakan), fechar estradas, seqüestrar e as autoridades permanecem omissas ante estes atos que, se praticados por um branco, constituiria crime.

Da mesma forma, os sem-terra podem invadir, depredar, seqüestrar e ninguém vai para a cadeia por tais atos. Negro em vestibular conta mais pontos que branco. Com o recente Estatuto da Igual Racial, que está prestes a ser aprovado no Congresso, é reconhecida oficialmente a raça negra. Que, evidentemente, terá seus privilégios em relação aos demais cidadãos. A nação está dividida. Voltarei a comentar o assunto.

quarta-feira, julho 05, 2006
 
EM BUSCA DO ENDEREÇO DOS VENTOS



Era 64. Em Santa Maria da Boca do Monte, cidade universitária gaúcha, nascia um poeta de faca na bota. Em verdade, nascera em São Borja, 17 anos atrás. Mas o estro poético parece ter sido despertado pelo vento norte que açoitava a face do vate nos invernos glaciais da Primeira Quadra. Tanto que sua primeira plaquete de poemas intitulava-se Vento Norte. Vamos a um dos momentos do jovem humanista:


os endereços


que adiantam os enderêços de mulheres,
a jovem fulana, a jovem tal, a jovem sicrana?
que resolvem êsses enderêços de lamentos,
essas pobres letras sem sentido, em um canto escuro de gaveta?


na rua rivadávia, a jovem loura,
na avenida do pato, a moça morena,
no bairro chic, a menina carioca...

que resolvem êsses enderêços aposentados
na minha "gaveta esquerda ou direita"?
como se fôssem dois palácios de aventuras,
quando não existem mais palácios e as aventuras são pedantes.

que resolve eu ter o enderêço do lindon jonshon,
do fidel castro e do kruschev... se êles estão ocupados
com átomos e guerras.

o que eu quero com o enderêço da rainha da Inglaterra
se ela tem 300 mil acres de terra para cuidar...

não me interessa o enderêço do mao tse tung, embora
ele seja poeta; o seu problema é cultivar a china.

não me preocupo com o enderêço de tito, de batista,
de franco ou seja de quem for...

eu sei que o enderêço do trujillo é um túmulo,
mas não queria saber...

eu quero o enderêço dos ventos, das rosas, dos campos,
dos mares, do marco polo; eu quero é enderêço das realizações eternas...

depois me preocuparei com o enderêço das passageiras
ou concretas realizações dos homens...



O jovem vate chamava-se Tarso Genro. É uma lástima que as rosas e os ventos não lhe tenham passado seus endereços.

segunda-feira, julho 03, 2006
 
ONTEM HERÓIS, HOJE LEPROSOS



- Para quem você torce hoje? - perguntei no sábado a um motorista de táxi. O homem me olhou com estranheza e reagiu com certa hostilidade:
- Para o Brasil, ué! Sou brasileiro.
Pensei em perguntar-lhe em que código está escrito que brasileiro deve torcer pelo Brasil, mas preferi ficar calado. Com fanáticos, sejam religiosos, sejam futebolísticos, de nada adianta argumentar. O fanatismo do povinho, dizia em crônica passada, é o que me afasta do futebol. Fanatismo igual irracionalidade. Mesmo se você é daqueles leitores que ao pegar um jornal vai logo jogando fora o caderno de esportes, vale a pena dar uma olhadela nos suplementos esportivos deste domingo. É o império do irracional.

O Estadão, no sábado, titulava em primeira página:

A seleção em busca do erro zero

Bastaram 90 minutos de jogo para que, no domingo, a manchete fosse:

Um time para esquecer

A Folha de São Paulo, que no sábado cocoricava um ufanístico Ou vai ... ou racha, no domingo foi implacável: "sem mágica sem tática sem fôlego sem craque sem time sem raça sem hexa sem desculpa". O melhor jogador do mundo em todas as épocas, do dia para a noite virou um Judas a ser malhado:

Ronaldinho Gaúcho fechou sua participação na Copa da Alemanha de forma melancólica. Jogou mal, não driblou, não deu nenhum chute na direção do gol, errou passes e, em nenhum momento, assumiu a responsabilidade. Decepcionou não só os brasileiros, mas todos na Alemanha. O melhor do mundo nas últimas duas temporadas teria de atuar melhor. Muito melhor. O confronto com a França foi um retrato de sua participação no Mundial: apático, burocrático, medíocre, com medo de decidir. Mesmo diante de seleções mais fracas, como Croácia, Austrália, Japão e Gana, o meia-atacante do Barcelona não foi capaz de pôr em prática seu talento. Esteve apagado do primeiro ao último jogo da competição.

Ontem heróis, hoje leprosos. Tivesse a seleção, por um mero golpe de sorte, ganho a partida, mesmo que tivessem jogado da forma canhestra como jogaram, os heróis continuariam sendo heróis. Mesmo que tivessem feito um gol com "la mano de Diós", não seriam hoje reles bodes a serem enviados para o deserto da mídia. A mão que afaga, dizia o poeta, é a mesma que apedreja. Que essa súbita mudança de humor ocorresse junto a esta escória que infesta as ruas com cornetas e bandeiras nos dias de Copa, se entende. Mais difícil se torna entendê-la quando ela parte de jornalistas, que passam a comportar-se como fanáticos torcedores.

Há duas semanas, manifestei o desejo de uma derrota, de preferência humilhante, para meu país. O leitor já pode imaginar o sorriso imenso e feliz que me iluminou o rosto no sábado passado. Poderia ter dito ao motorista de táxi que tenho sérias razões para torcer pela França. É país onde me sinto melhor que no Brasil, foi onde vivi meus melhores dias e país do qual recebi auxílios que o Brasil jamais me deu. Durante quatro anos, além de uma bolsa, o governo francês pagou religiosamente metade de meu aluguel. A cada início de mês, o carteiro batia em minha porta, abria a carteira e me repassava um generoso pacote de francos, estalando de novinhos. Apanhava depois um porte-monnaie e completava o montante até o último centime. Eu não precisava nem mesmo ir a um guichê para receber meu auxílio-família. Recebia-o em casa. Para isso, tinha de preencher algumas condições. Entre elas, meu apartamento deveria ter alguns requisitos básicos: uma confortável metragem mínima, banheiro e sanitários (o que nem sempre existe ao mesmo tempo em um apartamento em Paris) e determinadas condições de higiene. O governo completava meu aluguel não apenas para que morasse, mas para que morasse bem.

Bem entendido, esse auxílio não era para comprar meu voto. Estrangeiro, não votava na França. Tampouco é uma esmola jogada a quem nem casa tem. É um auxílio para residir. Isto meu país jamais me deu. Nem bolsa, nem complemento de aluguel. Por que torcer pelo Brasil? Torci pela França. Mas apenas mentalmente. Não imagine alguém que fiquei apalermado diante de uma TV gritando "Allez les bleus!" Pra falar a verdade, não consigo suportar uma partida de futebol por mais de cinco minutos. Me soa tão monótona como pornografia. Sempre a mesma coisa: disputa pela bola, arremetida contra o adversário, gol. Não me é fácil entender como, nestes dias de Copa, milhões de pessoas permaneçam coladas ao televisor para ver, todos os dias... o mesmo filme. Haja pobreza mental.

Torci pela França não pelos benefícios que dela recebi. Desde a primeira Copa que vi, sempre torci por qualquer país que jogue contra o Brasil. Não porque tenha ódio a meu país, nada disso. Mas é preciso acabar com esse anestésico, ministrado de quatro em quatro anos, que faz com que uma nação inteira pare. Não só pare como esqueça as mazelas todas do país, a miséria, a corrupção, o desmando, o desrespeito generalizado às leis, a começar pelas próprias autoridades que por elas deveriam zelar. Há alguns meses, o candidato das oposições, o patético Geraldo Alckmin, fazendo piadinha com sua antiga profissão, dizia que o Brasil precisa de um anestesista. Ora, o candidato parece ignorar que anestésicos temos o ano todo. Quando não é futebol é carnaval, quando não é carnaval é loteria e se não é loteria é o jogo do bicho. A cada Copa, uma dose reforçada, cavalar, de anestesia. Se o Brasil ganha, o país todo, entorpecido, entra em euforia. O doping é geral. Vibram os ricos atrás de suas barricadas, a classe média em seu sufoco, vibra o favelado em sua miséria, o prisioneiro atrás das grades, o mendigo debaixo do viaduto. Se um extraterrestre de longa milhagem em anos-luz aqui chegasse após a conquista da Jules Rimet, não teria dúvidas de ter chegado ao planeta de maior índice de felicidade per capita entre as galáxias.

Quando digo isto, com a velocidade de uma bola rebatida, salta a pergunta: que estás fazendo no Brasil? A pergunta é feita de duas formas. Ora, de modo afável e por curiosidade. Ora, agressivamente, como quem ordena: rua deste país! A pergunta vem de longe, desde quando escrevi meus primeiros artigos, não contra o futebol, mas contra o fanatismo em futebol. Há mais de trinta anos ouço esta objeção e já estive perto de pugilatos em mesas de bar. Quando a pergunta vem em tom irado, tenho resposta pronta: "Meu passaporte é brasileiro, resido em qualquer lugar do Brasil sem pedir autorização a autoridade alguma, saio e entro neste país quando bem entendo e me reservo o sagrado direito de criticá-lo". Esta censura dos fanáticos é mais violenta que a censura das ditaduras. Nas ditaduras, criticar o país sempre é permissível. O que não se permite é a crítica ao poder. Os fanáticos - que nestes dias confundem futebol com pátria - não admitem crítica alguma.

Para os que perguntam com afabilidade, esclareço também com afabilidade. Há 35 anos, fiz minhas malas e saí para não voltar. Acabei voltando. Uma mulher me chamava e todo país é lindo quando há nele alguém que amamos. Fora isto, o preço do metro quadrado na Europa é um poderoso argumento para ficar por aqui. O Brasil, apesar dos pesares, é país para onde se volta. Os exilados de 64, que degustaram em Paris ou Londres o amargo caviar do exílio, juravam só voltar de metralhadora em punho. Mal foi decretada a anistia, em 79, voltaram sem armas nas mãos e com lágrimas nos olhos.

Minhas preces por uma derrota brasileira nesta Copa foram atendidas neste sábado. Obdulio Varela ressurgiu das cinzas, desta vez falando francês. Isto não significa uma ojeriza ao Brasil. No dia em que formos reconhecidos por feitos na área da ciência ou tecnologia, quando a moeda nacional for aceita no estrangeiro, no dia em que brasileiro não mais precisar lavar pratos no Primeiro Mundo, quando analfabetos forem para a escola e não para o poder, nesse dia torcerei pela seleção. Esse distante dia, suspeito que nem meus hipotéticos netos verão. Enquanto isso, é bom ver os leprosos voltando abaixo de vaias.

domingo, julho 02, 2006
 
REMEMBER NOSTRADAMUS


Torna-se agora clara e cristalina uma até então obscura quadra do vidente:

No lúdico retângulo herbático,
comedores de rãs do Norte
abaterão a arrogância da vide dos trópicos
e o ímpeto do negro gordo e careca.

sábado, julho 01, 2006
 
DEUS OUVIU


Deus é um só e Pelé é o seu profeta.