¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, março 17, 2008
 
NADA DE NOVO SOB O SOL



Confesso que o escândalo em torno ao fato de o governador de Nova York, Eliot Spitzer, freqüentar prostitutas, me deixa perplexo. Parece que ninguém lembra mais de Bill Clinton, que usava uma estagiária para felações rápidas, sem sequer pagá-la do próprio bolso. De John Kennedy, que usufruía dos serviços de uma prostitutinha de Hollywood, Marilyn Monroe. Sem falar das dezenas, talvez centenas, de outras mulheres que teve. Leio nos jornais que, antes de enfrentar Richard Nixon, em seu primeiro debate na televisão, Kennedy contratou uma garota para transar. Saiu-se tão bem na TV que nunca mais dissociou os dois atos. Em todos os debates que se seguiram, a tática política foi a mesma: uma call girl antes e, no lugar do cigarro, Richard Nixon. Consta ainda que, ao receber um dignitário estrangeiro, Kennedy ordenou a seu staff que o entretivesse, enquanto se entregava ao bom folguedo com sua mulher.

Mais ainda: parece que ninguém lembra mais do santo homem Martin Luther King, que além de plagiador de textos alheios, usava o dinheiro de suas campanhas em favor da igualdade racial para orgias com profissionais do sexo. Enquanto Spitzer é demonizado, Luther King permanece envolto em uma aura de santidade.

Spitzer usou dinheiro de campanha para pagar sexo? Bom, nisto reside a indecência de sua atitude. Se as pagasse com dinheiro do próprio bolso, ninguém nada teria a ver com isso. Mas tanto Kennedy quanto Clinton se valiam de seus cargos, pagos com dinheiro público. E as orgias de Luther King também foram pagas com dinheiro público. Se assim foi, não vejo porque pegar no pé de Spitzer. Sua mulher, ao que tudo indica, aceita os pulos de cerca do marido. Como Hillary aceitou tranquilamente os de Clinton. Se o casal está de acordo, tudo bem.

Estou perplexo, dizia. Mas mais perplexo fiquei com a crônica de um articulista da Folha de São Paulo, João Pereira Coutinho, intitulada “Em defesa do homem infiel”. Em seu pé biográfico, diz ter 31 anos. Deve então padecer de senilidade precoce. Sua visão da mulher indica um homem de pelo menos 90 anos, nascido naqueles dias em que o macho se julgava amo e senhor de suas teúdas e manteúdas. Em sua crônica, Coutinho vê o homem infiel como uma vítima.

A infidelidade masculina é das situações mais angustiantes e desgastantes para qualquer macho. Começa por ser um desgaste físico evidente, sobretudo quando a idade avança. No espaço de poucas horas, é necessário fazer duas maratonas, ou três, ou quatro, sem que haja a mais leve suspeita de que o equipamento de corrida foi usado horas antes. É possível alegar cansaço nos primeiros tempos. Não é possível alegar cansaço todo o tempo.

Evidente bobagem, ainda mais nestes dias de Cialis e Viagra. Além do mais, a infidelidade tende a diminuir, senão a deixar de existir, com o avanço da idade. Infidelidade é para jovens, para homens de meia-idade. Nenhum ancião está obrigado a maratonas desgastantes. Se não dá no couro, que acalme seus ímpetos.

Sem falar de desgaste financeiro. Um homem infiel é, por definição, um homem de dois orçamentos. Um homem infiel nunca paga um jantar. Paga dois. Uma jóia não é uma jóia. São dois anéis, dois colares. E se vocês acham que umas férias nas Caraíbas são o supremo sonho, desenganem-se: pagar duas passagens e dois hotéis arruina qualquer carteira. Agora multipliquem pelo número de amantes. É sempre a subir: três jantares, três anéis, três passagens, três hotéis. O mesmo homem. O mesmo desgraçado.

Outra grande bobagem. Jantares não levam ninguém à falência. Quanto a jóias, isto há muito caiu de moda. É coisa de filme antigo de Hollywood. (Claro que ainda há quem se paute pelos filmes antigos de Hollywood). No que diz respeito a viagens, se o tal de infiel escolheu bem suas parceiras, elas podem arcar com os próprios gastos. Ou seja, as viagens se tornam inclusive mais baratas. Já viajei com minha mulher e uma antiga namorada pelas ilhas gregas e cada um pagou sua parte.

E depois contamina as grandes coisas: a necessidade de elaborar planos para que as mulheres nunca se encontrem. Um homem infiel nunca vive na paz dos inocentes. Na paz da mulher enganada. Um homem infiel é uma agenda ambulante. Para ele, um dia não é um dia: é uma estratégia de batalha, com horários fixos e medos infantis de que a porta do elevador possa abrir na altura errada. O stress e a ansiedade são simplesmente intoleráveis.

Simples. Basta não mentir. Coutinho está partindo do pressuposto de que mentir é lícito. Sempre me encontrei com minhas namoradas nos mesmos bares. Todas sabiam de todas. Nunca escondi uma da outra. O que me valeu um comentário irônico do atual ministro da Justiça. Freqüentávamos os mesmos bares e certa vez Genro comentou: “O Janer deve ser uma pessoa cheia de problemas, todos os dias está com uma mulher diferente”. Ora, eu tinha muitas soluções. Problemas teria ele, que tinha uma só.

E se vocês acreditam que Borges ou Kafka eram dotados de criatividade, lamento informar-vos: não existe romancista que se compare à fértil imaginação do homem infiel. Porque ele produz e reproduz mentiras oralmente. Não as registra. Não as escreve. Ele funciona como os antigos rapsodos da Grécia, que sabiam Homero de cor e salteado. Isso exige um esforço de memória torturante para não arruinar a narrativa oficial com caprichos, ou esquecimentos, momentâneos. Um homem infiel tem de ser coerente até à insanidade.

Como dizia, o cronista considera a mentira como um recurso perfeitamente normal. Se há algo que não entendo nas relações humanas, é o fato de um cônjuge mentir para o outro. Como mentir para a pessoa com quem vivemos sob o mesmo teto, com quem compartilhamos o mesmo leito? Quem mente para esta pessoa, mente para todo mundo.

Minha vida, graças ao bom deus dos ateus, foi farta em mulheres. Nunca precisei mentir. As namoradas que mais prezei se tornaram grandes amigas de minha Baixinha e todas choraram sua morte. Mesmo as que nutriam algum ciuminho choraram. Suponho que eu não tenha sido o único de minha geração a levar tal forma de vida. Comecei minha vida afetiva lá pelos anos 60. Aliás, comecei com duas mulheres, tanto que não posso falar de uma primeira namorada. Tenho de usar o plural, as primeiras. Na época, em alguns países da Europa, particularmente na França, praticava-se o échangisme. Homem e mulher saíam juntos em busca de outros parceiros sexuais. Depois, a peste estragou a festa. De qualquer forma, nas grandes cidades ainda restam clubes de swingers. Na Internet há sites específicos para combinar encontros. Os swingers, de modo geral, constituem parcerias sólidas. Não há mentira.

Este comportamento anula o conceito de infidelidade. Não vejo infidelidade nenhuma se alguém, de comum acordo com seu parceiro ou sua parceira, se relaciona com terceiros. Se não há mentira, o conceito de infidelidade cai no vazio. É óbvio que Silda Spitzer deveria estar ciente dos casos de seu marido. Como Hillary Clinton certamente não era uma casta esposa inocentinha que ignorasse as escapadelas de Bill. O rosto contrito destas senhoras, na hora de perdoar os respectivos, é jogo de cena para a platéia. Ou melhor, para a baixa classe média. Não há pecado abaixo da linha do Equador, diziam os lusos. Não há pecado da classe média para cima, digo eu.

Se há algo a deplorar na affaire, é a hipocrisia do governador de New York. Combatia com rigor a prostituição, ao mesmo tempo em que degustava o filé do ofício. Quanto ao mais, nada de novo sob o sol. Os mais árdegos moralistas em geral são grandes devassos.

Há a hipótese de que Coutinho tenha pretendido fazer humor. Se pretendeu, foi infeliz.