¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, novembro 04, 2008
 
O visionário de Taubaté (2):
UM PAÍS PARA OS NEGROS AMERICANOS



Entre 1840 e 1860, um obscuro tenente da Marinha dos Estados Unidos, Matthew Fontaine Maury, funcionário do Departamento de Cartas e Instrumentos do Departamento da Marinha de Washington, pensou seriamente no assunto. O projeto do oficial americano era simples e pragmático: uma vez alforriados os escravos negros de seu país, estes seriam enviados para colonizar a Amazônia brasileira. A república da Libéria, na África, resultou de um destes projetos.

E por que não colonizar a região amazônica com brancos? Maury empunhava argumentos de ordem geográfica, Se o europeu e o índio haviam lutado com suas florestas por 300 anos sem imprimir-lhe a menor marca, sua vegetação só poderia ser subjugada e aproveitada, seu solo só poderia ser retomado à floresta, aos répteis e aos animais selvagens e submetido ao arado e à enxada, pela mão-de-obra do africano. “É a terra dos papagaios e macacos e só o africano está à altura da tarefa que o homem aí tem de realizar".

O projeto de Maury, em verdade, só tinha de original a insistência em colonizar a Amazônia com os negros libertos. Desde os últimos anos da década de 1830, os Estados Unidos pretendiam a abertura da navegação do rio Amazonas a todas as nações. Antes do oficial sonhador, um certo Joshua Dodge pretendia estabelecer 20 mil imigrantes norte-americanos nas margens do Amazonas. Todos se comprometendo a reconhecer a soberania brasileira, pelo menos nos primeiros anos de colonização.

No fundo, à semelhança do que foi feito com o Texas, pretendia-se anexar a região aos Estados Unidos. A estratégia era simples. Bastaria comprar alguns brasileiros em Manaus, que passariam a ser "legítimos representantes de uma República da Amazônia, que se declararia estado independente do Império do Brasil, inclusive por discordar da forma como o país era governado, com sua monarquia".

Caso o governo brasileiro enviasse navios e tropas para restabelecer sua soberania, os cidadãos do novo estado amazônico independente apelariam para a proteção norte-americana. E uma força de proto-capacetes azuis se apresentaria na foz do Amazonas para "proteger a vida e os bens ameaçados dos cidadãos americanos".

Quem nos conta este quase desconhecido projeto de expansão americana é a professora Nícia Vilela Luz, em A Amazônia para os Negros Americanos. Neste ensaio, a autora mostra que muitos americanos, bem antes da eclosão da Guerra Civil, achavam ser mais interessante libertar todos os escravos e enviá-los para fora da América. O intérprete maior desta vontade é o tenente Maury:

"Preocupava-o o problema do negro nos Estados Unidos, tendo em vista a abolição da escravidão que se aproximava inexoravelmente. Convencido da superioridade do branco, só podia admitir o negro na condição de escravo e nunca numa posição de igualdade com o branco. Que fazer então com essa população negra uma vez posta em liberdade e cuja multiplicação ainda poderia submergir a raça branca?"

Para Maury, "Deus em Sua própria e sábia providência ditará o destino a ser cumprido pelas raças preta e branca, seja ele qual for".

"E Deus preservara a Amazônia deserta e desocupada para que os problemas do Sul pudessem ser resolvidos – prossegue Vilela Luz –. Acuados ao Norte onde não encontrariam mais terras do Mississipi por desbravar nem mais campos de algodão por subjugar, os sulistas, para se livrarem do seu excesso de população negra, salvando ao mesmo tempo sua economia e sua "peculiar" instituição, encontrariam a safety valve mais ao Sul, no vale amazônico. Era "o único raio de esperança" a iluminá-los naquele momento dramático em que se discutia o destino do regime da escravidão nos Estados Unidos".