¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, novembro 02, 2008
 
SOBRE CORRENTES


Leitores querem saber o que tenho contra casamentos homossexuais. Bom, não é que tenha algo contra casamentos homossexuais. Sou contra, isto sim, o casamento. Desde muito novo acreditei que as relações entre duas pessoas deviam depender de sentimentos, não de registro em cartório. Sempre fui hostil à organização familiar e raras vezes freqüentei uma casa de família em minha vida. Preferia encontrar-me, com amigos e amigas, preferentemente em bares ou nas ruas. Sempre vi o casamento como grihões e jamais gostei de portar grilhões.

Durante doze anos, mantive uma excelente relação com minha mulher, sem que nenhum de nós dois pensasse em casamento. Mas ninguém é dono de seu destino. Um belo dia, fui contemplado com uma bolsa em Paris. Mal o cônsul comunicou-me a boa nova, ergui o fone e chamei a Baixinha:
- Queres casar?
Ela quase teve um chilique do outro lado da linha. Achava que eu havia pirado. Nada disso. Queria levá-la comigo e a fórmula mais prática de levá-la era casar. Como eu não dava importância alguma a papéis passados, tanto fazia – como tanto fez – assiná-los. Soube mais tarde que a concessão de bolsas é um grande fator de casamentos.

Casei discretamente, num cartório da Riachuelo em Porto Alegre. Convidei apenas os mais interessados no assunto, pais e mães e dois ou três amigos que serviram como testemunhas. Ora, o cartório ficava justo ao lado de um de meus bares, a Rotîsserie Pelotense, que por muito tempo foi bebedouro de jornalistas. Combinei com os convivas – e com a “noiva”, é claro – reunião no cartório, às 11h30 da manhã. Que ficassem tranqüilos, eu não faltaria ao encontro. Lá pelas 10h30, fui pro bar. Lá estava o Carlos Coelho, bom amigo daqueles dias, colunista da Zero Hora, empinando seu uisquinho matutino. Pedi uma caipira e ficamos comentando as notícias do dia.

Na hora fatídica, disse ao Coelho:
- Segura minha caipira. Vou comprar um jornal e já volto.
E fui para o cartório. Lá, um juiz com cara de óbvio me perguntou se eu queria casar com a moça.
- Claro que quero. É por isso que estamos aqui.
Bom, daí o funcionário da obviedade pronunciou as palavras rituais e assinamos os papeluchos. Em frente ao cartório havia a Churrasquita. Combinei com todos um churrasco. Que me esperassem lá. Eu ia comprar um jornal e já voltava. Voltei à Pelotense, para terminar minha caipira. O Coelho nem sonhava que, naqueles poucos minutos, eu havia trocado de estado civil.

Ocorre que meu companheiro de trago tinha o péssimo hábito de ler o Diário Oficial. E viu os proclamas. Fui vilmente delatado à toda imprensa gaúcha. Meus coleguinhas se apressaram a anunciar, urbi et orbi, o que jamais me passara pela cabeça anunciar. Ora, eu tinha cinco namoradas firmes na época. Não havia mentira em nossos relacionamentos, todas sabiam de todas. Mas eu não chegara a falar do casamento. Dia seguinte, tive de dar entrevista à Folha da Manhã. Sim, havia casado. Por razões burocráticas, para levar minha companheira a Paris. Mas continuava sendo o mesmo homem solteiro de sempre. Continuei sendo mesmo. O casamento me foi perdoado. Mas não o fato de não levá-las para Paris. Fosse xeque árabe, casava com todas, levava todas para Paris e dava um studio para cada uma. Ocorre que eu não era xeque árabe. Precisava optar por uma companheira de viagem. Optei pela que mais queria.

Me concederam os deuses ter vivido um casamento sem grilhões. Continuei levando minha vidinha de sempre, mas sempre cada vez mais apaixonado pela Baixinha. Vivemos mais 26 anos – 38 ao todo – e mais viveríamos se ela não tivesse partido. Hoje ainda conservo uma certa distância das famílias. Meus pequenos círculos de amigos – em São Paulo, Paris, Florianópolis, Porto Alegre e Dom Pedrito – de modo geral são constituídos por pessoas solteiras. Eventualmente, divorciadas. Só em Santa Maria tenho relações com famílias, isto muito em função dos parentes de minha Baixinha. Não me queixo. São pessoas que prezo muito e respeito suas opções.

Família, nos anos de minha juventude, era sinônimo de repressão. Particularmente sobre as filhas. Ao filho macho, toda libidinagem era permissível. A mulher tinha de se manter virgem. Claro que nem todas se mantinham virgens. Mas tinham de aparentar que eram. Foi a época das chamadas demi-vierges, meninas que se entregavam a todos os prazeres de cama, tendo o cuidado de preservar intacto o hímem.

Solteiro era leproso. Mesmo na capital gaúcha, em plenos anos 60, era muito difícil para um solteiro alugar apartamento. Solteiro, estado civil suspeito. Neste sentido, eu admirava a liberdade dos homossexuais. Eram pessoas que renunciavam ao convívio familiar e faziam suas vidas com diversos parceiros. Muitos prazeres e ciúmes nenhum.

Hoje, homossexual quer grilhões. Quer submeter-se à monotonia do casamento e a obrigações de fidelidade. Foi na Alemanha, se bem me lembro, que ocorreu o primeiro divórcio homossexual. Por infidelidade. Logo ocorrerão entre nós. O difícil de suportar no casamento sempre foi a monogamia. Os homossexuais contemporâneos estão renunciando à liberdade da qual sempre gozaram e embarcando na prisão do matrimônio.

Assim sendo, sou contra o casamento homossexual. Não por moralismo. Mas por constituir uma volta a um modelo que não deu certo. Conheço raros casais que são fiéis um ao outro. Raríssimos. De modo geral, casamento é um festival de mentiras. Dos casais que conheci em minhas universidades, não conheço nenhum que permaneça unido hoje. Por uma razão simples: casaram mentindo um ao outro que a monogamia é possível.

Mas, enfim, se alguém gosta de correntes, que case e felicidades!