¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, janeiro 07, 2009
 
DO CANADÁ


No Ano Novo, saudei os leitores que encontrei em vários rincões do mundo, mais esparramados que filhotes de perdiz. De um deles, que vive no Canadá e prefere permanecer anônimo, recebi:

Olá, Janer.

Obrigado pela referência na postagem de 1º de janeiro. Feliz ano novo para você também.

Como você intuiu, sou brasileiro, como deve realmente ser a maior parte de seus leitores ultramarinos. Claro que não sei exatamente quantos de nós somos do Bananão, mas acho que sua crônica - uma parte significativa dela, ao menos - desperta particular interesse em nós compatriotas por dizer muito sobre a estupidez brasileira (provavelmente desconhecida por pessoas que não viveram algum dia no país).

Aliás, você é meu cronista predileto, e o tenho acompanhado há uns anos, desde o tempo do MSM. Embora não me identifique totalmente com suas crenças (ou com a falta delas), não conheço um observador mais lúcido atualmente; o João Pereira Coutinho, que escreve na Folha de S.Paulo, também me agrada muito, contudo. Claro que há alguns outros que escrevem bem, mas sempre tenho que ler com cautela, "filtrando" determinadas ideologias ou agendas que eles empurram em suas colunas (um é filocomunista, outro é tucanófilo, outro é adepto de teorias conspiratórias etc).

Voltando a nós, seus leitores no estrangeiro, acredito que muitos saímos "fugidos" do país. Discordo da sua opinião segundo a qual é possível viver aí, em determinadas "ilhas" de locais e relacionamentos. Tentei aceitar essa idéia por vários anos, insulando-me em minha família, amigos e trabalhos, mas vi que é inviável: o transtorno que é viver no Brasil (com sua burocracia imbecil, com a decadência de sua cultura sobretudo com a primitividade de seu povo) alcança o cidadão em seu mais íntimo refúgio, e a melhor saída é realmente o aeroporto. É evidente que viver longe das pessoas que mais queremos bem é algo inominavelmente doloroso; fazer essa ruptura me foi muito, muito difícil. Mas quando a minha esposa engravidou, tive que tomar essa decisão, pois não queria criar um filho para vê-lo crescer entre selvagens (de raça ou de espírito). Resolver dar esse passo foi um pouco facilitado pelo fato de o país estar sofrendo um claro processo de bolchevização há pelo menos 20 anos; quando ele chegar às últimas conseqüências - quando ele se "venezuelizar" de vez -, ficarei feliz em ver que fiz a coisa certa ao sair da terra natal.

A propósito, em minha cidade aí no Brasil havia (ainda há, na realidade) um grupo de pessoas que se encontrava bimestralmente para discutir sobre o processo de imigração pelo qual passávamos todos, em diferentes estágios. Trocávamos experiências sobre os meandros jurídicos e sobre os aspectos práticos dessa mudança (que é, como você sabe, complicadíssima, se se está disposto a fazer a coisa regularmente, dentro da lei). O grupo era composto por advogados, engenheiros, médicos, jornalistas, administradores e psicólogos, dentre outros profissionais liberais e servidores públicos com nível superior. Não havia entre nós aventureiros, gente deslumbrada com o exterior; nenhum de nós tinha a ilusão de que a vida no primeiro mundo seria fácil ou replena de dólares (muitos, como eu próprio, tinham ciência de que iriam ter menos, não mais dinheiro). Ao ir à minha primeira reunião, e ver o perfil dos participantes, refleti sobre que tipo de país é esse, que inspira tanto desprezo em seus próprios cidadãos, e praticamente os expulsa para terras menos hostis.

Vou falar: embora hoje eu não tenha um quinto do dinheiro que tinha aí, não me arrependo, e faria tudo de novo mil vezes. Aqui as pessoas (das mais simples às mais abastadas) são gentis e educadas; o governo não é inimigo do cidadão (outro dia desses fui surpreendido por um cheque que chegou para mim pelo correio; era o Estado, sem eu ter solicitado, me devolvendo dinheiro, que eu lhe teria pago a mais, quando da satisfação de um tributo - fosse no Brasil, eu teria que vencer até o STF uma longa batalha judicial, e ainda entraria na odiosa fila dos precatórios); a sociedade, enfim, tem um sentimento de coesão que eu não encontrei em parte alguma do Brasil - e eu estive em várias -, exceto talvez em algumas pequenas comunidades rurais no extremo Sul.

É isso, tenho que ir. Só escrevi mesmo para agradecer-lhe a gentil lembrança no réveillon, e terminei - como sempre! - divagando.


Grato, caro! Quanto a mim, por circunstâncias alheias à minha vontade - traduza-se grana - preferi viver aqui. Acho que o Brasil é um país onde se pode viver. Os governantes e políticos são repulsivos, de modo geral, as leis em boa parte são erradas e só induzem ao crime e a impunidade impera. É triste ver um país sendo despedaçado e entregue aos sem-terra, aos bugres e aos tais de quilombolas. Mas há ilhas onde se pode viver. Eu vivo numa delas. Vivo em bairro tranqüilo, em cidade onde tenho alcance a praticamente tudo que o Primeiro Mundo oferece. Uma ou duas vezes por ano, faço minha maletinha, intimo uma amiga e partimos para nos refestelar na Europa.

Feliz de quem mora em um país onde, por iniciativa própria, o fisco devolve tributos pagos a mais, sem que a devolução seja solicitada. Isso é o que me fascina nesses países, o respeito pelo cidadão. Aqui, não existe respeito algum. A União tem uma dívida comigo de mais de um milhão de reais. São precatórios já julgados em última instância e em fase de execução. Mas a União não paga e estamos conversados. Foram herdados de minha mulher, que morreu sem ver a cor do que lhe era devido. Não é um caso único. Já morreram mais de 70 mil credores, sem receber aquilo a que tinham direito líquido e certo. E morrerão milhares mais, sem terem seus direitos ressarcidos. O governo é caloteiro e exige honestidade do contribuinte.

Para viver aqui, é preciso anestesiar-se contra o Brasil. Creio ter conseguido isto. Há pessoas preocupadas com um terceiro mandato do presidente analfabeto. No que a mim diz respeito, já nem ligo. Pode até mesmo ter um quarto ou quinto mandato. Não me preocupo mais com os absurdos do país. Como Candide, trato de cuidar do meu jardim.

De modo geral, participo de tuas opiniões. Exceto no que diz respeito ao João Pereira Coutinho. Não consigo gostar de suas crônicas. Sem falar que, na edição de hoje da Folha, ele escreveu um artigo abominável, de um primarismo atroz, sobre a questão israelo-palestina, que chega a depor contra o jornal.

Já estive em tua nova pátria e fiquei fascinado com sua organização social, suas cidades, seus cidadãos. Adorei particularmente o Quebec. Uma bíblica piadinha para terminar. Os judeus se enganaram indo para Canaã. Consta que Moisés era fanho. O que ele queria dizer era: vamos para o Canadá.

Dito isto, sucesso em tua opção, felicidades e um grande abraço.