¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, janeiro 03, 2009
 
ISRAEL AINDA RESISTE


Um leitor me pergunta se não vou comentar os problemas crônicos de Israel e da Faixa de Gaza. Ora, não há muito o que comentar. Um grupo terrorista provocou Israel com seus toscos foguetes e agora está recebendo o troco. Reação desproporcional de Israel? Bom, se um grupo de terroristas insiste em jogar foguetes em minha casa, meu primeiro ímpeto será exterminar esse grupo, até o último terrorista. Danos colaterais sempre haverá, particularmente quando os covardes usam a população civil como escudo.

Não há muito mais a dizer além disto. Sem falar que a imprensa toda comenta o conflito todos os dias, em suas primeiras páginas. Quanto a mim, prefiro falar do que a imprensa não fala. Estou perplexo, por exemplo, quanto aos acontecimentos do réveillon na França. Mais de mil carros foram queimados no país todo e nossos grandes jornais não disseram água sobre o assunto. Estamos já há três dias dos fatos e o silêncio é total, tanto no Estadão, como na Folha de São Paulo e na Veja. No que depender destes jornais, não aconteceu nada de grave na França no réveillon passado. Clóvis Rossi, o correspondente internacional da Folha, está em Paris. Dedicou sua coluna de hoje a um tema de transcendental importância, as filas na loja da Louis Vuitton, na Champs-Elysées. Nenhuma palavrinha sobre a intifada que vandaliza as cidades francesas.

Recordar é viver. Em 1998 – há dez anos, portanto – eu escrevia:

Mas nem tudo foi charme e beleza neste outono na sedizente Cidade Luz. Paris está hoje cercada por um cinturão de ressentimento, alimentado por imigrantes e filhos de imigrantes, que aproveitaram a última tentativa de um revival de 68 para invadir a Paris intra muros e saquear, depredar e incendiar lojas e carros. O que pretendia ser uma reivindicação de universitários saudosos da “revolução” de Maio, logo transformou-se em caos sem palavra de ordem alguma. O vandalismo imperou também em Marseille, foco de intensa imigração árabe, onde hoje existem bairros em que nem a polícia ousa entrar sem reforços.

Se os antigos imigrantes chegavam na Europa preocupados com emprego e com os deveres ante a nova sociedade, o imigrante atual chega exigindo direitos, logo em um Estado em que a previdência social já não dá segurança nem mesmo aos nacionais. Os integrantes das chamadas segunda e terceira geração de imigrantes, detentores de cidadania francesa mas discriminados e desempregados, encontram no quebra-quebra sua forma de expressão. Como boa parte deste contingente é composta de árabes, em sua maioria argelinos, o adormecido ódio ao colonizador põe mais lenha na fogueira.

Isso sem falar na ameaça constante de bombas. As grandes lojas e centrais de metrô são locais de sonho para um fanático com projetos de produzir uma carnificina das boas. Um pacote ou mala esquecida em uma estação de metrô talvez não diga nada para um turista desinformado. Para o parisiense pode ser prenúncio de cadáveres e corpos dilacerados. Os cestos de lixo, por razões de segurança, foram lacrados e constituem um lembrete silencioso de que Paris não é mais aquela.

Militares em uniforme de campanha e equipados com fuzis-metralhadoras dão um toque sinistro aos grands magasins e subterrâneos da cidade. A intifada transportou-se do Oriente Médio para o centro da Europa e veio para ficar. Franceses e árabes estão irremediavelmente entrelaçados por um passado comum e continuarão a olhar-se diariamente, olhos nos olhos, pelo futuro fora. Se um dia os fundamentalistas argelinos transferirem seus carros-bomba e degolas para as margens do Sena — o que não seria de espantar, pois boa parte da Argélia vive lá —, adeus Paris que tanto amamos.

Ela continua linda, é claro. Nem de longe lembra esta São Paulo, com sua arquitetura horrenda e uma média constante de meia centena de cadáveres a cada fim-de-semana. Mas a comparação não procede. São Paulo, antes de ser urbe, é metástase que não pára de expandir-se. E Paris sempre foi a cidade buscada por todo homem culto em busca do que de mais requintado o Ocidente oferece.

Ou era.


Pelo jeito, a intifada já faz parte dos usos e costumes parisienses. A tal ponto que já nem merece manchetes na imprensa brasileira. Os jornais franceses, é claro, a noticiaram, e não poderia ser diferente. Mas nenhum deles nomeou os responsáveis pelas depredações. Pelo contrário, deram voz a políticos de oposição que consideram um atentado aos direitos humanos a ameaça de Sarkozy de retirar a permissão de dirigir dos baderneiros até as vítimas serem ressarcidas de seus prejuízos.

A Europa está se rendendo aceleradamente aos bougnoules. Israel ainda resiste.