¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

Powered by Blogger

 Subscribe in a reader

segunda-feira, outubro 12, 2009
 
DOIS FILMES PERTURBADORES


Acabo de ver, nesta madrugada, pela quinta, sexta, sétima ou talvez décima vez, um filme de 1998, O Show de Truman, dirigido por Peter Weir. O cineasta australiano é também autor de um outro bom filme, de 1989, A Sociedade dos Poetas Mortos. A obra é belíssima, comove, mas propõe um sofisma safado, o rebelde sem causa. E nada mais idiota que um rebelde sem causa. Este é o problema de toda arte: a beleza acaba nos vendendo idéias estúpidas. Remember Mercedes Sosa.

Mas O Show de Truman mexe comigo. A cada vez que o revejo, o acho melhor. É uma das obras mais esclarecedoras dos dias que correm. Para não perder tempo, reproduzo uma sinopse que encontrei na Web:

“O filme conta a história de Truman Burbank, um vendedor de seguros, que vive desde o nascimento vigiado por câmeras de televisão, vinte e quatro horas por dia. Ele leva alegria e esperança para milhões de telespectadores em todo o mundo, sem saber que é a estrela de um reality show, mercadoria e vítima de um sistema dominador, que procura atender seus interesses, impondo um modelo social permeado por uma falsa e ilusória ideologia. É importante salientar, fundamentando-se na teoria crítica, a existência de duas perspectivas abordadas no filme: a do mundo conhecido por Truman, e a dos telespectadores do grande show”.

Não sei se já existiam os tais de realitys shows na época, não sou muito chegado a televisão, a não ser para ver um bom filme. Se não existiam, O Show de Truman foi o precursor desses espetáculos aviltantes. Se há algo que não entendo neste mundinho, é ver milhões de espectadores fissurados em um teatro de péssimo gosto, e alguns pagando pay per view para assistir medíocres atores encenando histórias que sequer são histórias, mas uma espécie de reportagem falsa, sem pé nem cabeça.

É o que nos mostra Weir. No caso, a história é bem construída. Mostra a vida de um homem, desde seu nascimento até sua vida adulta. O estúdio é uma cidade inteira, Seahaven. A população da cidade toda é composta por atores, que constroem o mundo de Truman. Truman começa a desconfiar de algo estranho quando reencontra seu pai, que teria morrido em uma tempestade no mar. É que o ator voltou ao estúdio em hora errada e o “filho” o viu. A partir daí, Truman começa a suspeitar que sua vida é uma obra de ficção. No filme, tanto o mar como a lua ou o sol são falsos, criações de um estúdio de televisão.

O autor da ficção é Cristhof, o diretor da grande cadeia televisiva. Cinco mil câmeras vigiam Truman, 24 horas por dia, sete dias por semana. Cristhof tem os poderes de um demiurgo: faz dia e faz noite, faz sol e faz tempestades. Em determinada cena, o reencontro de Truman com o pai “ressuscitado” para efeitos de ficção, Cristhof chega quase a chorar comovido com a própria criação. Milhões de panacas, no mundo todo, se comovem até às lágrimas com as peripécias de Truman.

Perguntado, em uma entrevista, sobre o porquê de Truman nunca ter chegado perto de sair, de descobrir a natureza real do seu mundo, Cristhof responde com uma terrível verdade: que as pessoas simplesmente aceitam a realidade do mundo no qual estão presentes. Que Truman seria infeliz se vivesse em outro mundo que não o criado para ele. O homenzinho nosso de todos os dias, aceita como carneiros os rumos que lhe são ditados, principalmente pelas ficções televisivas. Quando falo em ficções televisivas, nela incluo também os noticiários.

Televisão alguma vai a fundo na apuração de fatos. É mídia muito forte e provoca comoções. Não fossem os jornais escritos, dificilmente teríamos notícias das grandes corrupções do governo petista e dos partidos que supostamente lhe fazem oposição. Porque toda oposição, neste país incrível, é de mentirinha.

E mesmo assim, olhe lá! Porque os jornais têm também seus compromissos com o poder. Vide a Folha de São Paulo, que pretende ter o rabo preso com o leitor, e na verdade tem o rabo preso com corruptos como Sarney, Gabeira, Cony. É uma vergonha para a imprensa nacional que um jornal que se pretende defensor de valores democráticos dê abrigo a tais crápulas.

Mas – diz Cristhof - se Truman estivesse realmente determinado a descobrir a verdade não haveria como detê-lo. Truman estava de fato determinado e não houve como detê-lo. O filme é uma metáfora tão perturbadora de nossos tempos como Muito Além do Jardim, de Hal Ashby, inspirado em Being There, do escritor polonês Jerzy Kosinski. O livro foi traduzido no Brasil como O Vidiota e constituí outra denúncia contundente sobre o poder avassalador da telinha.

Se você, leitor, ainda não viu estes dois filmes, procure-os imediatamente. Na obra de Kosinski, você reconhecerá imediatamente o personagem tupiniquim antecipado por Chance Gardiner. Na filme de Weir, entenderá melhor o mundo que nos cerca.