¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, outubro 11, 2009
 
SOBRE RICOS E ANALFABETOS


Continuando: nenhum dos entrevistados pelo Libé define trabalho decente como aquele que permite acesso à cultura, aos bens do espírito. A dar-se crédito à mostragem, cultura, para os franceses, passou a ser bem supérfluo. No entanto, cultura é coisa que não custa lá muito caro. Não considero que um livro seja algo caro. Em todo caso, para quem não tiver dinheiro para tanto, aí estão as bibliotecas. Falta tempo? Desligue a televisão e mergulhe em um bom livro.

Boa música também é acessível, ainda mais nestes dias de Internet. Cinema, idem. Os museus, na Europa, sempre oferecem a seus visitantes um dia gratuito na semana. Mas isto não parece ser preocupação de nenhum dos entrevistados em Paris.

Não tenho respeito nenhum por pessoas que, tendo um acesso mínimo à cultura, são incultas. Claro que não vou desprezar um analfabeto que não teve condições de aprender a ler, muito menos pessoas que por condições de extrema pobreza gastam suas energias só no esforço de procurar comida. A estes, todo meu respeito. Mas não confiro respeito algum a pessoas de posses que não lêem, não conhecem história nem geografia e não fazem esforço algum para adquirir conhecimentos.

Em meus dias de piá, vivi numa cidadezinha que na época tinha 13 mil habitantes e uma só livraria, a do Seu Naziazeno, quase que exclusivamente de livros didáticos. Mas na prefeitura de Dom Pedrito havia uma biblioteca. E na biblioteca lá estavam Cervantes, Platão, Montaigne, Descartes, Will Durant, meu primeiro guia em estudos filosóficos. Quando prestei vestibular para Filosofia, já havia lido quase todos os gregos disponíveis em língua portuguesa, graças à providencial "Biblioteca dos Séculos", da Editora Globo. Em suma, só não adquire cultura quem se recusa a ler. Na Faculdade de Filosofia, jamais ouvi qualquer menção a Durant. Além de americano, ele era objetivo. Pior ainda, não era comunista.

Vou mais longe: cultura é um dos poucos valores que cultivo. Se alguém é bilionário mas não sabe se Sócrates jogou no Corinthians ou Palmeiras, para mim toda sua fortuna não vale um vintém. Por outro lado, tenho enorme admiração por bilionários que investem na cultura. Nos Estados Unidos, boa parte das instituições culturais são financiadas não pelo Estado, mas por fortunas privadas. Me consta que Bill Gates, para pegar um exemplo bem à mão, investe um bilhão de dólares por ano em obras assistenciais no mundo. O que aliás exige um trabalhão. A gestão destas doações, pelo que sei, foi confiada a uma americana também bilionária, que por ser bilionária não cobra nada por seu trabalho.

Nisto reside o asco profundo que nutro por Lula. Teve todo o tempo da vida para educar-se. Não se educou. Optou por ficar fazendo política. Pelo que hoje se vê, alguma coisa aprendeu no Planalto e seria insólito se não aprendesse. Não sou partidário dos que o condenam por não ter feito curso universitário, nada disso. Conheço universidade, fui aluno de pelo menos cinco e professor em uma delas, e sei que as universidades formam safras de analfabetos por ano. Pior que os analfabetos que produzem, são os intelectuais de esquerda. Que certamente seriam mais nefastos ao país do que um Lula.

Pequeno parêntese. Um de meus medos atuais é um provérbio espanhol: el que vendrá, bueno te hará. Dados os atuais candidatos para o próximo pleito, todos com diploma universitário, não é de duvidar que um dia sintamos saudades do Supremo Apedeuta. Se chegarmos lá, parem o planeta que eu quero descer.

Por outro lado, tenho e tive amigos sem formação universitária alguma, que possuíam cultura extraordinária. Um deles chamava-se Pedro Villas-Bôas. Pelo que sei, não tinha nem ginásio completo. Conhecia a literatura gaúcha mais que qualquer professor de literatura. Tinha uma memória visual fabulosa. Villas, quem é mesmo o autor daquele livrinho A Cidade de Dom Pedrito? Ah! Um livrinho capa cor de gema, editado pela Globo em 1972? É o José Antonio Dias Lopes. E quem escreveu Jardim de Saudades? Ah, foi o Achylles Porto Alegre, 1921, edição do autor. Não por acaso, o Villas deixou um trabalho valioso, Notas de Bibliografia Sul-Rio-Grandense, que até hoje constitui um norte para qualquer estudioso da literatura gaúcha.

Sem querer estender-me pelo ror de amigos sem formação universitária que me formaram, apenas acrescento que foi através deles que conheci Ingenieros, Voltaire, Rousseau, Nietzsche. E Martín Fierro, bem entendido. Poucos professores universitários saberão hoje quem é Hernández, o poeta maior do continente. Quem me recitou as primeiras coplas de Fierro, em meus dias de guri, foi meu pai – que mal tinha o primário – junto a um fogo de galpão. (Falar nisso, semana que vem estarei em Cascavel, no Paraná, falando sobre Fierro).

O melhor da literatura e da filosofia que conheço, não foi a universidade que me deu. Foram amigos de bar e de praça, naquela distante época em que se podia ficar filosofando madrugada adentro nas praças. Minha formação literária não me foi dada pela academia, mas pelos bares da vida.

Perdão, leitor, andei trocando os queijos de bolso, como se dizia em meus pagos. Falava de profissões. Se um ofício permite a quem o exerce adquirir cultura – e principalmente se cultura fizer parte dos cavacos deste ofício – me parece que é profissão decente.

Dito isto, se algo me desagradou em meu ofício, é que não consegui chegar a ficar rico. Vivo vida confortável, é verdade, mas principalmente porque não participo do mundo do consumo. Mas não sou rico. Para quem me lê talvez esta ambição surpreenda. Explico. Primeiro, não gostaria de ter a fortuna de um Bill Gates, nem mesmo a de um Maluf. Dá muita incomodação. Mas gostaria de ter, digamos, cinco milhões de dólares. Não para mim. Mas para amigos e amigas.

Teria – sonhar é de graça – um pequeno apartamento em Paris, um outro maiorzinho em Madri e uma casinha, talvez nas ilhas gregas ou Canárias. A cada ano, eu escolheria entre as pessoas de meu círculo aqueles jovens que lêem, têm fome de mundo e não têm como viajar, e lhes ofereceria um mês ou dois em Madri ou Paris, em Santorini ou Lanzarote.

Para isso serve o dinheiro, penso. Para proporcionar prazeres às pessoas que amamos. Mês que vem, vou apresentar Barcelona, Tenerife e Lanzarote à Primeira-Namorada. Madri, já apresentei em anos passados. Tenho de admitir que o bom deus dos ateus, apesar de não ter me proporcionado fortuna, tem sido generoso comigo.

Hoje ainda, na Folha de São Paulo, Eike Batista, tido como o homem mais rico do Brasil – com patrimônio de 7,5 bilhões de dólares – diz acreditar em astrologia e fengshui. Ora, para que servem 7,5 bilhões de dólares quando se acredita em astrologia e fengshui?

Eike conseguiu ser rico. Mas continua analfabeto.