¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

Powered by Blogger

 Subscribe in a reader

terça-feira, julho 20, 2010
 
KALOCAINA - VII

Karin Boye

Tradução do sueco de Janer Cristaldo




O plano era este: ao chegar em casa, deviam mostrar, ante o marido ou esposa, sinais de inquietude e nervosismo, ou, se lhes fosse mais fácil, um certo otimismo róseo em relação ao futuro. Interrogados, deveriam finalmente revelar em confiança terem aceitado um trabalho de espionagem. Um desconhecido lhes segredara ao ouvido no metrô que poderiam ganhar muito dinheiro, bastando para isso apenas desenhar um mapa dos laboratórios em torno à central do Serviço Voluntário de Cobaias e dos subterrâneos do metrô, aproximadamente, como os imaginavam. Depois restava esperar, e não revelar por gesto algum que isto se tratava de uma experiência.

Na mesma noite fomos até a Casa de Polícia, devidamente munidos de credenciais assinadas pelo mais alto chefe de nossos laboratórios, como também de uma licença de visita à Casa de Polícia, enviada expressamente. Não me foi fácil trocar meu serviço policial-militar noturno por um posterior serviço dobrado. Estávamos, no entanto, contentes por ter conseguido entrar em contato com o chefe de polícia; precisávamos de sua ajuda para o que pretendíamos fazer. Convencê-lo foi um trabalho bastante difícil, não porque ele tivesse a cabeça dura para entender, pelo contrário, mas pelo fato de estar mal-humorado e desconfiado ante quem quer que fosse. Devo reconhecer que sua desconfiança deu-me melhor impressão que a credulidade de Rissen. Embora ela por vezes se abatesse sobre mim, tinha sua razão de ser, e quando finalmente ele concordou conosco, tive a sensação de ter aberto uma porta segura com a chave certa e devida, e não com uma gazua ou pontapé. O caso era este: precisávamos dispor das pessoas dos maridos e esposas depois que estes recebessem as confidências de seus cônjuges, nossas cobaias. Estes seriam denunciados nos termos da lei como cúmplices de uma conspiração e detidos conforme as regras habituais, e mais tarde, conduzidos até nós. Se ele quisesse colocar seus policiais a par disto ou se preferia saber sozinho do que se tratava, era um problema seu. O mais importante era que os maridos e mulheres das cobaias fossem mais tarde submetidos à kalocaína. Se assim o desejasse, ele poderia constatar pessoalmente que os detidos não sofreriam qualquer lesão conosco, pois a coisa pública não seria danificada desnecessariamente. Se quisesse vir em pessoa ou enviar algum representante, sentir-nos-íamos da mesma forma lisonjeados. Penso ter sido aquele “em pessoa” que o tornou mais concessivo. Apesar de seu mau-humor, estava curioso para ver como funcionava minha descoberta. Quando finalmente recebemos a confirmação escrita da promessa feita ao telefona, com a assinatura Vay Karrek, em grandes e angulosos, mas fortes caracteres, alertamos-lhe que alguns dos cônjuges que nada sabiam poderiam decidir-se a denunciar o criminoso simulado. Como tudo era apenas um jogo, isto não precisava necessariamente conduzir a qualquer prisão – deixamos com ele a lista com o nome das cobaias –, pelo contrário, ser-lhe-íamos gratos se nos enviasse o denunciado até a manhã do dia seguinte, se possível.

Cansados, mas satisfeitos com o resultado da visita, deixamos a Casa de Polícia.

Ao chegar em casa e entrar no quarto – Linda já estava deitada –, encontrei um comunicado em minha mesa de cabeceira. Tratava do serviço policial-militar: fora prolongado de quatro para cinco noites por semana. Até segunda ordem as autoridades julgavam ser obrigadas a reduzir as noites em família de duas para uma, enquanto a noite de festa e conferências mantinha-se a mesma. (Esta última era necessária não apenas para educação e recreação dos cidadãos-soldados, como também para a perpetuação do Estado. De outro modo, onde e quando os cidadãos-soldados que já haviam deixado os acampamentos juvenis poderiam encontrar-se e enamorar-se? Mesmo Linda e eu tínhamos de agradecer às noites de festa e conferências o nosso casamento). – Esta comunicação estava de acordo com os sinais que eu observara antes, e vi que na mesa de Linda havia outro papel igual

Todos os serviços possíveis acabavam reduzindo as noites em família isto eu sabia por experiência. Poderia inclusive transcorrer um longo tempo sem que eu tivesse uma noite para mim mesmo. Como ainda não era muito tarde e pessoalmente não me sentia tão cansado como após as noites de serviço, decidi-me a fazer rapidamente o que ainda precisava ser feito. Sentei-me e escrevi a autocrítica que pediria para ser transmitida pelo rádio.

“Eu, Leo Kall, funcionário da seção experimental do maior laboratório de venenos orgânicos e meios anestésicos da Cidade Química n° 4, tenho uma autocrítica a apresentar.

Durante a festa de despedida dos operários chamados, no acampamento juvenil, dia 19 de abril do corrente ano, cometi um grave erro. Acometido de uma falsa piedade, dessas que têm como causa lamentações individuais, e de um falso heroísmo, desses que se volta preferentemente para o trágico e obscuro em lugar de voltar-se par ao belo e luminoso da vida, fiz a seguinte palestra.
(A palestra estava incluída e deveria ser lida em tom ligeiramente irônico). Sobre esta palestra, o Sétimo Departamento do Ministério de Propaganda expediu, a seguinte declaração: Quando um guerreiro totalmente devotado, etc. (A declaração precisava ser repetida pois era mais importante para os ouvintes, constituindo um precedente aviso para todos que se expunham ao perigo da mesma idéia e sentimentos). Após, eu apresentava minhas desculpas por meu lamentável erro e reconhecia profunda e inteiramente o justificado desagrado do Sétimo Departamento do Ministério de Propaganda, e também sentia-me disposto a daqui por diante corrigir-me segundo tão convincente exposição do problema.”

Na manhã seguinte pedi para Linda reler o que escrevera, e ela ficou satisfeita. Não continha nenhum exagero, ninguém poderia descobrir alguma secreta ironia, ao mesmo tempo em que não podia falar de um falso orgulho. Bastava apenas passá-la a limpo, enviá-la, e depois esperar na fila a vez na hora de autocríticas da rádio.