¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

Powered by Blogger

 Subscribe in a reader

quarta-feira, agosto 04, 2010
 
NÓ QUE NÃO SE DESATA


Mas Jesus foi para o Monte das Oliveiras. Pela manhã cedo voltou ao templo, e todo o povo vinha ter com ele; e Jesus, sentando-se o ensinava. Então os escribas e fariseus trouxeram-lhe uma mulher apanhada em adultério; e pondo-a no meio, disseram-lhe: Mestre, esta mulher foi apanhada em flagrante adultério. Ora, Moisés nos ordena na lei que as tais sejam apedrejadas. Tu, pois, que dizes?
Isto diziam eles, tentando-o, para terem de que o acusar. Jesus, porém, inclinando-se, começou a escrever no chão com o dedo. Mas, como insistissem em perguntar-lhe, ergueu-se e disse- lhes: Aquele dentre vós que está sem pecado seja o primeiro que lhe atire uma pedra. E, tornando a inclinar-se, escrevia na terra.
Quando ouviram isto foram saindo um a um, a começar pelos mais velhos, até os últimos; ficou só Jesus, e a mulher ali em pé. Então, erguendo-se Jesus e não vendo a ninguém senão a mulher, perguntou-lhe: Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou?
Respondeu ela: Ninguém, Senhor. E disse-lhe Jesus: Nem eu te condeno; vai-te, e não peques mais. (João 8)


Imprensa e oposição estão cobrando do Supremo Apedeuta uma atitude mais firme no caso de Sakineh Mohammadi Ashtiani, viúva condenada à morte por lapidação no Irã por ter cometido adultério. Longe de mim defender tão abominável personagem. Mas, cá entre nós, que tem a ver o presidente do Brasil com um apedrejamento no Irã? Se algo tivesse a ver, teria de passar boa parte do ano enviando mensagens de protesto a Teerã, afinal muitas outras mulheres – e também homens – já foram lapidados naquelas plagas, sem que o Brasil desse um pio. E não só no Irã, como em outros países muçulmanos.

Se o presidente brasileiro tem obrigação de manifestar seu protesto, por que não a teriam Obama, Sarkozy, Merkel, Zapatero e tanto outros? Mais ainda: por que protestar contra a lapidação de uma – uma só – mulher? Amanhã, outras serão condenadas a esta morte infame. A condenação deveria ser feita ao Estado iraniano, não pela lapidação de Sakineh, mas por admitir em sua legislação esta prática bárbara.

Uma atitude coerente seriam sanções diplomáticas e comerciais. Mas se o Brasil vai cortar relações diplomáticas ou comerciais com países que lapidam mulheres, perderá todo um mercado na África e Oriente Médio. Isso sem falar que países de tradições humanistas, como França, Reino Unido ou Alemanha, jamais tomariam tal atitude. Commerce oblige. Em nome dos bons negócios, admite-se ablação do clitóris, infibulação da vagina, burkas e niqabs, lapidação e pena de morte por transgressões banais. Digam o que quiserem do xá Reza Palhevi. Em seu regime, mulheres não eram lapidadas. Recomeçaram a sê-lo após a entrada triunfal do aiatolá Khomeini em Teerã, em 1979.

Citei João no início da crônica não por acaso. Lapidação não é prática original dos muçulmanos, mas do Antigo Testamento. No Levítico, a execução dos adúlteros é lei: “O homem que adulterar com a mulher de outro, sim, aquele que adulterar com a mulher do seu próximo, certamente será morto, tanto o adúltero, como a adúltera”. Cristo pode até suavizar a antiga lei hebraica, mas a história, como quase todas as histórias dos Evangelhos, está contada pela metade. Adultério não é crime que se cometa individualmente. E o adúltero como ficou? João não toca no assunto. Perdoar mulheres é sublime. Mas seria o perdão do Cristo extensivo também ao outro parceiro? Nada se diz sobre o assunto. Se os judeus se civilizaram e hoje não lapidariam uma mulher, o mesmo não ocorreu com os muçulmanos.

Isso sem falar que Lula não está preocupado com Sakineh, mas com seu amigo Ahmadinejad. Se Sakineh causa incômodos ao Estado iraniano, o Brasil até que se dispõe a recebê-la, para poupar aborrecimentos a Ahmadinejad. No fundo, Lula é conivente com a barbárie. Acontece que não é Sakineh que causa incômodos ao Irã, mas o Irã que causa incômodos a Sakineh. Pode-se admitir até a pena de morte. Mas não uma execução cruel. Por outro lado, executar uma mulher por ter cometido adultério é punição excessiva. Não diria típica de muçulmanos, existe em todas as culturas. Inclusive entre nós. Há poucas décadas, no Brasil, os maridos julgavam perfeitamente permissível matar a mulher que os traía.

Os tempos mudaram. Os muçulmanos permanecem na Hégira, com seis séculos de atraso em relação à era cristã. O nó górdio que separa o Islã do Ocidente é a mulher. Este nó talvez jamais seja desatado.