¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, maio 14, 2011
 
O NOVO METRÔ DE HIGIENÓPOLIS
E AS ETERNAS VIÚVAS DO KREMLIN



Higienópolis – ou Idischienópolis, como preferem certas línguas – é um dos bons bairros para se viver em São Paulo. Há quem diga que é o melhor. Não é exatamente meu bairro ideal. Arquitetura vertical me desagrada, achata muito o ser humano. Prefiro aquelas cidades baixas, tipo Paris, Madri ou Lisboa. Mas não me queixo do pedaço. Tem cerca de 35 mil habitantes, é relativamente calmo e oferece pelo menos uma meia centena de restaurantes abordáveis.

A quinze minutos a pé de onde moro, há uma praça agradável, a Vilaboim, onde geralmente costumo almoçar. Em apenas uma quadra, tem uns dez ou mais restaurantes com cozinha para todos os paladares: francesa, japonesa, alemã, italiana, árabe, mexicana, brasileira e tem também uma coisa ianque que serve sanduíches tão ao gosto de quem gosta de comer mal. É o que em Paris se chamaria de village, uma espécie de ilha nesta cidade desvairada.

Surgiu nestes dias uma polêmica que assumiu dimensões nacionais. Pretende-se – ou se pretendia – criar uma estação de metrô na avenida Angélica, principal artéria do bairro. Um grupo de higienopolitanos fez um manifesto contra a estação. O governo recuou e a transferiu para mais adiante. Por que não se quer uma estação de metrô no bairro? Porque bocas de metrô atraem camelôs, mendigos e mesmo assaltantes.

A localização da nova estação é manifestamente errada. Fica muito perto – a uns 600 metros – de uma outra futura estação, a Mackenzie. Se for deslocada para mais uns quatrocentos metros à frente, atende o estádio do Pacaembu e as faculdades da FAAP, cujos vinte mil alunos já não têm espaço para estacionamento.

Há dois metrôs a uns 500 metros de distância de onde moro. Um deles, o Santa Cecília, até poucos anos atrás, era um pátio de milagres, com dezenas de mendigos atirados na calçada, fedendo a urina e fezes. Impediam até mesmo a limpeza da praça. Quando chegavam os carros da Prefeitura, defensores dos tais de direitos humanos é o que não faltava para se jogar na frente das mangueiras de água e impedir a limpeza.

Na ocasião, cheguei a protestar junto a Prefeitura. O alcaide era o Maluf. Recebi minha carta de volta, com mais de uma dezena de pareceres e carimbos de diversas repartições e a conclusão final: que qualquer solução era inviável. A Prefeitura acabou encontrando um remendo, entregou o espaço aos camelôs. Que fizeram o que a polícia não conseguiu: expulsaram os molambentos do pedaço. Mas tomaram conta da praça. Quanto ao cidadão que paga honestamente IPTU, este foi expulso do largo.

Alguns palhaços andaram planejando para hoje um churrasco de protesto em frente ao shopping Higienópolis, que depois teria sido transferido para a praça Vilaboim. A alegação é que os residentes do bairro não querem pessoas pobres por perto. Se o protesto sairá, não sei nem irei lá para conferir. Mas a discussão é ociosa. Pois, seja transferida ou não, a estação ficará no mesmo bairro. No fundo, petistas que querem desgastar o governo estadual. São as viúvas do Kremlin que querem ressuscitar em meu bairro a finada luta de classes.

Prova disto é a declaração do cacique do partido. Disse Lula na quinta-feira: “Eu acho um absurdo, porque isso demonstra um preconceito enorme contra o povo que anda de transporte coletivo neste País". O petista acusou os moradores que protestaram contra o metrô de tentar impedir a circulação de pobres no bairro de alto padrão. "Sinceramente, não posso conceber que uma pessoa que estudou e tem posses seja tão preconceituosa e queira evitar que as pessoas mais humildes possam transitar no bairro onde mora".

Grossa besteira, porque no bairro circulam milhares de pobres e não poucos ditos moradores de rua se deitam nas calçadas. Sem falar que já há dois metrôs, cuja construção jamais foi contestada. Em dias de jogo no Pacaembu, uma marginália abominável invade a Vilaboim. O curioso em tudo isto é que o Ministério Público de São Paulo já solicitou à presidência da Companhia do Metropolitano de São Paulo e à Secretaria de Transportes Metropolitanos informações sobre a mudança de local da estação.

Um promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo, Antônio Ribeiro Lopes, quer saber se a decisão pela troca de localização da estação, que estava prevista para ser construída na esquina da Avenida Angélica com a Rua Sergipe, para outra região mais perto do Estádio do Pacaembu, foi uma decisão técnica e quais critérios foram adotados para o procedimento. "Se as explicações forem convincentes, se a decisão for realmente técnica, o processo será arquivado, mas se a decisão foi feita por pressão de um grupo de moradores iremos discutir as razões que estão levando a esta decisão", afirma o promotor. "Não podemos aceitar a idéia de que um grupo de pressão seja capaz de determinar onde fica uma estação de metrô", explica.

Ora, como se grupos de pressão não fossem um direito de todo cidadão. Quando se planejava a instalação do shopping Higienópolis, durante três ou mais anos grupos de pressão impediram a construção do prédio. Quando se pensou em um parking subterrâneo sob o Trianon, que seria um oportuno desafogo para o tráfego na avenida Paulista, os tais grupos de pressão acabaram por matar a idéia. Por que não podem os higienopolitanos opinar sobre os destinos de seu bairro?

Um leitor me pergunta se sou contra o metrô na Angélica. O problema não me afeta. Há metrôs bem mais perto de mim. Seja como for, em país civilizado, eu adoraria uma estação em frente a meu prédio. Aqui, não. Metrôs como Odéon, Saint Michel, Opera, Denfert-Rochereau, não atrapalham a vida de ninguém em Paris. Mas atenção: nenhum parisiense de cepa gostaria de morar nas cercanias do Barbès-Rochechouart, junto à Goutte d’Or, bairro árabe próximo a Montmartre. Não gostariam de morar nem moram. À medida que o Goutte d’Or avança, os imóveis limítrofes se desvalorizam.

O que é solução em país decente, no Brasil muitas vezes é problema. Claro que não quero ver mendigos nem camelôs na região onde moro. O problema é a desídia das autoridades. Aqui em São Paulo, criou-se o conceito de povo das ruas. Ou moradores de rua – eufemismo politicamente correto para mendigos. Criado o conceito, todo mendigo tem o sagrado direito de instalar-se onde quiser. E aí de quem ouse dizer que rua não é moradia. Será acusado de “higienista”.

Mas preferiria que o metrô fosse transferido para o Pacaembu. O que talvez resolvesse um dos grandes problemas da cidade, o vandalismo dos torcedores de futebol. Nos dias de jogos importantes, quando as torcidas estivessem se aproximando do estádio, bem que se poderia fechar os portões da estação.

E reabri-los três dias mais tarde, para juntar os cadáveres.