¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, junho 07, 2011
 
SOBRE AMOR E PSICANÁLISE


Eu te amo é expressão que mulher alguma ouviu de mim. Não que não tenha nutrido carinho e ternura pelas amigas que me acompanharam ao longo da vida. Minha bronca é com esta palavrinha infame, amor. Que hoje serve tanto como pretexto de assassinatos como também virou apelo comercial. Minha implicância vem de longe. Desde o cinema ianque que vi em minha adolescência.

Sempre abominei aquele “I love you” que fechava todos os filmes como nó de tope. O mocinho enfrentava pistoleiros, fome, sede e torturas, matava índios e dizimava quadrilhas e, lá na última cena, nunca faltava uma amada para ser beijada e ouvir aquele terrível lugar comum. Era como se todas as histórias rumassem sempre a um final, o tal de amor.

Ora, amor é sentimento fictício, que só existe na cabeça dos tolos. Como boa ficção, não é de espantar que tenha nascido na literatura. Na ilha grega de Lesbos, no século VII a.C., nasceu a poetisa Safo, que teria relações com suas discípulas. Daí a palavra lesbianismo. Ou amor sáfico, como quisermos. O fato é que os historiadores situam, de um modo geral, nos poemas de Safo de Lesbos a primeira ocorrência na literatura da palavra amor. A poetisa descreveu, inclusive, uma série de sintomas físicos que diagnosticariam o amor. Os médicos da época se apoiavam em Safo para definir a doença, pois de doença se trata. Assim narra Plutarco o caso de um jovem enfermo:

- Erasístrato percebeu que a presença de outras mulheres não produzia efeito algum nele. Mas quando Estratonice aparecia, só ou em companhia de Seleuco, para vê-lo, Erasístrato observava no jovem todos os sintomas famosos de Safo: sua voz mal se articulava. Seu rosto se ruborizava. Um suor súbito irrompia através de sua pele. Os batimentos do coração se faziam irregulares e violentos. Incapaz de tolerar o excesso de sua própria paixão, ele tombava em estado de desmaio, de prostração, de palidez.

Quando Antíoco – pois assim se chamava o enfermo – recebeu Estratonice como presente de Seleuco, seu pai, desapareceram os sintomas da doença. Que talvez tenha contagiado Seleuco, pois afinal era o marido de Estratonice. Mas isto já é outra história.

Estes sintomas, já os senti. Era quando eu acordava lépido e faceiro para ir às aulas de Filosofia. Mas não era a Filosofia que me fazia acordar feliz, e sim a menina adorável que lá me esperava e que me acompanhou-me por quatro décadas, e mais me acompanharia se não tivesse partido. De tais sintomas, penso hoje, só conseguimos sofrer raras vezes na vida, e isso na adolescência. Um adolescente apaixonado, isto faz parte da normalidade das coisas. Um adulto apaixonado é algo que beira o ridículo.

Amor, além de ser sentimento fictício, é idéia assassina. Só mata quem não ama, creio que este foi o título de uma mini-série produzida há alguns anos pela TV nacional. Grossa besteira. Só mata quem ama. O pobre de espírito acha que aquela mulher que encontrou é a única de sua vida e, se a perde, se sente perdido. Daí a matar, é só um passo. Quem não ama, não tem razão alguma para matar.

Mais sensata é a amizade. Como dizia Lawrence Durrel, a amizade é sentimento mais duradouro que o tal de amor. As paixões cegam e provocam aqueles sintomas dos quais falava Plutarco. A amizade é serena e não experimenta tais percalços.

Um antropólogo inglês, que viveu algum tempo entre os bembas, na Rodésia, relata uma curiosa experiência. Reunido com um grupo de nativos, o inglês contou-lhes uma lenda. A historieta falava de um príncipe que galgara montanhas de vidro, atravessara abismos e lutara com dragões para obter a mão da moça que amava. Os bembas não entendiam o porquê de tanto esforço, mas ficaram quietos. Por fim, interpretando os sentimentos do grupo, um ancião tomou a palavra:

- Mas por que ele não escolheu outra moça?

Me ocorrem estas reflexões a propósito de um artigo bobo publicado naquele suplemento de auto-ajuda da Folha de São Paulo, intitulado “Equilíbrio”. Nele geralmente são entrevistados psicólogos e psicanalistas, pessoas das quais jamais ouvi uma opinião sensata. "Paixão eterna só existe na ficção", afirma o psicólogo Bernardo Jablonksi, autor de Até Que a Vida Nos Separe: A Crise do Casamento Contemporâneo. "Na paixão você sofre, pára de comer, não dorme. Não tem como durar muito", afirma o autor, que já passou por diversas separações”. Ora, isto é coisa de adolescente. Quem ainda passa por isto, não chegou à adultez.

Estou cansado de ver psicólogos e psicanalistas que jamais conseguiram uma vida conjugal decente dando palpites sobre a vida conjugal dos outros. E mais ainda: cobrando caro por tais palpites furados. Ora, não tem autoridade nenhuma para falar de vida conjugal quem não conseguiu resolver a sua. Essas gentes que passaram “por diversas separações”, a meu ver não passam de medíocres que não conseguiram gerir a própria vida.

Segundo Francisco Daudt, colunista da Folha – e não por acaso psicanalista - vivemos um tempo de monogamia seriada. "É poligamia disfarçada. Cumprimos o papel de polígamos, mas com uma pessoa de cada vez". Pobre coitado. Ainda não descobriu que hoje milhares de pessoas vivem tranqüilamente a poligamia no mesmo tempo. Só um mal-resolvido – como em geral são os psicanalistas - vive as tais de poligamias disfarçadas.

Contei há pouco a história daquele ilustre psicanalista porto-alegrense, que estava na quinta mulher e pretendia orientar seus clientes. Mais ainda, era psicanalista-analista, daqueles que na guilda dão lições de como enganar o próximo a seus asseclas. Bom, este senhor Daudt tem perguntado a seus pacientes se se imaginam casados com a mesma pessoa daqui a 20 anos. "A negativa é freqüente. Estamos menos hipócritas".

Estamos mais pobres, diria eu. Relação boa é a que dura para toda a vida. Claro que sempre há quem cometa erros em suas escolhas. Mas cabe aos seres sensatos procurar fugir de tais erros. Relações eternas não existem só na ficção. Estão também aí, em nosso dia-a-dia.

Sem as relações fugazes, os psicanalistas não podem prover seu sustento. Quando falam em crise do casamento contemporâneo, em verdade estão falando da própria miséria.