¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, junho 03, 2011
 
BOAS NOVAS! PARA OS
CAPACHOS DO GOVERNO



Cada vez que ouço falar em cultura, sinto vontade de puxar o revólver – dizia Goebbels. Eu também. Por razões distintas, bem entendido. Se Goebbels queria assassinar a cultura, de minha parte gostaria de exterminar os promotores da cultura. Pelo menos no Brasil.

A Folha de São Paulo de ontem anunciava, como boa notícia, a tal de Festa do Teatro, a ser realizada aqui em São Paulo, com a distribuição de 40 mil ingressos grátis, e aqui já vai uma primeira contradição: se a entrada é grátis, para que ingressos? Sem falar que uma outra pergunta se impõe. Existe teatro grátis? Ora, não existe almoço nem teatro grátis. A tal de festa oferece mais de 150 peças, para todas as idades.

Existirão produtores, cenógrafos, iluminadores e atores beneméritos dispostos a trabalhar de graça em 150 peças, para a alegria dos paulistanos? É claro que não. Quem os paga? Vamos lá: governo federal, Ministério da Cultura, governo do Estado de São Paulo, prefeitura de São Paulo e mais quatro ou cinco empresas, todas subsidiadas pela famigerada lei Rouanet.

Traduzindo: quem paga somos nós, contribuintes. Isto é, você, contribuinte. Porque eu não pago mais imposto de renda, desde há dois anos. Graças a um providencial câncer. No Brasil, para não financiar os gigolôs da cultura, só contraindo câncer.

Pessoalmente, teatro não me atrai. Acho muito teatral. Sinto um mal-estar físico, uma espécie de vaga dor no estômago, ao ver atores representando personagens. Comédia até que passa. Assisti algum teatro nos dias de universidade e lembro de ter-me divertido muito com Tango, do polonês Slawomir Mrozek. Também gostei de ver o Teatro Negro, de Praga, que com negros nada tem a ver. Atores vestidos de preto representam contra um pano de fundo negro e só vemos as partes do corpo vestidas de branco. Fantástico!

Fora isso, a última vez que fui a um teatro foi no final dos 70, em Paris. Não que quisesse ir ao teatro. Fui atrás de uma polonesa adorável que queria ir ao teatro. Assisti a uma peça que constitui verdadeira vacina contra o teatro: Esperando Godot, do Samuel Beckett. Me custou caro, a polaquinha.

Isso são minhas idiossincrasias. Ora, direis, cinema também é representação. Pode ser. Mas no cinema não temos uma pessoa representando e sim imagens de pessoas representando. É diferente. Cabe no entanto a pergunta: as pessoas, hoje, gostam de teatro? Eu diria que não muito. Pois quando o governo distribui 40 mil ingressos gratuitamente – isto é, pagos pelo contribuinte – é porque não há muita procura de teatro. Atores medíocres, que não conseguem atrair público algum, empurram seus abacaxis ao povão.

O que há, no fundo, são desocupados que apelam à caridade pública para passarem bem. Ninguém imagine que todas as pessoas que vão ao teatro gostam de teatro. Aqui em São Paulo, teatro está inserido no turismo interno de fim de semana. As agências fazem pacotes nos quais embutem uma peça de teatro. Por isso é que se vê tanto caipira de terno e gravata nas salas de espetáculos. Os freqüentadores, por outro lado, gostam de ver celebridades da mídia, para dizer, na volta à roça, que viram celebridades da mídia.

Acontece o mesmo nas feiras de livros. Há muita gente que as freqüenta sem jamais comprar um livro. Querem é roçar-se junto a escritores mais prestigiados. Sabe, eu vi o Verissimo, o João Ubaldo, o Loyola. A propósito, este tem se revelado o maior pedinte do Estado. Em suas crônicas medíocres, sempre está falando sobre feiras e festivais. Sobre as vedetes que encontrou, as pousadas em que foi hospedado, os pratos que degustou. No mundo da literatura, parece ter surgido uma nova profissão, a de festivaleiro. Ou feirista. Qualquer dia, regulamentam o novo ganha-pão.

Na crônica de hoje no Estadão, por exemplo, Loyola desperdiça cinco colunas deplorando os dramas de uma mancha de zabaione em seu terno de caxemira. Trágico incidente ocorrido no Festival da Mantiqueira, embalado pelo murmúrio do riacho por trás da Pousada Muriqui, enquanto o bolo de fubá do meio da tarde embalava o paladar, o escondidinho de carne-seca ou os peixes do Allegro, sempre lotado, os encontros no café da manhã de figuras como Luiz Felipe Pondé, Lobão, Luis Ruffato, Márcio Souza, Regina Zilberman e Xico Sá. Há mais de dez anos este senhor só fala de seus rega-bofes e festivais. Todos devidamente financiados pelo contribuinte.

Mas falava de teatro. Um outro projeto, intitulado Teatro nos Parques, que começa amanhã, fará 48 apresentações de 24 grupos teatrais até o dia 24 de julho. Cerca de 30 parques da capital e da grande São Paulo recebem os espetáculos – que são gratuitos, isto é, financiados com seu dinheiro – e com tema para todas as famílias. Se você não consegue entrar nem de graça em uma sala, os “artistas” vão procurá-lo nos parques. Nem nos espaços públicos você está livre dos vigaristas. Que não se pejam em perturbar seu lazer com suas peças de circo mambembe.

No Brasil, no que diz respeito à área cultural, estamos vivendo em pleno comunismo do século passado. O Estado financia capachos do governo – tanto no teatro como no cinema, na música como na literatura - que produzem uma arte que ninguém quer ler, muito menos ver ou ouvir. Isto é, você financia. O Estado nunca financia nada. E a Folha, que se pretende um jornal sem rabo preso, anuncia como boa notícia esta enfiada de mão em seu bolso.

Boa notícia, só se for para os desocupados que vivem da esmola estatal. Para nós, é ofensa.