¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

Powered by Blogger

 Subscribe in a reader

sexta-feira, junho 17, 2011
 
“MEUS CASAMENTOS FRACASSADOS”


Contei há pouco a história daquele psicanalista gaúcho que reagiu violentamente quando afirmei que Ingmar Bergman era o cineasta das neuroses sexuais. Prova disto é que estava na quinta mulher e em vias de separar-se dela. Bom, o fulano em questão estava também na quinta mulher. E também estava se separando dela. Consta que o conflito residia no fato de que morava na casa da mãe e insistia em levar as moças para lá. Este senhor – que se chamava Luís Carlos Meneghini – era considerado o papa da psicanálise em Porto Alegre. Fracassado na vida, cobrava caríssimo para orientar vidas alheias.

Não que queira voltar ao assunto, mas não resisto. Confessei há pouco um de meus prazeres perversos, o de ler cronistas medíocres. Li ontem, na Folha de São Paulo, artigo de Contardo Calligaris, doutor em Psicologia Clínica pela Universidade de Provence (França), onde defendeu a tese A Paixão de Ser Instrumento, estudo sobre a personalidade burocrática. Foi também professor de Antropologia na Universidade da Califórnia em Berkeley e de Estudos culturais na New School of New York. Autor de diversos livros, Calligaris faz crônica na Folha desde 1999.

Em seu artigo, no qual pretendia explicar as separações, pontificava sobre as relações conjugais: “Na última sexta, na Academia de Idéias de Belo Horizonte, durante um bate-papo com João Gabriel de Lima sobre meu último livro, ao falar de amor e casais, eu propus o seguinte: 1) todos tendemos a amarelar diante de nosso próprio desejo; 2) o casamento nos permite acusar alguém de nossa própria covardia -assim: eu quero fazer isso ou aquilo, mas tenho preguiça e medo; por sorte, agora que me casei, posso dizer que desisto porque assim quer minha parceira; 3) um casal, para valer a pena, não deveria servir para justificar as desistências de nenhum de seus membros; ao contrário, ele deveria potencializar os sonhos e os desejos de cada um dos dois”.

Ou seja, como bom psicanalista, não disse coisa alguma. Mas o melhor vem depois: “Volto, portanto, à pergunta: por que um casal acaba? Levantei a questão no Twitter, e @M_Angela Jesus me escreveu que, segundo Anaïs Nin, os casais não morrem nunca de morte natural, mas por falta de cuidados, de atenções e de esforços. A citação me levou a pensar nos meus próprios casamentos fracassados; não cheguei a resultado algum, salvo o fato de que não deveríamos chamar necessariamente de fracasso um amor que acaba; erigir a duração em valor é uma idéia perigosa, que pode transformar separações bem-vindas e necessárias em processos laboriosos e infinitos”.

Ora, que autoridade tem este senhor – que reconhece o fracasso de seus próprios casamentos – para falar de amor e casais? Enfim, alguma autoridade terá, a autoridade do fracassado. De que valem tantos títulos, quando alguém não consegue gerir um casamento? Que pode dizer a alguém uma pessoa que não soube administrar a própria vida?

Ora, nada melhor que uma relação que dura no tempo. Quando vejo dois velhinhos de mãos dadas, meu sentimento é de inveja. Não que não tenha tido uma relação duradoura. É que a vida não quis que eu chegasse muito longe.

Para Calligaris, erigir a duração em valor é uma idéia perigosa. De seu fracasso como pessoa, faz uma teoria. Certamente não faltarão pacóvios para pagar por suas consultas.