¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, julho 01, 2011
 
NÃO CONVIDO NINGUÉM
PARA MINHAS CRENÇAS



Abomino militantes, não importa a causa. Parto do princípio de que pessoas adultas são capazes de gerir suas vidas. Ou deveriam ser. Se há uma raça que não suporto, são os pregadores. Esta gente que quer arrebanhar adeptos para suas doutrinas. Tive muitos deles em torno a mim.

Primeiro foram os padres católicos, que tentaram me fazer crer no absurdo. Não conseguiram. Quando terminei meu breve namoro com o cristianismo, surgiram os marxistas. Eu era a presa ideal. Se havia perdido a fé em Deus, estava pronto para acreditar na História. Ou pelo menos no que os marxistas concebem como História. Felizmente, eu já começara a ler filosofia e considerei o marxismo uma doutrina muito tosca.

Minhas primeiras aulas de marxismo, eu as tive a partir de um livrinho de Georges Politzer, Curso de Filosofia - Princípios Fundamentais. Primeiras e primárias: sua argumentação simplória não me convencia. No entanto, este divulgador menor foi bastante significativo. Em sua tentativa de trocar em miúdos o marxismo para um público operário, Politzer despe a doutrina de sua retórica e a exibe em sua indigência. Mas não me espanta que boa parte dos marxistas contemporâneos tenha tido um passado católico. Perdida a fé no deus cristão, ineptos para enfrentar a intempérie metafísica, apoiam-se em outra crença, como quem pede muleta.

Os livros foram minhas armas para enfrentar o mundo. Com eles enfrentei a arrogância dos padres, dos marxistas, dos acadêmicos. Nos dias em que estava abandonando a fé cristã, que me fora enfiada a machado na cabeça, um padre foi enviado à minha cidadezinha para reconduzir ao rebanho a ovelha prestes a perder-se. Conversamos um dia inteiro, esvaziando várias jarras de água. "Com que autoridade - me perguntava o padre Firmino - ousas contestar o que homens ilustres afirmaram?" Contesto, padre, com a autoridade da razão, da lógica e de minhas leituras. Eu teria 17 anos. Graças a meus livros, enfrentava com serenidade aquele Torquemada cinqüentão. A leitura me salvou do obscurantismo.

A propósito da última crônica, me escreve um leitor: “Eu acho uma perda de tempo crentes quererem que ateus tornem-se crentes e vice-versa. Cada um na sua visão. Ou não defendemos a liberdade individual”.

Suponho que não se refira a mim. Nunca fiz proselitismo nem nunca pretendi convencer ninguém de nada. Ateu, jamais convidei um crente a tornar-se ateu. Como tampouco jamais pretendi dissuadir um marxista de ser marxista. Nem um fumante a deixar de fumar. Se por acaso conversar com um adolescente que fume, certamente farei um alerta. Mas jamais faria qualquer recomendação a um adulto fumante. É de supor-se que ele saiba o que faz.

Mas não renuncio ao direito à crítica. Critico religiões, ideologias, cristianismo, marxismo, tabagismo e outros ismos. Convivo com católicos, petistas, tabagistas e inclusive já convivi com comunistas. Estes hoje são mais raros, a raça parece estar em extinção. Mas tive entre eles bons amigos, ideologia a parte.

Assim sendo, quando critico religiões, não imagine ninguém que o estou convidando para ser ateu. Considero que para ser ateu se exige certa coragem e nem todos os homens são corajosos. Nós, ateus, enfrentamos o nada de peito aberto. Os crentes preferem a proteção de escudos. Sei que vou morrer e nada espero além da morte. Por todos os ângulos que se examine, tudo que porventura lá existisse não teria a alegria da vida.

Em As Sereias de Titã, Kurt Vonnegut encontra uma curiosa forma de vida nesta lua de Saturno. São formações estelares que vivem grudadas e imóveis nas paredes de cavernas. Têm uma única forma de comunicação. Uma diz:

- Estou aqui, estou aqui, estou aqui.

E a outra responde:

- Que bom para você, que bom para você, que bom para você.

Me parece ser uma boa filosofia de vida. Obviamente, estas formas estelares não tinham religião nem ideologia.