¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, agosto 11, 2011
 
DE COMO JONATHAN SWIFT
FOI PROCESSADO EM PERUÍBE



As Viagens de Gulliver, livro ao qual sempre volto, é certamente a mais virulenta denúncia do gênero humano jamais feita por um escritor. Sua atualidade é espantosa: em 1969, publiquei no Diário de Notícias, de Porto Alegre, uma sátira de Swift aos advogados, que encontramos na viagem ao País dos Houynhnhms. Minha crônica, na qual eu citava devidamente o autor, foi republicada sem minha permissão em um jornal de Peruíbe, São Paulo, em 1983.

Algum tempo depois, quando eu já lecionava em Florianópolis, os editores do jornal andaram à minha procura, me implorando que escrevesse uma carta ao juiz local, dizendo ser a crônica de minha autoria, sem nenhuma alusão a personagens vivos ou mortos da cidade. Ocorreu que três advogados de Peruíbe se sentiram difamados com o texto e julgaram que Janer Cristaldo fosse pseudônimo do editor da Tribuna de Peruíbe. Um juiz, demonstrando nada dever em matéria de cultura aos três advogados, aceitou a denúncia e processou o diretor do jornal. Que também jamais havia ouvido falar de Swift. Imagino que, naqueles dias, o deão deve ter dado boas gargalhadas em sua tumba na catedral de Saint Patrick.

Swift escreveu As Viagens em 1726. Dois séculos e meio mais tarde, foi processado por calúnia em Peruíbe. Entrincheirado em sua catedral, isolado do mundo e distante até mesmo de suas duas amadas, Stella e Vanessa, o deão passou seus dez últimos anos mergulhado na loucura. Certa vez, ao ver uma árvore cuja copa fenecia, disse: "morrerei como aquela árvore". Assim feneceu.

Faltou-me presença de espírito na ocasião. Deveria ter dito que o texto era meu e deixar que o processo continuasse. Seria divertido ver um jornalista de Peruíbe condenado por ter reproduzido um texto escrito 250 anos atrás. O editor pediu-me que enviasse o texto. Recusei-me. Que comprasse o livro. Teria a ocasião de, pelo menos uma vez na vida, manusear boa literatura.

Reproduzo abaixo um excerto do deão, é minha modesta homenagem ao dia de hoje. Nunca Swift nunca teve tanta razão: “Sabem apenas do seu mister e nada mais; são os maiores ignorantes do mundo sobre qualquer outra matéria; são inimigos da boa literatura, de todas as ciências, e, nas relações vulgares da vida, parecem estúpidos, mazombos, enfadonhos, malcriados”.

PS - As Viagens de Gulliver pode ser baixado de
http://www.ebooksbrasil.or​g/eLibris/gulliver.html#29