¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, setembro 12, 2011
 
42.785 ESTUPRADORES LIVRES?


Nos anos 90, um encanador de Minas Gerais, foi acusado pelo estupro de uma menina de doze anos. Segundo a legislação vigente, relações com menores de quatorze anos, mesmo consensuais, são consideradas estupros. A menina afirmou em depoimento ter consentido com a relação sexual. “Pintou vontade” — disse. Uma legislação vetusta, que considera estupro toda relação — consentida ou não — com menores de quatorze anos, havia encerrado no cárcere o infeliz que aceitou a oferta.

Coube ao ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), absolver, em 96, o encanador. Na ocasião, o ministro foi visto como um inimigo da família e da moralidade pátria. Nosso Código Penal é defasado — disse o ministro — e os adolescentes de hoje são diferentes. Sugeriu um limite de doze anos para a aplicação da sentença de violência presumida. "Quando esse limite caiu de dezesseis para quatorze, na década de 40, a sociedade também escandalizou-se", afirmou.

O direito é o cadinho histórico dos costumes. A fundição é lenta. Enquanto o legislador dormia, os tempos mudaram. A catolicíssima Espanha há muito se tornou realista: a partir dos doze anos, todo adolescente pode fazer qualquer opção sexual sem cometer crime. Serão os espanhóis todos pedófilos?

Parece que nem só eles. Segundo estudo feito há mais de década pelo ministério da Saúde, o ministro Marco Aurélio de Mello estava cheio de razão. Quase metade da população masculina brasileira está começando a vida sexual antes dos quinze. Segundo a pesquisa, 47% dos homens e 32% das mulheres disseram ter se iniciado sexualmente antes dessa idade. Ou as leis caducaram ante uma realidade nova ou constituímos uma nação de pedófilos.

Segundo estatísticas mais recentes, do mesmo ministério da Saúde, mais de meio milhão de adolescentes, entre 10 e dezenove anos, engravidam por ano no Brasil. E a Justiça vai atrás de um humilde encanador, que teve relações com uma menina de doze anos, porque, segundo ela, pintou vontade.

O Estado de São Paulo de ontem nos traz detalhamento por idade mais preciso. Segundo o Censo Demográfico de 2010, existem ao menos 42.785 crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos casados no Brasil. O número refere-se a uniões informais, já que os recenseadores não checam documentos.

A maior parte dos casamentos de crianças registrados no Censo são informais, já que o Código Civil autoriza uniões apenas entre maiores de 16 anos - abaixo dessa idade, só podem se casar com autorização judicial. O Código Penal, por outro lado, proíbe qualquer tipo de união com menores de 14 anos.

"Isso constitui um crime chamado ‘estupro de vulnerável’, previsto no Código Penal e sujeito a detenção de oito a 15 anos", diz Helen Sanches, presidente da Associação Brasileira de Magistrados, Promotores e Defensores Públicos da Infância e da Juventude (ABMP).

Segundo ela, o crime se refere diretamente às relações sexuais mantidas com crianças e adolescentes, algo implícito quando se fala em casamento. Helen conta que é cada vez mais comum encontrar famílias nos fóruns pedindo autorização para casar uma filha adolescente ou mesmo passar a guarda dela para o seu parceiro, sem saber da proibição legal. "Quando isso acontece e a menina tem menos de 14 anos, o promotor, além de não acatar o pedido, pode denunciar o rapaz por estupro de vulnerável, mesmo que a relação seja consentida ou que os pais concordem com ela", explica.

Ou seja, temos 42.785 estupros presumidos. A máquina judiciária pretenderá por acaso pôr atrás das grades os 42.785 estupradores? Claro que não! Que termine então essa hipocrisia de pretender punir quem tem relações consensuais com menores de 14 anos. O mundo mudou e a lei permaneceu fossilizada no tempo. Não vai nisto uma defesa de relações com criancinhas, como pretendem os degenerados liderados por Aiatolavo de Carvalho. Mas uma menina de 14 anos, no Brasil, arrisca ter largo currículo sexual.

Situação semelhante ocorre em relação ao aborto. Enquanto as autoridades discutem sua legalização, chega a um milhão o número de abortos por ano no país. Segundo a Veja, o cenário teria sido bem pior na década de 80, quando os abortos clandestinos podem ter chegado a quatro milhões por ano. A redução desse número se deveria ao aperfeiçoamento dos métodos anticoncepcionais e à disseminação no país de políticas de planejamento familiar, logo estas duas medidas às quais à Igreja se opõe ferozmente.

Aborto é crime? Ora, quando se cometem um milhão de crimes ao ano – ou quatro milhões – há muito o crime deixou de ser crime. Aborto entrou na categoria dos usos e costumes. Se aborto ainda é considerado crime pela legislação, é crime de condenação impossível. E sem sanção não há crime.

Diga-se o mesmo em relação a sexo com menores de 14 anos. Caso contrário, teremos de admitir que há 42.785 estupradores livres como passarinhos no país.