¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, setembro 10, 2011
 
COELHO GOELA ABAIXO


Que o ensino no Brasil vem se deteriorando de ano a ano, isto não é novidade para ninguém. Vem se deteriorando desde há muito, mas o ano de 2007 foi um marco, quando 14 histórias em quadrinhos entraram no currículo escolar, patrocinadas pelo Ministério da Educação (MEC). Em 2008 já eram 16 e, em 2009, a participação chegou a 4,2% dos 540 títulos distribuídos às escolas. Até o Machado de Assis entrou pelo ralo, teve O Alienista quadrinizado. Ao que tudo indica, os doutos pedagogos do MEC consideram que ler é muito difícil. Melhor mostrar figurinhas.

Quadrinhos para crianças e adolescentes, como lazer para horas vagas, entendo. Quadrinhos como adaptação de literatura para ensino fundamental ou médio, o Ministério da Educação que me desculpe. Isto não é alfabetização, mas analfabetização. Ler é interpretar sinais e palavras. Ver quadrinhos é ver desenhos. Há uma profunda distância intelectual entre ver quadrinhos e ler um livro. Ver qualquer um vê. Ler nem todos lêem.

Em meus dias de magistério, minhas aluninhas de Letras adoravam ler Graciliano Ramos e Clarice Lispector. Não que tivessem especial preferência por estes autores. O que neles gostavam era que seus livros eram fininhos. É óbvio que estas prefeririam ler versões em quadrinhos. Mais fácil de assimilar, para quem não adquiriu o gosto pela leitura. Ocorre que eu ensinava em um curso de Letras, não em um curso de Quadrinhos. E reprovei minhas pupilas em massa. Este terá sido um – entre outros motivos – para minha ejeção do Curso de Letras. Onde se viu um professor de Letras exigir leituras de estudantes de Letras?

Aqui em São Paulo, descobri certa vez uma ruela com um teatro que encenava ad aeternum romances adaptados de Machado. “Não é possível que aquele chato tenha público cativo nos dias de hoje”, pensei com meus botões. De fato, não era possível. As peças eram destinadas a essa massa informe de estudantes que se recusa a ler. Mas eram obrigados, pelos interesses da indústria editorial e das universidades, a ler o Machadinho. Assim, se tinham de prestar provas ou mesmo um vestibular, era só ir ao teatro. Em hora e pouco matavam a questão.

Quem assim resolve o problema da leitura, assistindo recitais de autores, está definitivamente perdido para a grande literatura. Jamais será capaz de enfrentar um Cervantes, um Eça de Queirós, um Platão ou um Swift, um Orwell ou Arthur Kloester, um Edgar Allan Poe ou um Fernando Pessoa. Fora da leitura não há salvação. Quem não lê – e não estou falando de literatura técnica – é pessoa desinteressante, que nada entende do mundo e que, a meu ver, sequer deveria abrir a boca.

Depois que a cartilha Por uma Vida Melhor, da professora Heloísa Ramos e mais dois outros educadores, foi distribuída pelo Ministério da Educação em uma tiragem de 485 mil exemplares, tudo era previsível. A autora defende a idéia de que erros gramaticais são aceitáveis na língua falada. Assim, frases como "os livro ilustrado mais interessante estão emprestado" não podem ser condenadas se forem expressas verbalmente.

Se tudo era previsível, eu não esperava tanto. Leio hoje na Folha de São Paulo, que a editora Saraiva vai lançar livro com as fábulas de Esopo e La Fontaine, destinados às escolas do país, com adaptações de Paulo Coelho. Além disso, o projeto de levar Coelho a crianças e jovens inclui a edição revisada de três títulos do autor - O Alquimista, Veronika Decide Morrer e O Demônio e a Srta. Prym - com "guias didáticos de leitura", para serem usados em salas de aula.

E eu me queixava de que a escola empurrava o Machadinho, goela abaixo, aos alunos. Felizes tempos aqueles. Agora os alunos terão de engolir um medíocre atroz como Paulo Coelho. Que ele venda seus livros no mercado, nada contra, há gosto para tudo neste mundo. Daí a vendê-lo nos currículos escolares, vai uma longa distância. É deseducar a juventude.

Ainda há pouco eu evocava os dias em que líamos De Bello Gallico, no original, no ginásio. Uma boa amiga lembrou-me ainda das Catilinárias e da Eneida. De Júlio César, Cícero e Virgílio a Paulo Coelho! A que ponto chegamos.

Por que não Harry Potter nos currículos? E se a preferência for por autor nacional, ainda temos Gabriel Chalita e o padre Marcelo Rossi. Existirá algum professor, sem suficiente vergonha na cara, que adote Paulo Coelho como autor em suas aulas? Existirão pais que aceitem que seus filhos estudem a obra de Paulo Coelho?

Ah, certamente existirão. Provavelmente, são leitores de Paulo Coelho. E depois ainda há quem se surpreenda quando o país elege um analfabeto para presidente da República.