¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, setembro 05, 2011
 
GENERALITAT QUER
BANIR ESPANHOL DO
ENSINO NA ESPANHA



En el hondo de un barranco,
gritaba un negro con afán:
Diós mio, por que no me hiciste blanco,
aunque fuera catalán.

Esta quadrinha me foi recitada pelo poeta Chano Sosa, amigo que fiz em uma travessia do Atlântico e acabei por reencontrar na universidade tinerfeña de La Laguna. Quando comecei a navegar na Internet, nos antigos tempos da Usenet, joguei-a em grupos da Espanha, Catalunha, Cuba e Venezuela.

Nossa! A quadrinha gerou um debate intenso, que reuniu desde curiosos a historiadores. Recebi críticas acerbas, como se fosse o autor do verso. Acabei descobrindo que a coisa surgira em Cuba, onde os negros só eram mais mal vistos que os catalães que para lá haviam emigrado. Eu, vibrando. Era minha primeira postagem na rede e havia provocado aquele escarcéu em quatro países.

Nada contra os catalães. Barcelona foi a primeira cidade em que aportei na Europa e continua sendo uma das que mais fascinam na Espanha. Um dia fiz um propósito em minha vida: quero morar em Estocolmo, Paris e Barcelona. O bom deus dos ateus, pelo jeito, não ouviu bem. Deu-me Estocolmo, Paris e Madri. Não me queixo. Madri é hoje a cidade que mais adoro na Europa. Nem por isso deixo de gostar da antiga amada, Barcelona.

Mas os catalães, tenho de admitir, estão exagerando em seu nacionalismo tacanho. Em abril do ano passado, eu manifestava meu pasmo ante a decisão do Senado espanhol, que autorizou debates nas cinco línguas distintas do país, com intérpretes convertendo suas palavras em um idioma que todos falam perfeitamente: o espanhol castelhano. A iniciativa de permitir que os senadores falem em catalão, galego, valenciano e basco converteu a Casa em uma torre de Babel. De acordo com a mídia espanhola, os 25 intérpretes necessários para converter as diferentes línguas em castelhano custam ao Senado € 12 mil por dia (R$ 27 mil), ou € 350 mil por ano (R$ 795 mil).

Se o basco sempre foi a língua corrente nas vascongadas, o catalão era apenas uma língua a mais na Catalunha. Todo catalão falava espanhol. Com a morte de Franco, ocorreu na região um surto de afonsocelsismo – fenômeno que não é só brasileiro, mas universal – e a Generalitat decidiu que o catalão passava a ser a língua oficial da comunidade. Se entre espanhol e basco há uma distância intransponível, entre espanhol e catalão a distância é mais curta, mas mesmo assim difícil de ser transporta. Pessoalmente, se leio catalão, consigo entender. Quando eles falam, já não entendo mais nada.

A oficialização do catalão é uma exigência mais ou menos ditatorial da Generalitat, o sistema institucional em que se organiza politicamente o autogoverno da Catalunha. Se você for a Barcelona, verá que todo mundo fala espanhol. Já o catalão, é imposto no ensino e nas comunicações oficiais com o Estado. O que faz a fortuna dos tradutores. Um documento da Generalitat enviado a Madri tem de ser traduzido ao espanhol. Quando Madri responde, nova tradução ao catalão. No ensino, o espanhol tem as mesmas horas consagradas ao inglês. A escola está formando, na marra, novas gerações que já não conseguem falar com seus pais.

Coisa do Partido Socialista no poder, que votou com os nacionalistas das comunidades autônomas para que todas as línguas oficiais – o castelhano, o catalão, o basco, o galego e o valenciano – fossem faladas na segunda câmara do Parlamento. O serviço de interpretação simultânea a ser posto em prática seria semelhante àquele das Nações Unidas ou do Parlamento europeu.

Se a situação era absurda – todo mundo falando uma mesma língua e precisando de intérpretes para se entender – agora agravou-se. Escolas da Catalunha adotaram exclusivamente o catalão, deixando de lado o espanhol. O Tribunal Superior de Justiça ordenou ao governo catalão que inclua o castelhano como língua oficial nas escolas. A Generalitat vai recorrer contra a decisão.

Irene Rigau, conselheira da Educação, considera que a resolução judicial é “uma agressão do Estado contra uma língua”. Ora, a língua do Estado espanhol é o espanhol. A Catalunha ainda não é um Estado independente. Rigau se mostrou disposta a atender casos concretos das famílias que tenham pedido o ensino em espanhol, mas “não pretende mudar todo o sistema”.

Essa agora! Famílias espanholas, na Espanha, precisam pedir para que o ensino de seus filhos seja ministrado em espanhol. Um nacionalismo tacanho quer separar lingüisticamente o país. A Generalitat faz opção por uma língua falada por uma minoria, em detrimento de uma língua universal – e detentora de toda uma literatura – como o espanhol. Troca-se a língua do Quijote pela de Tirant lo Blanc. É algo tão estúpido como se no Brasil se ensinasse em nhengatu, em detrimento do português. O que, aliás, deve ser sonho de muito antropólogo.

Nós somos diferentes, somos catalães, e não espanhóis – pretendem os nacionalistas tacanhos. Ora, a Catalunha vem falando espanhol desde séculos. Se querem falar catalão, estejam a gosto. Daí a banir o espanhol é isolar-se linguisticamente, quando poderiam falar uma língua de amplo tráfego no mundo contemporâneo.

Os socialistas foram derrotados na Catalunha. Mas o velho método socialista persiste: para que facilitar quando se pode complicar?