¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, outubro 04, 2011
 
A COERÊNCIA DE SHAPIRA


Leio no Estadão de hoje que uma mesquita freqüentada por árabes-israelenses foi incendiada e invadida na madrugada de ontem no vilarejo de Tuba-Zangariya, na Galileia, norte de Israel. A polícia acusou extremistas judaicos pelo ataque. A ação, terceira do tipo em um mês, provocou protesto de moradores locais, que entraram em confronto com forças de segurança.

O fogo consumiu a biblioteca e o carpete da mesquita. Cópias do Alcorão, o livro sagrado do Islã, foram destruídas. As paredes do templo foram pichadas com palavras de ordem e o sobrenome de uma família morta em Hebron na semana passada, em um acidente de carro provocado por um palestino que atirou pedras contra o veículo. As autoridades de Israel condenaram o ataque à mesquita.

Segundo o El País, o Shin Bet, o serviço de segurança interna de Israel, quer pôr fim aos subsídios estatais de cerca de US$ 500 mil por ano que o rabino radical Yithzak Shapira recebe do governo. Dono de uma escola religiosa e de uma editora no assentamento de Yitzhar, na Cisjordânia, Shapira é conhecido por suas posições extremistas sobre o conflito envolvendo os israelenses.

No final de 2009, ele publicou com o rabino Yosef Elitzur o livro A Torá do Rei: leis de vida e morte entre Israel e as nações. Nele, o religioso afirma que o mandamento "Não matarás" só é válido entre os judeus. Segundo ele, quem não é judeu sofre, por natureza, da falta de compaixão e pode ser atacado para "eliminar suas inclinações malignas". Shapira também defende a morte de crianças palestinas "porque com certeza elas cresceram para prejudicar Israel".

O jornal espanhol parece espantar-se com as declarações de Shapira e define o rabino como extremista. Pelo jeito, o redator jamais leu a Bíblia. O que não é de espantar. É muito difícil encontrar hoje um jornalista que a tenha lido. Para início de conversa, o deus dos judeus não é o deus do monoteísmo, o único deus que possa existir. E sim o deus nacional dos descendentes de Jacó, um deus entre outros, chamado Jeová.

Quem faz esta observação é Jean Soler, no excelente La Loi de Moïse – Aux origines du dieu unique, segundo tomo de uma trilogia que disseca o judaísmo. Diz o autor:

- Se reunimos os elementos examinados até aqui sobre o tema do assassinato no pensamento judaico, que significa o preceito do Decálogo “não matarás”? Mais ou menos isto: tu não matarás por tua própria iniciativa, fora dos casos em que eu te permiti ou ordenei matar. Pois assim tomarias o lugar do Senhor da vida e da morte, o único a ter um poder absoluto de morte sobre todos os viventes, e ele te punirá por este ato te fazendo morrer antes da hora.

Prossegue Soler:

- Não há na Bíblia nenhum princípio geral do gênero: “a vida é sagrada”, nenhum imperativo moral abstrato a partir do qual se poderia deduzir casos particulares nos quais é proibido, permitido ou prescrito matar, com as modalidades e limites relativos a cada caso. Forçoso é de se referir aos diversos mandamentos que Moisés ensinou da parte de Jeová. As leis bíblicas relevam o que nós chamamos de direito positivo, isto é, o direito efetivamente em vigor em uma determinada sociedade, por oposição a um direito que repousaria sobre as normas aplicáveis a todos os homens. É preciso reafirmar aqui que a lei de Moisés não se preocupa com a finalidade do homem no mundo: ela só se preocupa com os hebreus. Não é à humanidade que se dirige o deus que proclama os dez mandamentos, mas aos israelitas.

Que mais não seja: Moisés, o guia e libertador dos judeus, mandou degolar três mil dos seus. Autoridade alguma de Israel jamais condenou este gesto de Moisés. Aliás, foi este mesmo santo líder que matou todos os reis de Madián - Evi, Requem, Sur, Jur e Rebá - mais Balaam, filho de Beor e todos os varões madianitas.

O levita de Efraim partiu uma concubina em doze pedaços e os enviou a doze tribos. O santo rei Davi mandou matar um de seus generais, Urias, para ficar com Betsabá, sua mulher. Isso sem falar que entregou a vida de setenta mil homens a Jeová, como castigo por ter organizado um censo não aprovado por Jeová. O rei Asa, de Judá, massacrou um milhão de etíopes com o apoio de Jeová. Israel entrou na cidade de Jericó, matando homens e mulheres, crianças e velhos, bois, cordeiros e burros, sob as ordens de Jeová. Foi o mesmo Israel que assassinou todo o povo amalecita, por ordem de Jeová.

Foi este mesmo Jeová que mandou separar 32 mil virgens madianitas feitas prisioneiras - para uso dos israelitas, é claro - após ter assassinado todas as que não eram virgens. Absalão, filho do santo rei Davi, violentou dez mulheres em praça pública, como sinal de enfrentamento com seu pai. Amnon, outro filho de Davi, estuprou Tamar, sua irmã.

O sábio rei Salomão forçou à escravidão todos os que não eram israelitas para construir o famoso templo de Jerusalém. O Altíssimo permitiu que Josué matasse três mil hebreus, só porque um deles ficou com parte do botim saqueado por Josué e sua horda de assassinos. Jehú mandou degolar 42 homens na cisterna de Bet-Equed. Moab Ehud mandou matar dez mil homens na montanha de Efraim. O santo profeta Elias mandou degolar 450 sacerdotes de Baal. Foi ainda Jeová quem ordenou a matança de 24 mil israelitas, só porque estes coabitavam com as mulheres de Moab.

Jamais li texto de rabino ou autor judeu condenando os massacres de Moisés, Davi ou Josué, todos executados por ordem – ou com a complacência – de Jeová. Pelo contrário, os veneram como santos patriarcas. Já o rabino Shapira foi detido duas vezes: em 2006, por defender num sermão a expulsão ou a morte de todos os palestinos maiores de 13 anos da Cisjordânia, e em janeiro do ano passado, por suspeita de envolvimento no incêndio de uma mesquita no povoado palestino de Yasuf. No fim de 2010, propôs que o Exército de Israel usasse palestinos como escudos humanos porque o fato de um soldado arriscar a vida "contraria valores judaicos autênticos".

Grande novidade! Leio em minha Torá, em Deuteronômio 7:1-5: "Quando te levar o Eterno, teu Deus, à terra à qual tu vais para herdá-la, e lançar fora muitas nações de diante de ti: o Hiteu, o Guirgasheu, o Emoreu, o Cananeu, o Periseu, o Hiveu e Jebuseu - sete nações numerosas e mais fortes do que tu -, e as dará o Eterno, teu Deus, diante de ti e tu as ferirás; tu as destruirás totalmente, não farás aliança alguma com elas e não lhes darás pousada na terra. (...) Mas assim fareis com elas: seus altares derrubareis, suas Matsevot quebrareis, suas árvores idolatradas cortareis e seus ídolos queimareis no fogo".

Ora, se o livro sagrado dos judeus ordena destruir as cidades dos heteus, dos gergeseus, dos amorreus, dos cananeus, dos ferezeus, dos heveus e dos jebuseus, se ordena derrubar seus altares, quebrar suas Matsevot, cortar suas árvores idolatradas e queimar seus ídolos, por que não pode um rabino defender a expulsão ou a morte de todos os palestinos da Cisjordânia?

Tanto Shapira como os judeus que incendiaram a mesquita de Tuba-Zangariya estão apenas seguindo ao pé da letra os mandamentos do bom Jeová.