¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, outubro 17, 2011
 
JOBS, CÂNCER E BUDISMO


Do André Catelli, recebo:

Caro Janer,

Li a reportagem na Veja sobre a morte de Jobs. O mundo hoje sente uma nítida inveja da era dos gênios que individualmente mudavam o mundo, ressente-se de não haver hoje um Arquimedes, um Galileu, e então qualquer um que morra é logo comparado àqueles gênios. Fred Mercury foi um Mozart, John Lennon um Beethoven, Stephen King morto será comparado a Shakespeare. Jobs foi um Edison ou um Da Vinci. Este, aliás, não revolucionou nada. Nem uma grande escola de pintura deixou. Após o helicóptero, o pára-quedas, o tanque de guerra existirem é que passamos a achar genial ele ter rabiscado coisas semelhantes há quase meio milênio. Mas eles não vieram de seus esboços.

Continuando, querem fazer crer que todos os computadores ainda seriam monstruosos, ouviríamos apenas CDs e leríamos apenas jornais se Jobs não tivesse existido. Já havia computadores pequenos vendidos desmontados antes da Apple e o caminho natural era os gigantes se tornarem portáteis, o mouse, como você escreveu, veio da Xerox, já havia Napster e tocadores de mp3 antes do Ipod, já havia smartphones com touchscreen antes do Iphone, já havia leitores e tablets antes do Ipad, que é um Iphone grande, já havia armazenamento de dados online antes do Icloud, já havia filmes inteiramente feitos em computação gráfica (Final Fantasy, por exemplo) antes de ele assumir a Pixar. Jobs foi importante? Sem dúvida! Genial? Possivelmente. Mas falam dele como se tivesse inventado a internet e o avião!

Leia o artigo abaixo, de Raul Pereira, um blogueiro português.

Jobs, o "gênio", deu uma de Mara Manzan e buscou formas "alternativas' de cura para seu câncer. Hoje essas alternativas estariam entre talvez viver e certamente morrer, se os doentes não fizessem como o Gianecchini, atirando para todos lados sem contudo abandonar a medicina convencional, para garantir. Quando há melhora, sentem-se mais especiais creditando a cura a um milagre, a uma imposição de mãos espírita, a uma erva intangível entregue por um guru indiano em sonho.

Abraços,

Catelli


Pois, Catelli, desconhecia esse lado místico do Jobs. Como também sua recusa inicial em tratar-se pela medicina convencional. Se procedem estas afirmações do cirurgião Ramzi Amri, morreu de besta. Sempre fiz uma distinção entre a inteligência inteligente e a inteligência burra. Inteligência burra é aquela de um engenheiro, por exemplo, que domina o cálculo infinitesimal mas não consegue gerir sua vida com sabedoria. Inteligência inteligente seria aquela de um homem que, sem ser engenheiro e nada entender de cálculo infinitesimal, consegue bem conduzir seus rumos. Costumo afirmar que se alguém sai da universidade acreditando em Deus, a universidade não cumpriu seu papel. (Conheço professores universitários que acreditam até em uma doutrina tosca como o espiritismo. Pode?) Da mesma forma, um engenheiro que adere ao budismo pouco ou nada pode entender de ciência. Isso não impede, é claro, que crie achados úteis à humanidade.

Leio que a revista Fortune, em março de 2008, publicou uma reportagem em que afirmava que Jobs teria mascarado sua doença por nove meses antes de contar publicamente. De acordo com o artigo, o executivo teria se recusado a fazer uma cirurgia para seguir os preceitos de sua religião, o budismo. Jobs nunca comentou as informações publicadas pela revista. Se assim foi, sua morte tem algo de suícidio.

Jobs pode ter seu valor como empresário, mas a meu ver nada tem da genialidade que a imprensa tem lhe atribuido. Seus achados foram fruto de trabalho de equipe. Naquele discurso na universidade, ele profere uma grossa bobagem. Que foi graças a seu curso de caligrafia que a Apple produziu tão belos tipos. Ora, quem lida com texto lida com tipos, desde Gutenberg a Aldus Manutius. Criado um processador de texto, a diversidade de tipos se impõe.

Sim, cá e lá tenho visto Fred Mercury comparado a Mozart, John Lennon a Beethoven, ou coisas do gênero. Como dizia Nietzsche, jornalismo é a morte da cultura. Jornalistas incultos, querendo valorizar seu culto a mediocridades, as comparam a gênios do passado. Isto explica a generosidade da mídia com Jobs. Não que o homem fosse medíocre. Mas de gênio nada tinha.

Gênio é quem cria. Executivo não cria nada.