¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, dezembro 15, 2011
 
MENSAGEM DO PAULO


Caro Janer,

concordo que alguns ateus estão querendo aproveitar esses novos tempos para encaixar um certo vitimismo e assim autodenominar-se minoria perseguida. Quem sabe em breve não haja reinvindicações de cotas para os não-crentes. Enfim, chororô.

De minha parte, saí da religião depois dos vinte e poucos, depois da faculdade. Uma desilusão - ou mesmo uma ilusão - levou-me a refletir e questionar as religiões e seus dogmas, analisando à distância e sem paixões ou desejos (porque acredito que a crença em justiça divina e vida após da morte advém muito mais do desejo humano que propriamente de uma fé espontânea ou de alguma conclusão racional). Mas, confesso, saí da religião e suas crenças, mas elas não saíram de mim. Creio que há algo darwinista nas crenças e fé; se não houvessem vingado e se expandido as religiões abraâmicas de um deus uno, outras estariam suplantando-as. Vejo a história e evolução delas assim como a das línguas (mutações, empréstimos de outras religiões, correntes divergentes na mesma doutrina, dissidências, expansionismo, aculturação, sincretismo, etc).

Minha família jamais questionou a fé ou as religiões, embora o ambiente em casa nunca tenha sido castrador ou carola demais. Com exceção dos anos de catecismo e mais umas poucas ocasiões, nunca fui obrigado a frequentar a igreja. No entanto, por anos a fio conservei o hábito de rezar e orar (como gostam de distinguir os evangélicos) antes de dormir. Não nego que os anos de catecismo não foram ruins, e muitas vezes as preces foram um alívio e fonte de bem-estar, embora hoje eu deva reconhecer nossas reações psicológicas ao efeito placebo.

No entanto, assim como obtive conforto, também tive dissabores e autopenitências que hoje considero perda de tempo e um grande atraso de vida. Não é necessária a religião para aprendermos a comportar-nos bem e agir com ética e lealdade. Por outro lado, a ideia de uma punição a posteriori me castrou em muitos aspectos e atitudes da minha vida, por considerá-los incompatíveis ou contrários à fé cristã que carreguei. Eu era o mais carola dentro de casa, talvez também fruto de minhas inseguranças.

Por ser tão "caxias", na adolescência deixei de entrar em brigas quando eram necessárias para demarcar território e impor respeito diante de brutos que só entendiam a lei do braço, deixei de aproveitar oportunidades com mulheres, embrenhar-me em aventuras mais picarescas; enfim, gosto de ser uma pessoa correta, mas sinto que deixei de viver momentos que hoje não os interpreto como coisas imorais ou pecaminosas. E isso, repito, que não fui criado numa família carola, patrulheira, excessivamente moralista nem fundamentalista (até mesmo em relação ao sexo, assunto em que não se falava mas tampouco se reprimia).

Outra coisa de que não gosto nas religiões messiânicas é que adoram usar de uma arma muito eficaz em sua pregação proselitista e autoritária: o medo. Se não crês, não rezas, não guardas o dia de repouso, não segues todos os mandamentos, não trabalhas pela tua igreja (com suor e com o dízimo), fornicas, danças profanamente, te deleitas com futilidades, enfim, tudo é motivo de castigo e ameaça de ser uma eterna alma penada. E não basta seguir as regras, tens que as impor aos outros. Essa soberba de achar-se superior e rebaixar a crença diferente ou a ausência dela nos demais.

Quando tinha uns 4 ou 5 anos, encontrei uma bíblia ilustrada para crianças em minha casa. Soube mais tarde que fora minha mãe quem comprara, no intuito de iniciar a prole na religião (embora algumas orações ao anjo da guarda e ao menino Jesus já nos terem sido inculcadas). Muito mais que esperança e sabedoria, aqueles desenhos representando passagens dos livros me atemorizaram de maneira marcante que até hoje não me esqueço. O Antigo Testamento é pródigo em castigos, pestes, desgraças (por sorte, o sentimento de culpa pelo pecado original não me foi adquirido); e o que falar do Novo, a crucificação, o martírio, e a Batalha e o Julgamento finais. Um horror. Criança alguma, ainda sem entendimento do mundo, deveria na primeira infância ter contato com isso. Se hoje pedagogos recriminam pais que cantam sobre a Cuca, o Boi-da-Cara-Preta ou a Mula-Sem-Cabeça a seus filhotes na hora de dormir, ou que dizem que se não comerem todo o prato o homem velho vai vir buscar, o que dizer sobre essas passagens bíblicas?

Deveríamos sim estudar, numa idade mais avançada, a história das religiões, com espaço aberto ao debate, livre da doutrinação e explicando que cada um pode encontrar suas verdades muito além de dois ou três livros tidos como sagrados. No entanto, mesmo involuntariamente, a doutrinação começa na família logo na tenra idade, na época em que nossas mentes não estão preparadas para contra-argumentar, analisar por uma ótica mais crítica e racional, enfim. É o exemplo da crença do Papai Noel. Esperá-lo no Natal era algo mágico. Daí começamos a ouvir de alguns garotos mais velhos que ele não existe, um ou dois anos depois indagamos nossos pais e eles abrem o jogo. Fim da crença. O mesmo não ocorre com a religião (e até mesmo outras coisas, como horóscopo, clarividência, paranormalidade, extraterrestre, etc).

Quanto à postura dos ateus ou agnósticos, penso que ela não deve seguir padrões que condenamos, como os dos evangélicos. Hoje eu vejo com igual desdém o ateísmo militante de pessoas que não satisfeitas em declarar sua descrença, ainda ficam questionando em público a crença alheia. Isso além de gerar antipatia, pode causar o efeito contrário, ou seja, a outra pessoa se apegar mais a sua fé, por diversos motivos. Na fase que me "desconverti", que vi que a fé no sobrenatural era algo que não mais cabia em mim, não perdia a oportunidade de questionar ou mesmo entrar no jogo dos crentes. Percebi que além de ser um embate inútil, pois a religião sempre existiu e existirá, estava tornando-me mais chato do que já sou por natureza.

Hoje não perco meu tempo. Se me perguntam qual a minha religião, digo que não tenho. Se a pessoa vem querer fazer pregação, não dou linha para conversa. Com pessoas idosas ou de condição mais humilde, ou menos instruída, ou piamente crentes, não tenho problema nenhum. Se ela me diz ao se despedir o famoso "vá com Deus", eu digo amém. Se ela disser tchau, eu digo tchau. Sem celeuma.

Quanto à pesquisa que trata da desconfiança dos canadenses em relação aos ateus, lembro-me de quando conheci esse termo, lá pelos 10 anos, logo o associei a uma pessoa má. Felizmente não conhecia nenhuma abertamente nessa condição. Aos 15, tive um amigo mais velho que se declarava ateu. Vi que ele não era mau, muito pelo contrário. Apenas não concebia que uma pessoa não acreditasse que para todo esse nosso universo não houvesse um criador, com uma inteligência e intenção semelhantes à humana (num nível superior e perfeito, óbvio). E assim foi até os 20, quando comecei a questionar; na verdade, mais os dogmas religiosos que propriamente a existência de uma entidade sobrenatural oniciente e onipotente. No entanto, em momentos adversos, não tardava em acorrer a preces, orações e até mesmo a promessas.

Com o tempo e com o acúmulo de adversidades, comecei a ter minhas desconfianças racionais, passei a estudar a história das religiões mais a fundo e a seguir leituras mais céticas que desmascaravam não só crenças, como superstições que carregamos pela vida. Cheguei a minha conclusão. Infelizmente, senti menos libertação que frustração. Como se houvesse obtido uma resposta depois das "provas de fé"; como se tivesse chegado à estação depois que o trem partira. Sempre fui um rapaz meio tardio, quisera eu ter chegado a essas conclusões na mesma idade em que chegaste às tuas. Teria aproveitado muito mais a festa da adolescência e da juventude. Teria perdido menos tempo com coisas vãs. Minha mente não estaria tão poluída e enrolada como está. Enfim.....

Quanto a essas frases fora de contexto, uma célebre é a do Einstein: Deus não joga dados. Na verdade, ele se referia aos movimentos aleatórios de partículas sub-atômicas em volta do núcleo do átomo. O que ele queria dizer era que na natureza sempre havia alguma razão para algum fenômeno, ou seja, se o movimento é aleatório é porque desempenha alguma função que ainda não fora descoberta. Logo depois, a partir da constatação de outros cientistas, ele reconheceu que tais movimentos eram aleatórios sem nenhum motivo aparente (isso eu falo como um leigo total no que tange a assuntos científicos). Os crentes não quiseram saber do contexto da afirmação, nem da metáfora que Einstein usava quando citava Deus. Se Einstein disse isso, logo o físico mais célebre da História acreditava em Deus; errados estão os ateus pseudocientíficos.

O povo crente com um pouco mais de erudição também gosta de citar uma frase de Chesterton: quem não acredita em Deus acredita em qualquer coisa. Claro, que se olharmos mais a fundo esse nosso país crente, sincrético e supersticioso, podemos dizer que quem acredita em Deus também acredita em muitas outras coisas (horóscopo, psicografia, dar três pulinhos, vestir branco no reveillon e por aí vai).

Saudações

Paulo