¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, dezembro 01, 2011
 
PAPÉIS PINTADOS COM TINTA


Se considerar os dias em que editava um jornal estudantil, sou jornalista desde os 15anos. Mas vamos deixar esse tempo de lado. Comecei jornalismo mesmo em 1968, quando editava uma página literária no Diário de Notícias, de Porto Alegre. No ano seguinte, trabalhei como redator e colunista de jornal. Sou portanto jornalista desde os 21 anos.

Exerci com competência, ao longo de minha vida, a profissão. Durante cinco anos fiz crônica diária na Folha da Manhã, de Porto Alegre. Após um interregno como professor universitário, fui redator de Política Internacional na Folha de São Paulo e no Estado de São Paulo. Hoje, continuo exercendo o jornalismo, com a vantagem de não ter editor que me paute ou censure. Se pude exercer até hoje a profissão, é porque um decreto da época determinou que podia registrar-se como jornalista no ministério do Trabalho todo profissional que até 1969 – se não me falha a memória – tivesse um ano de exercício na profissão.

Nunca fiz curso de jornalismo. Fiz, isto sim, Direito e Filosofia. Na época, era jornalista quem sabia escrever. Desconheço qualquer outro país – se não o Brasil - em que seja exigido o diploma para o exercício da profissão. Até 1969, era jornalista quem trabalhava em jornal e ponto. Foi a famigerada junta dos Três Patetas, como ficaram conhecido os militares que assumiram o poder naquele ano, que tornou o diploma obrigatório. À primeira vista, é paradoxal ver sindicatos de esquerda manifestarem apoio irrestrito a um decreto emanado por uma junta da ditadura militar. Mas só à primeira vista. As viúvas do Kremlin adoram medidas ditatoriais, desde que sejam elas a tomá-las. Que mais não seja, a obrigatoriedade do papelucho cria um vasto mercado de trabalho, no qual professores que nunca pisaram numa redação de jornal ganham mais que jornalistas.

Em junho de 2009, o STF (Supremo Tribunal Federal) derrubou a necessidade do diploma para os jornalistas. Na ocasião, a Corte julgou, por 8 votos a 1, que a exigência é incompatível com a Constituição por desrespeitar o princípio de liberdade de expressão.

Gilmar Mendes, o presidente do STF, afirmou na ocasião que "um excelente chefe de cozinha poderá ser formado numa faculdade de culinária, o que não legitima estarmos a exigir que toda e qualquer refeição seja feita por profissional registrado mediante diploma de curso superior nessa área. O Poder Público não pode restringir, dessa forma, a liberdade profissional no âmbito da culinária. Disso ninguém tem dúvida, o que não afasta a possibilidade do exercício abusivo e antiético dessa profissão, com riscos eventualmente até à saúde e à vida dos consumidores".

Para o ministro Cezar Peluso, experiências de outros países demonstram que o jornalismo sempre pôde ser bem exercido sem qualquer exigência de formação universitária. "Não existe no exercício do jornalismo nenhum risco que decorra do desconhecimento de alguma verdade científica". Na França, por exemplo, a lei é singela. É jornalista quem tira a maior parte de seus proventos do jornalismo.

O que faltou Peluso perguntar aos defensores do diploma, talvez por falta de informação, é em que países se exige diploma de jornalismo para exercer a profissão. No Ocidente, não conheço nenhum. Exceto o Brasil, é claro. Nada contra o diploma nem contra as faculdades. Quem quiser cursar uma que curse. O que não se admite é que se exija diploma para um ofício para o qual um diploma de pouco ou nada serve. Um jornalista quer especializar-se em economia. Ou medicina. O diploma de nada lhe servirá, já que os cursos de jornalismo não oferecem – nem podem oferecer – especialização em tais áreas. Mais sensato chamar um economista ou um médico que saiba escrever.

Mendes, o ministro relator, lembrou ainda que o decreto-lei 972/69, que regulamenta a profissão, foi instituído no regime militar e tinha clara finalidade de afastar do jornalismo intelectuais contrários ao regime. Ora, intelectuais contrários ao regime é a última coisa que querem os marxistas em seus regimes. A lei dos milicos caiu como uma luva às viúvas do Kremlin. Os sindicatos e associações de jornalistas, todos tomados pelos velhos comunas, sempre defenderam histericamente o privilégio da guilda.

Ou seja: após toda uma categoria profissional ter sido submetida por quatro décadas a uma lei estúpida, o Supremo Tribunal Federal finalmente descobriu que a dita lei era inconstitucional.

Apesar da declaração da inconstitucionalidade da exigência de diploma pela Suprema Corte do país, o Senado decidiu ontem em primeiro turno, por 65 votos a favor e 7 contrários, aprovar uma proposta de emenda constitucional que torna obrigatório o diploma de nível superior para o exercício da profissão.

Em que país estamos? O STF declara inconstitucional a exigência e o Senado, ignorando solenemente a Corte encarregada de decidir o que é ou não constitucional, a aprova. Está na hora de fechar uma dessas casas. O que não se concebe, em país civilizado, é um Legislativo desrespeitando uma decisão do Judiciário. Aliás, este conflito há muito vem se manifestando. Quando o Judiciário aprovou a tal de união homoafetiva, além de invadir terreno do Legislativo, também feriu a Constituição, que só reconhece a união entre homem e mulher.

Como diria Pessoa, constituições são papéis pintados com tinta.