¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, dezembro 11, 2011
 
UMA PEQUENA GRAVIDEZ


Postei ontem artigo de Adriana Setti, publicado em Época, em outubro do ano passado. Os pais da jornalista fizeram uma constatação que beirava o inacreditável: estavam gastando muito menos mensalmente para viver em Barcelona do que gastavam no Brasil. Só não constata isto quem viaja em excursões e não toma contato com o dia-a-dia do país por onde passa.

Enviei há pouco, para uma lista da qual participo, um link que remete a vários outros sites, que oferecem livros, filmes, música, vinhos. Do Canadá, recebi este comentário: “Fui lá e cliquei no link dos "10 bons vinhos que custam até 90 reais" e me assustei com os preços. Como é que um vinho no Brasil (como o espanhol Hécula, que tomo aqui) é duas vezes e meia mais caro no Brasil do que no Canadá, país notório pelos altos impostos sobre o álcool?”

Nada de espantar. Há dois anos, uma notícia causou pasmo entre os brasileiros. Fora lançado no México o novo City, produzido na fábrica da Honda localizada em Sumaré, São Paulo. Preço no México: 197 mil pesos mexicanos, o que equivalia então a cerca de 25.800 reais. No Brasil, o City tinha preço sugerido de R$ 56.210. Ou seja: um carro produzido em São Paulo e exportado ao México custa no México menos que a metade de seu preço no Brasil.

Perguntinha que se fizeram então os jornalistas, para a qual até hoje não há resposta: mesmo lembrando que Brasil e México possuem um acordo comercial que isenta a cobrança de impostos de importação, fica a pergunta: como é possível um carro fabricado no Brasil ser vendido, com lucro, por menos da metade do preço em outro país? Ora, direis, é a tributação excessiva do Brasil. Pode ser. Mas não se justifica.

Outro amigo, dos Estados Unidos, aventa uma explicação: “O Brasil está caríssimo porque o dinheiro brasileiro está supervalorizado, devido a várias peculiaridades da crise internacional atual. Eu não me importo, melhor para a minha família e amigos. O chato é que, quando eu visito o Brasil, o que posso comprar e os restaurantes que posso freqüentar ficam limitados”.

De minha parte, diria que só a supervalorização do real não explica o fenômeno. Há anos venho afirmando que a Europa está mais barata que o Brasil e, na época, o real não estava tão alto. Contei que, tanto em Paris como em Madri, centenas de restaurantes ofereciam menus executivos – entrada, prato principal e sobremesa – por dez euros. Isto é, 24 reais, na cotação de hoje. Por esse preço, mal como um sanduíche e um café com leite aqui no Brasil. Voltei mês passado de Paris. Estes menus aumentaram terrivelmente de preço. Estão custando de 12 a 13 euros. Isto é, 29 a 31 reais. Ontem ainda, tarde da noite, passei em um Fran’s aqui ao lado de casa. Pedi um café com leite, um toast e um docinho para minha faxineira. 41 reais. Não é exatamente o real que está supervalorizado. O Brasil está absurdamente caro.

Conclui a articulista: “o nababesco padrão de vida almejado por parte da classe média alta brasileira (que um europeu relutaria em adotar até por uma questão de princípios) acaba gerando stress, amarras e muita complicação como efeitos colaterais”. Sem dúvida nenhuma. Conheço não poucas gentes aqui em São Paulo que vão à falência por ostentar um alto padrão de vida.

Um de meus vizinhos, que vivia já além de seus limites no bairro, resolveu um dia mudar-se para Alphaville, condomínio de alto luxo a 26 quilômetros da cidade. Comprou casa suntuosa com pátio e piscina, onde dava festas para 30 ou 40 pessoas. Faliu, como era de esperar-se. Certo dia, me telefonou, pedindo alguma grana. Em memória de seus jantares, pensei em contribuir – a fundo perdido – com cinco mil reais. Quando me dirigia ao banco, pensei: péra aí, eu não tenho casa com pátio e piscina em condomínio de luxo. Minha generosidade diminuiu para mil reais. Ao chegar ao banco, cortei minha generosidade pela metade.

Soube que ele queixou-se a seu círculo, que quando estava na pior seus amigos se afastaram. Como não afastar-se? Como contribuir para que alguém viva em condomínio de luxo quando se vive em apartamento de classe média? Só o que faltava eu financiar casa e piscina em nome de uma hipotética amizade, que aliás nem amizade era.

No botequinho modesto que freqüento aos fins de semana, a mesa da diretoria, como se diz, está mermando. Nos últimos quinze anos, mais da metade da mesa morreu. Ano passado, um dos sobreviventes veio falar-me, assustado: estou ficando sozinho. Acontece, respondi, e qualquer hora chega o nosso dia. Dessa mesa, participavam dois paulistanos já falecidos. Ambos moravam a 200, 300 metros do bar. E só chegavam lá de carro. Um deles, diabético – e que tinha necessidade de caminhar – era conduzido por seu chofer.

O outro, de origem portuguesa, dispensava chofer. Tinha um carro solene. Não me perguntem que carro era, isto é erudição que me falta. Só lembro que tinha um painel que parecia o de um Boeing. Para estacionar, muitas vezes tinha de fazer um percurso mais longo que o de seu apartamento ao bar. Certo dia, o convenci a ir a Paris. Já no aeroporto, sentiu-se humilhado. O taxista tinha um carro igual ao dele.

Em meus anos de São Paulo, conheci gente rica de posses. E pobres de espírito. Conheci pessoas que viajaram o mundo todo e do mundo nada aprenderam. No início deste ano, comentei reportagem de dois jornalistas da Superinteressante, que afirmavam:

“Mas sozinho o imposto não explica tudo. Outra razão importante para a disparidade de preços é a busca por status. Mercado de luxo existe desde o Egito antigo. Mas no nosso caso virou aberração. Tênis e roupas de marcas populares lá fora são artigos finos nos shoppings daqui, já que a mesma calça que custa R$ 150 lá fora sai por R$ 600 no Brasil. O Smart é um carrinho de molecada na Europa, um popular. Aqui virou um Rolex motorizado - um jeito de mostrar que você tem R$ 60 mil sobrando. O irônico é que o preço alto vira uma razão para consumir a coisa. Às vezes, a única razão. Como realmente estamos ficando mais ricos (a renda per capita cresceu 20% acima da inflação nos últimos 10 anos), a demanda por produtos de preços irreais continua forte. Os lucros que o comércio tem com eles também. E as compras lá fora idem”.

São Paulo está cheia de restaurantes caríssimos, onde você não come a dois por menos de 500, 600 ou mais reais. Em Paris ou Madri, você come muito bem em restaurantes centenários, com bom vinho, por cerca de duzentos reais. A mania de status encarece o Brasil.

Há também um outro probleminha, cujo nome a imprensa não ousa – ou não quer – pronunciar: a inflação. Talvez seja deferência ao governo de Dona Dilma. O fato é que a inflação vem aumentando a olhos vistos. E, como dizia Roberto Campos, uma pequena inflação é como uma pequena gravidez.

Last but not least, um leitor me escreve: “O que vale na vida não é pra onde você vai. Não importa se você está em Paris, Londres, Belém, Gravatá, Tupinambá, etc. O que importa é que você se acha feliz em qualquer lugar. Qual a diferença?”

Até pode ser. Há alguns anos, numa noite fria de inverno, encontrei um mendigo bêbado sentado na calçada. Ele ria sozinho e repetia: como eu sou feliz. Não duvido que fosse. Felicidade é algo subjetivo. De qualquer forma, por mais subjetiva que seja, não se pode comparar Paris ou Londres com Belém ou Gravatá. São realidades distintas. O leitor, evidentemente, nunca viajou. E quem não viaja não tem elementos para comparar.

Que mais não seja, melhor ser feliz em uma cidade linda pagando mais barato do que ser feliz em uma cidade feia pagando caríssimo.