¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, janeiro 04, 2012
 
POLÍCIA GARANTE O
CONSUMO DE CRACK



Em 1976, a Holanda chocou o mundo por sua tolerância em relação às drogas, pelo menos às drogas leves. Chocou na época, pois hoje as drogas estão liberadas em todo Ocidente. Nos coffeeshops disseminados por suas cidades, podia-se consumir tranqüilamente maconha, haxixe, cogumelos alucinógenos e outras ervas que minha erudição no gênero não alcança. Já estive nesses cafés. Não para consumir drogas, é claro, mas para conhecê-los. Buscava sempre um que tivesse algo para beber, já que muitos não oferecem bebida alguma. Da última vez que estive em Amsterdã, observei algo curioso. Fumar maconha, tudo bem. Mas fumar cigarros era proibido.

Recentemente, o governo holandês alterou a lei que permite aos coffeeshops vender marijuana e a entrada de turistas nesses estabelecimentos vai ser proibida. De acordo com a legislação que entrará em vigor este ano, os coffeeshops são agora clubes de acesso restrito, com o máximo de dois mil membros, e onde apenas holandeses ou estrangeiros residentes podem entrar.

O espirito de jerico andou baixando no executivo holandês. De agora em diante, um estrangeiro não terá o direito de consumir o que um holandês consome. Como será feita a fiscalização? Se você está no espaço Schengen, não precisa mostrar passaporte para entrar no país. Terá de mostrá-lo para entrar no café?

Por outro lado, como fiscalizar o limite de dois mil membros? Cada café terá de apresentar uma lista de seus clientes à polícia? Melhor deixar como estava, penso. Por que privar o estrangeiro de algo a que o nacional tem direito?

Para Miranda de Bruin, proprietária de um coffeeshop em Roterdam, “é completamente impossível aplicar as novas normas, sobre as quais não nos deram nenhuma informação”. Sediada num bairro multicultural, onde 80% das pessoas são de origem estrangeira, explicou que para continuar a atender os clientes teria de lhes pedir um certificado da câmara municipal, algo que considera inviável.

Enquanto a Holanda restringe o consumo das drogas, o Brasil liberou geral. Em novembro passado, estive em Christiania, bairro de Copenhague. É uma espécie de estado dentro do Estado, um território livre onde se pode vender e consumir drogas. O local, squaterizado em 1971, foi cuidadosamente arranjado de modo a parecer terra arrasada após algum conflito nuclear, no melhor estilo dos filmes-catástrofe de Hollywood. Justo quando eu andava por lá, aqui em São Paulo, a uns 15 minutos a pé de onde moro, foi inaugurada a primeira Christiania tupiniquim. Digo primeira, porque outras virão.

Centenas de zumbis tomaram um trecho da rua Helvétia e interromperam o tráfico de carros e ônibus. Temos uma Christiania em São Paulo. A polícia parece estar contente. É melhor que os drogados fiquem confinados a um espaço, em vez de espalharem-se pela cidade. Filosofia de quem não quer ver o que existe a seu redor. O crack hoje está disseminado por 90% das cidades brasileiras e veio para ficar.

Na época, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, ofereceu verba para garantir o consumo de crack. Que seria repassada até o final do ano para a Prefeitura de São Paulo implantar oito consultórios de rua para atendimento a usuários de drogas. A maioria desses postos móveis ficará na Cracolândia. A idéia é que as unidades funcionem 24 horas e tenham médicos, enfermeiros e psicólogos. As equipes poderão, segundo o ministro, internar os dependentes químicos para tratamento.

O ministro estabelecia uma diferença bizantina entre internação involuntária e internação compulsória. No caso da primeira, que seria adotada pelos consultórios de rua em São Paulo, o recolhimento do viciado se dá após uma análise minuciosa de sua situação, sobretudo se a pessoa está correndo o risco de morrer. Internação compulsória seria um procedimento mais drástico. Viciados que vivem na rua são recolhidos independentemente de correrem risco iminente de morrer.

Ou seja, ao oficializar a Christiania paulistana, o ministro deixa claro que só vai tratar do problema quando o drogado estiver morrendo. Se não estiver morrendo, que continue se drogando até a hora da morte. Falei em Christiania, mas há uma diferença entre o território liberado para a droga em Copenhague e o de São Paulo. Se há algo podre no reino da Dinamarca, pelo menos não vemos moribundos nas ruas. Nem os drogados interrompem o tráfego dos cidadãos.

Leio no Estadão que ontem um efetivo de cerca de 100 policiais militares ocupou a Cracolândia. Ocupou mas não prendeu quase nenhum dos dois mil drogados. Abordou 150 pessoas e deteve apenas três.

Na madrugada de hoje, a maioria dos usuários e alguns traficantes, ao perceberem a chegada dos policiais, dispersavam-se e migravam momentaneamente para as proximidades das estações Luz e Júlio Prestes da CPTM, retornando após a passagem dos policiais.

Há dois anos, vinte órgãos públicos e mais de 250 policiais não foram suficientes para acabar com a cena que se vê há vinte anos na Cracolândia. Seis horas após o início de uma operação semelhante, destinada a revitalizar uma das áreas mais degradadas da capital, centenas de viciados voltaram às ruas, com cachimbos em mãos e cobertas nas costas, nos pontos tradicionais de consumo da droga. Em vez de atacar o problema com o rigor devido, autoridades fornecem cachimbos aos pobres diabos para que se droguem sem maiores problemas.

Há uma política de morde-e-assopra por parte das autoridades no que diz respeito ao problema da droga. Comprar pode, o que não pode é vender. Hoje e durante todo o mês de janeiro, cem policiais militares estarão protegendo, com cara de palhaços, os nóias cachimbando à sua frente.

Enquanto isso, uma droga barata e letal como o crack vai tomando conta do país todo.