¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, janeiro 10, 2012
 
A QUEM INTERESSA
O SUDÃO DO SUL?



Ainda há pouco, eu comentava a hipótese absurda de o vestibular da Fuvest propor redação sobre a crise na Europa e Estados Unidos ser tema de redação na segunda fase da Fuvest. Se aluno fosse, eu responderia com um solene “vai pra pqtp” – escrevi na ocasião. Se nem economistas e jornalistas da área conseguem entender a tal de crise, como pedir isto a um jovem que certamente nem conhece a Europa? O máximo que ele poderá fazer é repetir as bobagens que os jornais escrevem sobre a crise.

Foi pior. A prova da segunda fase do vestibular perguntou sobre Primavera Árabe e a criação do Sudão do Sul. Ora, Primavera Árabe foi como os jornais decidiram denominar fenômenos que nada têm a ver uns com os outros, ocorridos na Tunísia, Líbia e Egito. E que de primavera nada têm. Por primavera se entende renascer, florescer e – como pretende a imprensa ocidental – democracia. Vã esperança de jornalistas ingênuos. Democracia até pode parecer que rima com teocracia. Mas não rima. Jamais existirá democracia em regimes islâmicos.

Ou alguém acha que pode existir democracia em países onde um marido se divorcia com três palavrinhas? A lei dos três talaks (repúdio) simplifica extraordinariamente o divórcio. Pronunciado três vezes o repúdio pelo marido, a mulher está divorciada. Claro que o inverso é inimaginável. Mulher vale sempre metade no Islã. Se o Corão reconhece às mulheres o direito à herança, os doutores da lei decidiram que a mulher só pode receber metade da parte devida ao homem. O testemunho de um homem vale pelo testemunho de duas mulheres. Um homem pode ter quatro mulheres. A mulher, um só homem.

Correspondentes que sequer falam o árabe se entusiasmaram com a participação das mulheres na tal de primavera. (Correspondente, quando fala em "fonte confiável", quer dizer chofer de táxi ou porteiro de hotel). Ora, na hora de contestar, mulher é bem-vinda. Uma vez tomado o poder, que volte à cozinha para fazer cuscuz. Aconteceu na Argélia. Na luta contra a França, as mulheres desciam da casbá carregando bombas. Tomado o poder pelos “revolucionários”, recebiam ácido no rosto se não portavam véus.

A Primavera Árabe é mais ou menos como a Revolução de 68, a revolução que não aconteceu. Foi criação da mídia. Ao falar-se, em Paris, da tal de revolução, ajunta-se: pas de sang, trop de sperme. Revoluções são movimentos que modificam as estruturas sociais de um país. Fora a extinção da Sorbonne, não vi modificação alguma entre a França pré-68 e a França pós-68. A paralisação de Paris não ocorreu em função dos jovens, mas porque o PC francês - que naqueles dias ainda apitava - decidiu aderir ao movimento e decretou greve de transportes.

Como naquele ano se produziram convulsões também na China e na antiga Tchecoslováquia, os jornalistas ocidentais jogaram dentro das mesmas páginas movimentos que nada tinham em comum e criaram o mito de 68. Os leitores caíram como patinhos na armadilha midiática e até hoje não falta quem ache que houve uma Revolução de 68. Como ainda há quem julgue que houve uma Primavera Árabe.

Quanto ao Sudão do Sul... Quantos jovens sabem que o Sudão existe? Mais ainda, um Sudão do Sul? Diria que nenhum. Nem adultos sabem. Entre estes nenhuns, quantos saberão que o Sudão um dia dividiu-se? Os organizadores do vestibular certamente estavam muito além do Marrakesh quando formularam esta questão. Aparentemente, houve uma intenção de introduzir uma questão africana no vestibular. Mas a quem interessa o que ocorre na África?

Eu, que leio jornais todos os dias, e que me interesso por política internacional, não conseguiria escrever uma linha sequer sobre a criação do Sudão do Sul. Que o Sudão se divida em dois, quatro ou oito, para mim tanto fez como tanto faz. Até sei que uma coisa chamada Sudão existe. Mas nada sei além disto.

Para que serve, para quem ingressa na universidade, discorrer sobre a divisão do Sudão?