¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, janeiro 05, 2012
 
“SE QUISEREM...”


Voltando aos nóias do centro de São Paulo. Depois de ignorar o problema por duas décadas, as autoridades decidiram atacá-lo de frente... com uma política de mosca tonta em relação aos drogados. Baseados em uma exótica estratégia de "dor e sofrimento" de usuários de crack, pela primeira vez Prefeitura e Estado definiram medidas para tentar esvaziar a Cracolândia.

A estratégia está dividida em três etapas – diz o Estadão. A primeira consiste na ocupação policial, cujo objetivo é "quebrar a estrutura logística" de traficantes que atuam na área. Além de barrar a chegada da droga, policiais foram orientados a não tolerar mais consumo público de crack. Usuários serão abordados e, se quiserem, encaminhados à rede municipal de saúde e assistência social. Em uma segunda etapa, a ação ostensiva da PM, na visão de Prefeitura e Estado, vai incentivar consumidores da droga a procurar ajuda. Na terceira fase, a meta será manter os bons resultados.

Atenção ao “se quiserem”. Se o drogado quiser, será encaminhado a tratamento. Se não quiser, pode continuar cachimbando seu crack, sob o olhar complacente dos policiais. "A falta da droga e a dificuldade de fixação vão fazer com que as pessoas busquem o tratamento. Como é que você consegue levar o usuário a se tratar? Não é pela razão, é pelo sofrimento. Quem busca ajuda não suporta mais aquela situação. Dor e o sofrimento fazem a pessoa pedir ajuda", diz o coordenador de Políticas sobre Drogas da Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania, Luiz Alberto Chaves de Oliveira.

Alguém já viu um drogado buscar tratamento? Pode até acontecer que alguém, filho de uma família estruturada e com algum futuro pela frente, busque tratar-se. É pessoa que tem algo a perder. Mas pessoas sem nenhum laço familiar ou social, sem emprego nem profissão? Me permito a dúvida. Para estes pobres diabos, a droga é uma espécie de muleta.

A Cracolândia será vigiada durante um mês, 24 horas por dia. E depois deste mês? Os nóias não estão esperando nem 24 horas para voltar a seu território. Hoje, leio nos jornais, foram dispersos com bombas de efeito moral e balas de borracha. Curiosa estratégia, combater a droga com balas de borracha. Há muito, os nóias vêm se esparramando pelo centro da cidade. O governo aposta em que, coibindo o tráfico na Cracolândia, o problema estará resolvido. Ora, o tráfico é ágil. Do dia para a noite, saberá como encontrar sua clientela. Se entra até nas prisões, não lhe será difícil abastecer o mercado nas ruas.

Os craqueiros foram empurrados pela Avenida Duque de Caxias até a Alameda Barão de Limeira, onde se dispersaram – noticia a Folha de São Paulo –. Cerca de meia hora depois, um grupo com cerca de 50 pessoas voltou a se aglomerar na Avenida Rio Branco, ao lado da Praça Princesa Isabel. A PM novamente usou a força contra o grupo, que correu em direção à Rua Aurora. Ou seja, a ação policial está apenas empurrando os nóias para ruas vizinhas.

Em meio a isso, um senhor cujas sandices já tive ocasião de comentar, considera que o governo está oficializando a tortura. Em artigo para o Terra, escreve Wálter Fanganiello Maierovitch:

- É inacreditável. Em tempos de Tribunal Penal Internacional e de luta sem fronteiras por respeito aos direitos humanos e contra a tortura, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, e o governador do estado paulista, Geraldo Alckmin, adotam, na conhecida Cracolândia, violência contra dependentes de crack. A dupla de governantes acaba de oficializar a tortura.

Maierovitch considera tortura obrigar os dependentes que vivem na Cracolândia a buscar ajuda, “pela dor e sofrimento” decorrentes da abstinência, junto às autoridades sanitárias ou redes de saúde. E compara a atitude do governo – inócua, diga-se de passagem – às torturas do DOI-CODI e aos campos nazistas. Curiosamente, não a comparou aos campos de concentração stalinistas. O que é significativo.

- A tortura indireta posta em prática pela dupla Kassab-Alckmin tem o mesmo fundamento dos campos de concentração nazista. E a tortura imperava no DOI-CODI, de triste memória.

E acena com a criação de narcossalas para o consumo da droga:

- As federações do comércio e da indústria da Alemanha apóiam os programas de narcossalas com um milhão de euros. E ninguém esquece a lição do professor Uwe Kemmesies, da Universidade de Frankfurt: “Podemos reconhecer que a oferta de salas seguras para o consumo de drogas melhorou a expectativa e a qualidade de vida de muitos toxicodependentes que não desejam ou não conseguem abandonar as substâncias”.

Ora, salas seguras para o consumo da droga significa também fornecer a droga aos usuários. Neste país em que milhões de chefes de família mal têm como botar o feijão na panela e fazem das tripas coração para dar educação aos filhos, o articulista propõe que o contribuinte financie a droga aos drogados.

Se o leitor me perguntar qual seria a solução para o problema, minha resposta é: não sei. Só sei que financiar crack aos craqueiros, contemplá-los de braços cruzados enquanto fumam ou deslocá-los de uma rua para outra não é solução.

A Prefeitura está tocando um projeto que chamou de Nova Luz. Uma vasta área está sendo desapropriada e será demolida para dar lugar a um centro administrativo. O que me parece uma ótica de cegos. Centros administrativos se tornam desertos depois das seis da tarde. Mesmo que os marginais sejam afastados durante o dia, todos voltarão à noite a seu habitat. Todas as semanas, os jornais nos trazem fotos de pobres coitados fumando crack. Alguns permanecem dias deitados, já nem conseguem parar em pé. Só a polícia, que tem um distrito policial justo na Cracolândia, parece não ver nada.

A Prefeitura quer revitalizar a Cracolândia. O resto da cidade que se lixe.