¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, março 10, 2012
 
PAPISTAS DEFENDEM IMPOSIÇÃO
FASCISTA NO RIO GRANDE DO SUL



Terça-feira passada, o conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul acatou o pedido de retirada de crucifixos e símbolos religiosos dos espaços públicos nos prédios da Justiça no estado. “Resguardar o espaço público do Judiciário para o uso somente de símbolos oficiais do Estado é o único caminho que responde aos princípios constitucionais republicanos de um Estado laico”, disse o relator da matéria e desembargador Cláudio Baldino Maciel na justificativa de seu voto.

Escândalo nas hostes papistas. O recórter tucanopapista hidrófobo da Veja virou uma arara. Apelando a uma reductio ad absurdum, como é típico dos cristãos desde Paulo, se pergunta retoricamente quando será retirado o Cristo do Morro do Corcovado. Igrejeiros indignados protestam no país todo contra a decisão da Justiça gaúcha. Ora, ninguém está pedindo a retirada daquele Cristo horrendo do Rio, que aliás devia ser demolido, que mais não seja por razões estéticas.

O que se pede é a retirada de todo símbolo religioso, como crucifixos e imagens de santos, de todos os prédios oficiais e espaços públicos do Rio Grande do Sul. A decisão foi resultado de um pedido feito pela Liga Brasileira de Lésbicas e outras entidades sociais formulada em novembro de 2011.

Nada de novo sob o sol. A história é antiga. Comentei-a há nada menos que onze anos. No final de 2001, em Milão, Rosa Petrone, uma enfermeira italiana convertida ao Islã, decidiu não retomar sua função no hospital de Niguarda enquanto não fossem removidos os crucifixos do local de trabalho. A União Muçulmana da Itália tomou posição a favor da enfermeira, alegando que “a presença do crucifixo católico em locais públicos é violação e desafio à neutralidade e laicidade do Estado”. No mesmo ano, em outra cidade italiana, uma professora pedia a retirada do crucifixo das salas de aula, para não ferir suscetibilidades de filhos de imigrantes.

De instrumento de tortura e morte, a cruz passou a ser o logotipo de uma religião que prega o amor. O duplipensar de Orwell, como vemos, é bem anterior ao comunismo. Não tenho simpatia alguma pelo crucifixo e, como a Rosa, me irrita vê-los em tribunais, escolas ou hospitais de um Estado que se pretende laico. Da mesma forma, foge a qualquer lógica ver constituições republicanas invocando deus em seus preâmbulos. Mas o que causa espanto na decisão da convertida é pretender limpar o Estado italiano de símbolos religiosos, logo em nome do Islã, fértil em Estados teocráticos. Pretenderá a enfermeira eliminar a cruz da Cruz Vermelha? É bom lembrar que a instituição homóloga no mundo árabe se chama Crescente Vermelho, e provavelmente seria decapitado quem fizesse greve para eliminar o crescente.

O fato é que retirar crucifixos de salas em nome do Islã é trocar seis por meia dúzia. É uma religião ciumenta que protesta contra os privilégios de outra. A Europa sempre foi cristã, não por acaso chamou-se um dia de Respublica Christiana. Mas os tempos mudaram. Não vivemos mais em época em que os reis, para serem coroados, tinham de ir a Roma.

Foi Napoleão quem quebrou esta tradição. Ao ser coroado imperador não foi a Roma para ser ungido pelo Papa, como os imperadores germânicos. Pio VII teve de vir a Paris para a cerimônia. Mas Napoleão não aceitou a arrogância de Roma. Pegou a coroa nas mãos e coroou-se a si mesmo, de frente para o público (e de costas para o Papa). Depois, coroou a imperatriz Josefina. O papa entendeu o recado e limitou-se a proclamar "Vivat Imperator in aeternum!". Manda quem pode. Obedece quem tem juízo.

A laicidade que hoje vige na Europa é fruto da Revolução Francesa, que pôs fim a uma monarquia de direito divino. A laicização da Europa surgiu na França, quando a Concordata de 1801 colocou a Igreja sob a tutela do poder do Estado, criando o casamento civil e o registro civil. Mas os papistas são incorrigíveis e até hoje se julgam no direito de exibir um Cristo peladão nas salas de aula e tribunais.

Em 2011, o italiano Luigi Tosti foi expulso da Magistratura do país por se recusar a fazer audiências enquanto todos os crucifixos não fossem retirados dos tribunais. Durante a sua carreira como magistrado, Tosti sempre alegou que a expressão religiosa nos tribunais, órgãos públicos, violava a laicidade do Estado italiano. Se as cruzes não fossem retiradas da parede, pedia então que fossem expostos junto outros símbolos religiosos. A Corte de Cassação negou. Os crucifixos podem, afirmou. Outros símbolos, não.

Esta não foi a primeira condenação de Tosti por tais idéias. Em fevereiro de 2006, a Suprema Corte dos Magistrados já havia feito o juiz mudar de cidade e cortara o seu salário por causa de seu “comportamento culposo”. O juiz havia proposto, em 2004, a colocação de símbolos de sua religião, o judaísmo, como a Menorá.

É muito bom que os tribunais gaúchos retirem os símbolos católicos de suas salas. Antes que ocorra o pior: que outras igrejas ou crenças queiram ajuntar os seus símbolos, em nome da liberdade de expressão. Por que razões cidadãos de todas as crenças têm de aceitar uma imposição vaticana – pois de imposição do Vaticano se trata – quando penetram nos umbrais da Justiça? Você já imaginou judeus e muçulmanos exigindo o mesmo direito? Claro que não colocariam imagens, já que tanto Alá como Jeová proíbem o culto a imagens. Mas talvez uma Menorá ou um crescente.

Mais ainda: a colocação de crucifixos em escolas e tribunais tem origens fascistas. Na Itália, foi determinada na década de 1920 durante o regime de Benito Mussolini. Em 2007, por ocasião de sua visita ao Brasil, com o pretexto de canonizar um charlatão - o frei das pilulinhas milagrosas de papel - Ratzinger quis impor ao governo brasileiro uma concordata tão ou mais obscena que o Tratado de Latrão, de 1929, pelo qual a Itália reconhecia a soberania da Santa Sé sobre o território do Vaticano. Poucas pessoas lembram hoje que o Vaticano é uma concessão do ditador fascista. Tivesse Mussolini vencido a guerra, talvez constasse da hagiografia da Igreja. Perdeu? Olvidado seja.

Quando os gaúchos decidem libertar-se da cruz em seus tribunais, paladinos do Vaticano saem aguerridamente em defesa do que um dia foi uma disposição do Duce.