¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, abril 21, 2012
 
CUANDO EL REY
PIDE DISCULPAS



Don Juan Carlos I, el Rey de Espanha, graças a um acidente ocorrido em má hora, foi flagrado caçando elefantes em Botsuana. Escândalo na Espanha e no mundo todo. Ora, Juan Carlos tem 74 anos. Até parece que, depois de velho, dedicou-se à caça. É óbvio que praticou o esporte toda a vida, como também é óbvio que ninguém na Espanha ignorava este fato.

Qual rei não caça? A caça, desde a Idade Média, sempre foi esporte de reis e nobres. Os franceses decapitaram sua realeza mas preservaram seus hábitos. Com a revolução de 1789, o esporte popularizou-se. Os camponeses passaram a buscar a caça nas reservas reais e a matar em massa os coelhos que faziam grandes estragos ao cultivo de legumes. Em 1790, uma lei passou a regulamentar a atividade: só os proprietários dos terrenos tinham direito à caça. Mais tarde, em 1844, o Parlamento adotou uma solução de compromisso, que permitia a todos caçar, desde que com o acordo tácito do proprietário.

Caça nunca foi crime, mas sim atividade regulamentada por lei. Na Espanha, a lei 1/1970, de 4 abril, ainda vigente embora com várias reformulações, determina:

Artículo 1. Finalidad de la Ley
La presente Ley regula la protección, conservación y fomento de la riqueza cinegética nacional y su ordenado aprovechamiento en armonía con los distintos intereses afectados.

Artículo 2. De la acción de cazar
Se considera acción de cazar la ejercida por el hombre mediante el uso de artes, armas o medios apropiados para buscar, atraer, perseguir o acosar a los animales definidos en esta Ley como piezas de caza, con el fin de darles muerte, apropiarse de ellos o de facilitar su captura por tercero.

Artículo 3. Del cazador
1. El derecho a cazar corresponde a toda persona mayor de catorce años que esté en posesión de la licencia de caza y cumpla los demás requisitos establecidos en la presente Ley.
(...)

Artículo 4. De las piezas de caza
1. Son piezas de caza los animales salvajes y los domésticos que pierdan esa condición, que figuren en la relación que a estos efectos deberá incluirse en el Reglamento para la aplicación de esta Ley.
2. La condición de piezas de caza no será aplicable a los animales salvajes domesticados, en tanto se mantengan en tal estado.
3. Las piezas de caza se clasificarán en dos grupos: caza mayor y caza menor. Tendrán la consideración de piezas de caza mayor la cabra montés, el ciervo, el corzo, el gamo, el jabalí, el lince, el lobo, el muflón, el oso, el rebeco y cuantas especies sean declaradas como tales por el Ministerio de Agricultura. Tendrán la consideración de piezas de caza menor las que figuren en la relación a que se refiere el número de este mismo artículo, excepto las definidas anteriormente como caza mayor.

Elefantes não estão incluídos na lista de peças. Por uma razão elementar: não há elefantes na Espanha. Elefantes existem na África. Em Botsuana são 130 mil e constituem uma praga para as plantações. Sua caça, longe de ser ilegal, constitui fator de turismo. Se caça não é crime, que se reprova a El Rey?

Talvez o custo da empreitada, que seria de 45 mil euros? Numa Espanha em crise isto poderia ser considerado um acinte, embora a manutenção da realeza e de seus castelos custe mais do que isso por dia. Mas nem isso pode ser alegado. A expedição teria sido um presente ao rei, dado pelo sírio Mohamed Eyad Kayali, empresário ligado ao governo saudita.

Onde o crime então? Pelo jeito, a reação dos espanhóis não passa de um protesto contra a monarquia. Protesto um tanto fora de lugar, em um país que se orgulha de suas cabeças coroadas. Tanto o País Basco como a Catalunha, sempre arredios ao governo de Madri, jamais contestaram a realeza. Nas monarquias parlamentares, o rei constitui um elemento de união do país, que sobrepaira às divisões regionais, lingüísticas ou políticas. É de perguntar-se se, sem a coroa, a Espanha não seria hoje quatro ou cinco países.

Restou, é verdade, um problema. Desde 1968, Sua Majestade é presidente honorário do braço espanhol do Fundo Mundial para a Vida Selvagem – WWF, em inglês. Este terá sido seu erro, presidir, ainda que honorariamente, esta entidade. Até aí, uma contradição. Mas jamais um crime.

Ocorre que vivemos em um mundo dominado pelo politicamente correto, onde caçar virou, senão atitude criminosa, pelo menos imoral. Claro que ninguém reprovaria, ainda que postumamente, um Hemingway, que se gabava de seus dotes de caçador. Hemingway era de esquerda e, na Guerra Civil Espanhola, tomou o partido de Moscou. Louvado seja então Hemingway, louvadas sejam suas fotos junto a leões e elefantes abatidos. O que não pode é um rei caçar.

Numa atitude insólita, Juan Carlos Alfonso Víctor María de Borbón y Borbón desculpou-se: “Lo siento mucho, me he equivocado pido perdón, no volverá a ocurrir”. Como moleque pego em travessura, promete ainda não fazer mais molecagens. Houve quem achasse nobre a postura humilde do rei. Permito-me discordar. A meu ver, el Rey dobrou-se a um dos modismos mais funestos do século, o politicamente correto. Se caçar não é crime, se não empenhou o dinheiro do contribuinte espanhol em sua caçada, não tem razão alguma para pedir perdão.

Não bastasse o horrendo “crime” de caçar – que nunca foi crime – a imprensa pespegou a Don Juan uma amante, a princesa alemã Corinne zu Sayn-Wittgenstein, de 46 anos. Que estaria com o rei em Botsuana e o teria acompanhado em outras caçadas. O boato tem sustentação apenas em um livro, La Soledad de la Reina, escrito pela jornalista Pilar Eyre. Ora, como esta moça sabe disto? Terá flagrado rei e princesa na cama? Não pode um rei, já avançado em idade, cultivar a amizade de pessoa mais jovem? A mim, me parece perfeitamente normal. Velhice tem sede de juventude.

Me permito o benefício da dúvida. Fosse o caso, Sua Majestade teria sido discreto. Por outro lado, tanto quanto caçar, ter uma amante não é crime. Mitterrand, por exemplo, manteve amante teúda e manteúda até o fim de seus dias. Morreu em odor de santidade. Mas Mitterrand era socialista. A amante de Don Juan – se de fato amante é – só diz respeito ao rei e à rainha Sofia.

Longe de mim tomar a defesa da realeza. Mas as acusações feitas a el Rey são inconsistentes. Sempre nutri uma certa simpatia por Sua Majestade. Que agora murchou um pouco. A realeza está em decadência. Triste ver um rei pedindo perdão aos malucos de sua época por um crime que não cometeu.

Não se fazem mais reis como antigamente.