¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, junho 20, 2012
 
BAN KI-MOON INAUGURA
FESTIVAL DOS ECOCHATOS
COM SOLENE BOBAGEM



Já atravessei muitas fronteiras e confesso que fronteiras são sempre desconfortáveis. Interrupção da viagem, burocracia, passaportes, vistos, troca de moedas, isso sem falar de uma nova língua e novos costumes. Estes últimos são o de menos, afinal viajamos para conhecer o novo. De 1996 para cá, com o Acordo de Schengen, pelo menos na Europa, tudo se tornou mais fácil. Esta convenção entre países significou uma política de abertura das fronteiras e livre circulação de pessoas entre os países signatários.

Em um total de 30 países, incluindo todos os integrantes da União (exceto Irlanda e Reino Unido), mais três países que não são membros da UE (Islândia, Noruega e Suíça), tornou-se possível viajar sem apresentar documentos. Você tem o passaporte carimbado no primeiro que entra e naquele por onde sai. Desagradável para quem gosta, como eu, de colecionar vistos, mas mais confortável para quem viaja.

Outro passo para a eliminação de fronteiras foi a introdução do euro como moeda comum na maioria dos países europeus. Eu estava em Roma, no 1º de janeiro de 2002, quando os magos da economia trouxeram ao continente euro, incenso e mirra. Era outra fronteira que caía, a da moeda. No encontro de Maastricht, em 91, o euro soava como distante quimera. A cada país que você visitava, precisava trocar moeda e refazer seus cálculos. Hoje, apesar dos eurocéticos, há uma euroforia em todo o continente. Bancos e correios estiveram constantemente lotados nos últimos dias de 2002, com filas de cidadãos ansiosos por pôr as mãos em um pequeno kit da nova divisa. Nem mesmo os gregos, cuja dracma tinha nada menos que 2.600 anos, choraram o enterro da velha moeda. Na ocasião, até mesmo os textos de Platão e Aristóteles se tornaram ligeiramente mais envelhecidos.

Verdade que hoje, com a crise européia, os inimigos do euro estão fazendo festa. Há quem julgue que a Grécia voltará à dracma, ou pelo menos sairá da eurozona. Não sai, não. É muito alto o custo de uma troca de moeda. Sem falar que esta troca abalaria a economia de todos os países do continente.

Mas falava de fronteiras. Tive conhecimento do que realmente significa uma fronteira quando estive pela primeira vez em Berlim. Terá sido no final dos 70. O Muro parecia ter sido erguido para a eternidade e ninguém sonhava, naqueles anos, que um dia pudesse ser demolido. Berlim Ocidental era uma ilha de prosperidade em pleno deserto socialista. Você embarcava em alguma cidade fronteiriça da Alemanha Ocidental e no trem já sentia o cheiro do socialismo. Trens vagabundos, policiais carrancudos acompanhados por cães também policiais, um tratamento hostil dos passageiros, mais ou menos do tipo “o que você veio fazer aqui?”

Ao desembarcar na Berlim Ocidental, a volta ao conforto e bem-estar. A cidade era rica e privilegiada. Funcionava como uma vitrine do capitalismo em meio ao inferno socialista. O Senado berlinense proporcionava uma série de subsídios a quem lá vivia, para manter habitada a vitrine. Era uma das cidades mais confortáveis e baratas da Europa. A amiga que me recebia vivia em um belo apartamento de quatro quartos, cujo aluguel era a metade do que eu pagava em Paris por um quarto-e-sala.

Berlim era a cidade preferida de aposentados e de jovens que preferiam não entrar de rijo na competição capitalista. Um pequeno paraíso incrustado no mundo soviético. A Kurfürstendamm, Kudamm para os íntimos, com suas lojas e restaurantes suntuosos, fazia um contraste escandaloso à miséria do outro lado do Muro. Minha amiga levou-me lá, para sentir o cheiro do socialismo. Não estou falando por metáforas. Socialismo cheira mal mesmo. Mal atravessei a fronteira, um odor desagradável de carvão vegetal inundou-me as narinas. As diferenças começavam já na travessia do Muro. Do lado de cá, ao entrar no metrô, você punha o tíquete numa máquina eletrônica, que o devolvia do outro lado. Do lado de lá, você tinha de picotar o tíquete em uma alavanca enferrujada. Na fronteira, um policial com cara de buldogue olhava um minuto para sua foto no passaporte e mais outro minuto para seu rosto.

Foi em Berlim, após atravessar muitas outros países, que tive a noção do era realmente uma fronteira. Para quem nasceu na fronteira seca de Upamaruty, entre Uruguai e Brasil, Berlim era um tapa na cara. Quem vive em Livramento ou Rivera, onde se passa de um país a outro sem dar satisfação a autoridade alguma, ficaria perplexo ante o Muro.

Fronteiras podem ser fáceis ou extremamente antipáticas. As do antigo mundo socialista eram abomináveis. Você era visto como um inimigo que estivesse penetrando penetrar na fortaleza assediada do paraíso. Mas fáceis ou abomináveis, as fronteiras são necessárias.

Ban Ki-moon, o secretário-geral da ONU – este festival permanente de discursos inúteis – disse hoje durante a Rio+20 – outro festival de discursos também inúteis – que apesar de os chefes de estado representarem seus países, a noção de fronteira é coisa do passado. “Todos estão interconectados”, declarou.

É espantoso ver como uma autoridade se desloca de New York até o Woodstock dos ecochatos para proferir semelhante bobagem. Que os países estão interconectados, isto não se discute. É exatamente por estarem interconectados que as fronteiras são necessárias. Ou o México se mudaria para os Estados Unidos e a África para a Europa. O tratado de Schengen, que surgiu para facilitar a vida dos europeus, está hoje facilitando a entrada de imigrantes árabes e africanos e já foi contestado pela França. Há 43 milhões de refugiados no mundo todo, hoje. Imagine um planeta sem fronteiras. Os países mais ricos seriam dizimados por uma nuvem de gafanhotos.

A imigração está corroendo a Europa e modificando a cultura americana. Imigração sem controle não prejudica país pobre, apenas os ricos. Há algumas décadas, os imigrantes chegavam em um país querendo saber quais eram seus deveres. Hoje, mal passam a aduana, querem saber de seus direitos. Quando alguém defende a salutar idéia de um maior rigor nas fronteiras, logo saltam os defensores da dita “diversidade cultural” para pichá-lo de nazista. Costumo afirmar que os comunistas, que não conseguiram destruir a Europa com o discurso da luta de classes, querem agora destruí-la em nome da diversidade cultural.

Fronteiras não são coisas do passado. Mais do que nunca as fronteiras se fazem necessárias, para a preservação do que de melhor o Ocidente produziu.