¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, agosto 11, 2012
 
BIENAL E OBSCURANTISMO

Foi inaugurada, na quinta-feira, a 22ª edição da feira de livros mais tradicional de São Paulo, a Bienal do Livro. São esperados 800 mil visitantes. Cultor do livro, meus pés não pisarão seus corredores. Fossem apenas 8.000, no decorrer de todo evento, vá lá. Não suporto multidões e tampouco entendo o fascínio dos paulistanos por tais aglomerações. Ainda há pouco, houve uma exposição de impressionistas no Centro Cultural do Banco do Brasil. Houve quem esperasse três horas na fila para ver os quadros.

Haverá tantos paulistanos para curtir livros ou impressionistas? Duvido. O que ocorre é a imposição da publicidade. Pessoas que se pretendem cultas acham que não podem perder tais eventos. A cada Bienal do Livro, editores e livreiros se queixam das poucas vendas e declaram perder dinheiro quando expõem. Que vão então fazer lá essas 800 mil pessoas?

Vão fazer turismo literário. Vão lá para dizer que lá estiveram. Que viram esta ou aquela celebridade dando autógrafos. E voltam, a maioria deles, sem comprar um único livro. Só servem para atrapalhar quem busca livros. Na primeira e única Bienal que visitei, tropecei em dezenas de grupos de crianças, conduzidos manu militari por professorinhas, que lá estavam apenas para fazer estatística. De modo geral, vai à Bienal do livro quem não lê. Quem lê está perto do livro o ano todo.

Um dos homenageados desta bienal, para vergonha de quem ainda tem vergonha, é Jorge Amado. Ontem ainda, comentei sua trajetória intelectual. Terá sido certamente o único texto publicado no país que não louva a cortesã baiana. É espantoso ver, na imprensa toda, artigos incensando um dos maiores crápulas que a mídia construiu. Em todos os países do mundo, todo nazista foi execrado. Até mesmo um Louis-Ferdinand Céline, que escreveu o excelente Voyage au bout de la nuit, foi banido do mundo dos vivos em seu país. Só no Brasil, ao que tudo indica, um escritor pode ser nazista impunemente. Amado é visto hoje, não como cúmplice de assassinos, mas como um dos construtores da brasilidade.

Verdade que a passagem do baiano pelo nazismo foi curta. Amado molhou o dedinho e sondou os ventos da História. Vendo que o nazismo não tinha futuro, tornou-se um entusiasmado caixeiro-viajante do comunismo. Cosmopolita e viajado, não poderia ignorar as purgas de Stalin nos anos 30, os gulags denunciados por Kravchenko em 49, os crimes trazidos a público por Kruschev em 56. Mesmo assim, continuou stalinista.

De repente, não mais que de repente, abandonou o marxismo, sem nem ao menos penitenciar-se por ter sido, durante décadas, um zeloso funcionário do terror. Este homem, que deveria ser mantido na memória nacional como exemplo a ser execrado, recebe hoje as homenagens de uma feira de livros. Destes mesmos livros que os marxistas tanto odiaram e censuraram, fuzilando ou mandando seus autores para os gulags. O inimigo feroz da liberdade de expressão, o menino de recados do homem que fez vinte milhões de cadáveres, é hoje celebrado pelos intelectuais do país todo.

A Bienal, no fundo, reflete a idiossincrasia da intelligentsia - ou burritsia, como quisermos - nacional, que ainda não conseguiu libertar-se do culto ao crime e ao obscurantismo.