¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, agosto 13, 2012
 
JURISTAS VIRAM RÁBULAS AO
DEFENDER O INDEFENSÁVEL



A defesa do indefensável é uma excelente ocasião para revelar a esquálida nudez de notórias sumidades. A Constituição já foi rasgada duas vezes, não com argumentos lógicos, mas com palavras de efeito. No caso do mensalão, no qual a única defesa dos réus é a defesa do indefensável, a nudez decrépita de ilustres togados não tem feito cerimônia para revelar-se.

Já comentei o caso do advogado mais bem pago do país, o ex-ministro Márcio Thomás Bastos, tido como uma eminência das Letras Jurídicas nacionais. Em sua primeira intervenção no caso, o ilustre jurista usou mão de uma reles chicana, digna de advogado de porta de cadeia. Em vez de discutir o mérito da questão, levantou questão de ordem com o fito exclusivo de procrastinar o julgamento. Para evitar o voto do ministro César Peluso, tido como condenatório aos mensaleiros.

Não bastasse isto, em recente intervenção em sessão da CPI, afirmou que para envolver o seu cliente, o ex-diretor do Banco Rural José Roberto Salgado, no processo do mensalão "é preciso revogar a Teoria da Relatividade". Para começar, o renomado causídico parece desconhecer o vernáculo. Teorias não se revogam. O que se revoga é lei e não existe nenhuma lei da relatividade. Teoria se contesta, se examina, se critica, se abandona. Mas isto é o de menos. Que tem a ver a teoria da relatividade com o envolvimento de um cliente seu? Ninguém entre as partes, talvez tementes à sapiência de Thomás Bastos, ousou questionar tal despautério. O chicaneiro usou de retórica vazia e não teve contestação alguma.

Leitor me envia entrevista de um outro ilustre togado, o professor Celso Antonio Bandeira de Mello, concedida recentemente ao Consultor Jurídico (ConJur). Com argumentos sem pé nem cabeça, que em nada recomendam o catedrático, ao comentar o massacre no Colorado (EUA), Bandeira de Mello faz a defesa da censura:

- Enquanto existir televisão e não for permitida a censura, nós vamos ter a continuidade dessa violência e as crianças vão assistir violência.

Como costumam fazer os que fazem a defesa do indefensável, Bandeira de Mello lança mão de um argumento inexistente: “enquanto existir televisão e não for permitida a censura”. Ora, desde quando não existe censura na televisão? Sempre existiu. Ou você vê filmes pornográficos na televisão aberta? Ou conclamações ao racismo? Ou defesa da tortura ou da pedofilia? Aliás, ciente de que seus argumentos só valem contra o que não existe, o causídico volta à vaca fria. Interrogado como seria a censura que pretende, alega:

- Todo mundo é a favor, só que não tem coragem de dizer. Você é a favor de passar filmes pedófilos na televisão? Eu não sou. Mas se passasse você se sentiria como? Você é a favor de censurar. As pessoas não têm coragem de dizer, porque depois do golpe virou palavrão ser a favor da censura. Você é a favor que passe um filme que pregue o racismo, não importa que tipo de racismo, nem contra que povo? Todo mundo é a favor da censura, mas as pessoas não têm coragem de dizer por que não é politicamente correto.

Algum leitor viu algum filme pedófilo na televisão? Algum filme pregando o racismo? Não sou a pessoa ideal para responder a tal pergunta, afinal pouco assisto à televisão. Mas duvido que alguém tenha vista tais filmes. Se os visse, bastaria denunciá-los ao Ministério Público e as emissoras seriam imediatamente punidas. É muito fácil condenar o que não existe.

Mais difícil é condenar o que existe. Interrogado sobre como vê o processo do mensalão, Bandeira de Mello prefere negá-lo:

- Para ser bem sincero, eu nem sei se o mensalão existe. Porque houve evidentemente um conluio da imprensa para tentar derrubar o presidente Lula na época. Portanto, é possível que o mensalão seja em parte uma criação da imprensa. Eu não estou dizendo que é, mas não posso excluir que não seja.

Conluio para tentar derrubar o presidente Lula? Então o presidente Lula, por paradoxal que pareça, fez parte desse conluio. Nunca é demais repetir seu pedido de desculpas pelo mensalão, em 2005, dois meses depois de a affaire surgir nas primeiras páginas dos jornais:

- Estou indignado pelas revelações que aparecem a cada dia, e que chocam o país. O PT foi criado justamente para fortalecer a ética na política e lutar ao lado do povo pobre e das camadas médias do nosso país. Eu não mudei e, tenho certeza, a mesma indignação que sinto é compartilhada pela grande maioria de todos aqueles que nos acompanharam nessa trajetória.

- Mas não é só. Esta é a indignação que qualquer cidadão honesto deve estar sentindo hoje diante da grave crise política. Se estivesse ao meu alcance, já teria identificado e punido exemplarmente os responsáveis por esta situação. Por ser o primeiro mandatário da nação, tenho o dever de zelar pelo estado de direito. O Brasil tem instituições democráticas sólidas. O Congresso está cumprindo com a sua parte, o Judiciário está cumprindo com a parte dele. Meu governo, com as ações da Polícia Federal, estão investigando a fundo todas as denúncias. Determinei, desde o início, que ninguém fosse poupado, pertença ao meu Partido ou não, seja aliado ou da oposição. Grande parte do que foi descoberto até agora veio das investigações da Polícia Federal.

Pretenderá Bandeira de Mello negar o capo di tutti i capi? O homem que sabia de tudo e em cujo benefício foi estruturado o mensalão? Lula por acaso denunciou alguma tentativa de golpe contra seu governo? Nada disso. Admitiu bonitinho a falcatrua e pediu desculpas à nação. Bandeira de Mello, a meu ver, deve um pedido de desculpas a Lula. Pois está a chamá-lo de mentiroso.

Por que deveria haver censura? – pergunta o Conjur. Responde Bandeira de Mello:

− A imprensa escolhe o que noticia e usa uma merda de argumento que diz o seguinte: “Nós não somos responsáveis por essas coisas, isso existe, são os outros que fazem isso. Só estamos contando, nada mais.” Se fosse por isso, a humanidade não teria dado um passo, porque a humanidade adorava ver os cristãos sendo devorados pelos animais ou os gladiadores se matando. A humanidade adorava ver as supostas feiticeiras sendo queimadas. A humanidade sempre gostou de coisas de baixo nível e vis. Dizer que tem gente que gosta de assistir esses programas ordinários não é argumento válido. Você diz esse mesmo argumento para passar e acabou. A imprensa poderia dar notícias de coisas maravilhosas. Existe muita gente boa, que fazem coisas excelentes. Não. Ela noticia só o que há de pior, e você fica intoxicado por aquilo no último grau.

O ilustre jurista está afirmando que os historiadores deveriam ter silenciado sobre os cristãos devorados por animais ou sobre os gladiadores se matando. Deveriam ter também silenciado sobre as supostas feiticeiras sendo queimadas na Idade Média. Pois isto só serve para excitar as turbas.

Mutatis mutandis, a imprensa não deveria ter mostrado os cadáveres dos campos nazistas. Nem trazido a suas páginas os massacres de Stalin, Mao, Pol Pot ou Fidel Castro. Insistindo em sua estratégia de condenar o que não existe, ao ser interrogado sobre algum exemplo de uma indignidade cometida pela imprensa, continua o advogado:

− Mostrar crianças sendo torturadas ou mostrar corpos dilacerados. Isso incentiva [a violência], sim. O ser humano não é bonzinho. Você não tem que incentivar a maldade. Porque os EUA são desse jeito? Eles exportam para nós tudo o que há de pior. A boa imagem dos EUA no mundo quem dá é o cinema. Porque o cinema deles tem coisas muito humanas, muito boas também. Para cá vem o lixo, o povo gosta do lixo.

Tem alguma televisão ou jornal no país mostrando crianças sendo torturadas? Para começar, tortura é como sexo. De modo geral, ocorre entre quatro paredes e sem testemunhas. O leitor viu algum jornal mostrando corpos dilacerados? Pode até ocorrer que algum jornaleco sensacionalista tenha publicado tais fotos algum dia. Mas terá sido exceção e não justifica um apelo à censura. E se os EUA exportam para nós o que há de pior, é que nós buscamos o pior. Tem sido característica do Brasil sempre importar o que de pior existe no estrangeiro. Vide o sistema de cotas. Passamos a importá-lo quando os EUA já o haviam abandonado.

Defensor da tese hoje mais cara ao PT, a inexistência do mensalão, Bandeira de Mello defende outra não menos safada, a de que deveria “haver uma regulamentação da imprensa importante".

− Em todos os meios: impresso, eletrônico? – pergunta o Conjur.

− Todos. De maneira que os que trabalham, os empregados, deveriam ter uma participação obrigatória e importante. O dono do jornal, da televisão tem direito ao dinheiro daquele lugar, mas não às opiniões. Porque do contrário não há mais a liberdade de pensamento. Há liberdade de meia dúzia de caras. O pensamento é dos que produzem o jornal, é dos jornalistas. Não é um problema de censura, é um problema de não entregar o controle a uma meia dúzia de famílias. Abrir para a sociedade, abrir para os que trabalham no jornal, ou na rádio ou na televisão, para que eles possam expressar sua opinião. E haver, sim, um controle ético de moralidade e impedir certas indignidades.

O notável jurista está confundindo empresa jornalística com serviço público. Pensamento é de quem investe capital em um jornal, não dos jornalistas que só investem trabalho. Só o que faltava eu criar um órgão de imprensa para que meus funcionários, em nome da liberdade de pensamento, defendam um regime comunista. Verdade que inclusive esta liberdade existe, sempre temos os freis Bettos e Boffs da vida assinando artigos no Estadão ou na Folha. Daí a ter toda uma redação defendendo a morte ao capitalismo vai uma longa distância.

O espantoso é que estes senhores parecem ter perdido totalmente o sentido da lógica e o senso do ridículo. Os insignes juristas estão se comportando como rábulas.