¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, novembro 16, 2012
 
SOBRE A MINHA ABOMINAÇÃO
A BRASILEIROS NO EXTERIOR



De uma boa amiga, recebo:

Caro Janer, tudo bem?

A respeito de teu post "Sobre meu desapreço pelas coisas nossas", gostaria de compartilhar contigo uma experiência insólita que tive recentemente. Cerca de seis meses atrás, fui passar o dia em Bruges, Bélgica. Após apreciar, encantada, as belezas e arquitetura dessa cidade única, eu quis comprar uma sobremesa, e o lugar mais próximo e com preços mais aprazíveis era no fast food Quick, localizado no Markt. Fui-me ao Quick. Ao chegar lá, tive um choque ao perceber dois casais brasileiros, à minha frente na fila. Ambos os casais de meia-idade, eles vestindo, orgulhosos, camisas da Seleção e elas com um ar enfadado, como se estivessem achando tudo um saco e loucas para retornarem à Pindorama. Pro meu espanto, uma das mulheres vai fazer os pedidos e insiste em falar com a moça em português, e pior, esperandoser entendida. A belga, calma e educadamente, explica que fala flamengo, francês, inglês e alemão, mas que não compreende aquela língua que a brasileira falava.

Ela pedia talheres, e diante da impassividade da belga, a mulher simplesmente "estoura", e começa a gritar com a moça, fazendo gestos bem exagerados, como levar comida à boca, dizendo: "CO-LHER!!", "CO-MER!!". Diante dessa grosseria totalmente desnecessária, a belga finalmente compreende o que a brasileira queria e, atônita, lhe estende alguns talheres descartáveis. Pra completar, quando eu saio de lá com meu pedido, passo perto da mesa à qual esses mesmos brasileiros estão sentados, e escuto-os reclamando que em Bruges não tem "alegria". Vai ver, queriam uma batucada e uma cabrocha rebolando em pleno Markt.

Confesso que fazia muito tempo que eu não sentia tanta vergonha alheia. Por isso, concordo contigo quando dizes que tem pessoas que não merecem a Europa.

Abraços,
Ana

Sim, conheço isso de perto, caríssima. Mas você não podia esperar comportamento diferente de brasileiros vestindo camisas da Seleção. São a escória da raça humana. Mal vejo estes animais, escondo minha nacionalidade. Arrisca quererem confraternizar. Aliás, este é outro vício de brasileiro no Exterior. No Brasil, mal notariam sua presença. No Exterior, de repente se sentem íntimos.

Conheci de perto brasileiros que, mal chegados a Paris, querem descobrir um restaurante onde se possa comer uma boa feijoadinha. Este turista deveria ser repatriado incontinenti. Há aqueles que não falam francês – e nem mesmo inglês – e se julgam no direito de falar português em qualquer loja ou restaurante. Tive certa vez em minha mesa uma brasileira que pedia ao garçom: “Eu quero galinha”. Como o garçom não entendia, escandiu lentamente as sílabas: “Eu-que-ro-ga-li-nha”. Juro que vi. Esta deveria ser lançada às oubliettes que ainda restam às margens do Sena. Oubliettes eram cubículos escuros escavados na rocha de castelos e fortalezas, onde os prisioneiros eram esquecidos (oubliés, daí oubliettes) e não tinham vocação alguma para dali sair vivos.

Quando vivia em Paris, final dos anos 70, escrevia crônica diária num jornal gaúcho e deixava endereço e telefone ao final da crônica. Certa vez, telefonou-me um leitor, convidando-me para uma janta. “Mas vê se encontra um restaurante brasileiro, pra gente comer uma comidinha das nossas”. Ora, eu já estava há uns três anos em Paris, e jamais me havia ocorrido entrar em um restaurante brasileiro.

Imaginei que vivesse há muito tempo no estrangeiro e estivesse com saudades de uma feijoada. Nada disso. Estava há apenas três dias na Europa – já havia feito dois países - e já queria comidinha das nossas. É preciso ser muito bruto para ignorar toda a culinária européia e querer de chegada comidinha das nossas. Aliás, também é preciso ser bruto para fazer dois países em três dias. Claro que o mandei pastar.

Quanto à moça que queria ga-li-nha, era mulher de um amigo meu. Eu não tinha nada com isso e relevei. Mas quis o destino que mais tarde eu viajasse com duas gaúchas. Uma delas falava direto em português em Paris. Quando reclamei, objetou: mas eu não sei francês. Ora, que custa a uma pessoa aprender as expressões básicas da língua do país que visita, que mais não seja para comunicar-se com o garçom? Antes de qualquer viagem, não importa para que país vá, pego uma lista básica de palavras daquele país. Não são muitas. Bom dia, boa noite, por favor, muito obrigado, quanto custa, nomes de pratos saber contar até cem. Isto ajuda muito e seu esforço o torna simpático a quem o atende.

É por tais razões que os ianques são mal vistos na Europa. Em sua arrogância, acham que o mundo todo tem obrigação de conhecer inglês. Falar nisso, não tente falar inglês na França. Você até pode ser entendido, mas não será tratado exatamente com cortesia. Daí deve advir a fama de mal-humorados dos garçons franceses. Eu, que lá vivi quatro anos, e que para lá volto quase todos os anos desde os 70, jamais encontrei um garçom mal-humorado ou mal-educado em Paris. Jamais tentei falar em inglês com eles. Nem mesmo em português.

Claro que cortei relações com a moça que só falava português com os franceses. É o risco de viajarmos com quem não conhecemos bem. Viajar é muito delicado e pode gerar desentendimentos irremediáveis. Na Espanha, ela aprontou-me outra. Disse-me que não gostava da grosseria dos garçons de Madri. Mais uma vez, perplexidade de minha parte. Morei um ano lá e só tenho boas lembranças dos camareros. Nos almoços, eu pedia pratos executivos, excelentes e baratos (na época, 1987, custavam o equivalente de quatro a seis ou sete dólares). O comensal tinha direito a media botella de vino. Em geral, vinha uma garrafa inteira. Quando eu reclamava ao garçom, vinha a resposta de volta:

- Beba lo que quiera, caballero.

Minha companheira alegou que, em outra viagem, levantara o braço para chamar um garçom e ele a repreendera, que aquilo não era maneira de chamar um garçom. Duvidei do que ouvia. Vamos a Madri – sugeri. Vou te mostrar como isso não existe.

Fomos. Tudo transcorreu bem, até o infeliz dos dias em que ela resolveu chamar um garçom. Levantou o braço, mas não só isso. Estalou os dedos. Ora, duvido que exista algum país no mundo em que um garçom não se importe de ser chamado como se chama cachorro. Pelo jeito, a moça não sabia chamar garçom nem mesmo no Brasil. Viajar com desconhecidas é perigoso.

Em meus dias de Florianópolis, uma colega de magistério viajou para a Espanha. Passei-lhe os melhores endereços gastronômicos de Madri e Barcelona. Melhores não só pela bona-xira, mas também pelo ambiente, pelos séculos de existência. Quando ela voltou, perguntei-lhe o que havia achado daqueles restaurantes que adoro.
- Não sei. Só comi em McDonalds.

Ir à Espanha, país de uma culinária soberba, e só comer nos Mcs? Isso é gente que envergonha a raça humana. Exclui a moça de minhas relações. No fundo, até que a entendo. É pessoa que tem medo de enfrentar um cardápio em outra língua. Medo da aventura, do desconhecido. Nos Mcs, ela sabe precisamente o que vai comer. Os Big Macs são sempre iguais em todo mundo. Mas não me agrada conviver com covardes.

Desde há muito comento o comportamento deste tipo de viajante. Há multidões de turistas – e não só brasileiros – correndo desesperados, como formigas antes de um temporal, para tirar rapidamente uma foto em frente à Torre Eiffel, ao Arco do Triunfo, ao Louvre, ao Pompidou, enfim, posando ao lado de cada ícone de Paris, ou de outras cidades. Os ângulos para fotos são disputados ombro a ombro. A correria é grande e não permite sequer curtir com vagar um bom restaurante. Fazem Paris em dois dias, Roma em três, Bruxelas e Amsterdã num dia só, acabam visitando 10 países em quinze dias e voltam orgulhosos: “eu conheci a Europa”. As fotos da viagem constituirão uma prova de que lá estiveram e só servem para aborrecer amigos e parentes.

Assisti a cenas horripilantes em minhas viagens. Em Madri, vi um grupo de uns trinta japoneses, entrando entusiasticamente... em um restaurante japonês. Como pode uma excursão partir das antípodas para comer exatamente a mesma comida que comem em casa? Vi grupo de brasileiros, todos de verde e amarelo ou enrolados na bandeira nacional, desfilando pelas ruas de Roma, como se algum orgulho houvesse em portar a bandeira de um país que elegeu e reelegeu como presidente um analfabeto. Vi milhares de pessoas em Bruxelas, rumando em grupos para tirar uma foto junto aquele bonequinho ridículo, o Manneken Pis. Isso sem falar naqueles que querem ver a Bastilha, em Paris. “Mais Monsieur, nous l’avons tombée dépuis belle lurette”, ouvi uma verdureira, espantada, responder. “Senhor, nós a derrubamos já faz muito tempo”.

Isso sem falar nas multidões que irrompem nos grandes magazines, para comprar perfumes e lingerie. Como se Paris se resumisse a perfumes e lingerie. Se você encontrar em uma fila de aeroporto um casal com um carrinho com quatro ou cinco malas imensas, pode apostar: são brasileiros. Turista inteligente viaja com pouca bagagem. Mais ainda: se você vir alguém em uma loja, tentando pagar suas compras em dólares, pode apostar: são brasileiros. Acostumados a viver num país cuja moeda durante muito tempo foi motivo de piada, não entendem que estão em país que se orgulha de sua própria moeda.

A esta gente, a Europa deveria ser proibida. Deveriam ficar aqui no Brasil mesmo, discutindo futebol e as novelas da Globo.