¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, abril 09, 2013
 
FINALMENTE UM NOBEL GAÚCHO


Desta vez vai. De Uruguaiana para o panteon universal das Letras. Da rude pampa da Fronteira Oeste para a glória no país dos hiperbóreos. Membro da Associação Gaúcha de Escritores e da Academia Rio-grandense de Letras, autor da obra poética mais extensa das letras portuguesas, Luiz de Miranda foi finalmente indicado para o Nobel de Letras, pela PUC gaúcha. Justiça ainda que tardia. Já correm boatos de que, uma vez obtido o galardão, o sublime vate será eleito patrono da Feira do Livro de Porto Alegre.

Sempre atento aos fenômenos literários que ocorriam à minha volta, há 37 anos saudei a jovem promessa no Caderno de Sábado do Correio do Povo.


TRÊS APROXIMAÇÕES DA POÉTICA GAÚCHA CONTEMPORÂNEA

O Abajur de Píndaro & Fabricação do Real traz de volta Armindo Trevisan, de poesia inteira, plenitude, entre nós, do equilíbrio da forma e do conteúdo. É a voz alta da poesia em devesa de um céu mais amplo para o homem — onde se tem, por referências maiores, justiça e liberdade. Ainda que o poeta saiba das oscilações dos tempos e climas, ele se coloca com coragem, em defesa do Homem.

Coração aberto a cobrir com água tua cidade
ar antes da chama no fundo da luz
pedra em branco sobre o ar preso na rede
cujo peixe constrói o sol
corpo de operário


Com palavras candentes, o autor consegue construir seus poemas em cima de uma visão bem mais complexa das relações entre a sua linguagem e a realidade. E, particularmente, de uma visão complexa e rica de seu instrumento específico de trabalho — a linguagem. Sua técnica fragmentária é conseqüência coerente dos temas escolhidos e da maneira de abordá-los. Não há, em O Abajur de Píndaro & Fabricação do Real, aquela gratuidade de processos que desqualifica tantos poetas novos. Pelo contrário, o experimento poético é, em Trevisan, uma necessidade que nasce da própria temática abordada. Pode-se dizer que o corpo de seus poemas, despedaçado em sua unidade, justapondo coisas heterogêneas numa colagem fascinante, é imagem da própria realidade que o poeta tenta fixar.

A pele do cavalo
vai até o céu
na casa
no poço
de papel
o fuzil bebe o silêncio


Trevisan é um dos nossos poetas mais lúcidos, uma das vozes mais graves e altas de nossa poesia em todos os tempos. É um poeta de faca na bota. Que sabe responder aos desafios intelectuais com um testemunho que sempre procurou expressar a partir de uma proposta ao nível dos mais legítimos interesses do seu povo. E desde Santa Maria, até um lugar esquecido de nossa América, onde alguém morra em luta pela liberdade que nasce no coração do homem, ele canta. E o seu canto cresce como um coro, porque ele pega pela palavra a realidade próxima de cada um.

* * *

Memorial traz de volta Luís de Miranda, de poesia inteira, plenitude, entre nós, do equilíbrio da forma e do conteúdo. É a voz alta da poesia em devesa de um céu mais amplo para o homem — onde se tem, por referências maiores, justiça e liberdade. Ainda que o poeta saiba das oscilações dos tempos e climas, ele se coloca com coragem, em defesa do Homem.

Onde tenho a injustiça
me detenho
não há entrave no meu canto
e canto (prova mais dura
de ser presente — não aparente)
o que resiste e sem demora
veste a roupa de sua hora


Com palavras candentes, o autor consegue construir seus poemas em cima de uma visão bem mais complexa das relações entre a sua linguagem e a realidade. E, particularmente, de uma visão complexa e rica de seu instrumento específico de trabalho — a linguagem. Sua técnica fragmentária é conseqüência coerente dos temas escolhidos e da maneira de abordá-los. Não há, em Memorial, aquela gratuidade de processos que desqualifica tantos poetas novos. Pelo contrário, o experimento poético é, em De Miranda, uma necessidade que nasce da própria temática abordada. Pode-se dizer que o corpo de seus poemas, despedaçado em sua unidade, justapondo coisas heterogêneas numa colagem fascinante, é imagem da própria realidade que o poeta tenta fixar.

“Flores” serás
ainda os dias erguidos
a meia voz
com chumbo nas bordas
pois já armei os dias na esperança
com muitos cavalos de insônia.


De Miranda é um dos nossos poetas mais lúcidos, uma das vozes mais graves e altas de nossa poesia em todos os tempos. É um poeta de faca na bota. Que sabe responder aos desafios intelectuais com um testemunho que sempre procurou expressar a partir de uma proposta ao nível dos mais legítimos interesses do seu povo. E desde Santa Maria, até um lugar esquecido de nossa América, onde alguém morra em luta pela liberdade que nasce no coração do homem, ele canta. E o seu canto cresce como um coro, porque ele pega pela palavra a realidade próxima de cada um.

* * *

Ordenações traz de volta Carlos Nejar, de poesia inteira, plenitude, entre nós, do equilíbrio da forma e do conteúdo. É a voz alta da poesia em devesa de um céu mais amplo para o homem — onde se tem, por referências maiores, justiça e liberdade. Ainda que o poeta saiba das oscilações dos tempos e climas, ele se coloca com coragem, em defesa do Homem.

Encontrei o humano
— o seu rosto inteiro —
não somente traços.
Já posso tangê-lo
posso conferi-lo
O que ele sente
é o estar ausente.


Com palavras candentes, o autor consegue construir seus poemas em cima de uma visão bem mais complexa das relações entre a sua linguagem e a realidade. E, particularmente, de uma visão complexa e rica de seu instrumento específico de trabalho — a linguagem. Sua técnica fragmentária é conseqüência coerente dos temas escolhidos e da maneira de abordá-los. Não há, em Ordenações, aquela gratuidade de processos que desqualifica tantos poetas novos. Pelo contrário, o experimento poético é, em Nejar, uma necessidade que nasce da própria temática abordada. Pode-se dizer que o corpo de seus poemas, despedaçado em sua unidade, justapondo coisas heterogêneas numa colagem fascinante, é imagem da própria realidade que o poeta tenta fixar.

Buscas o que te busca
Escutas a lamúria, sem telégrafo,
dos que a esposam, viúva.


Nejar é um dos nossos poetas mais lúcidos, uma das vozes mais graves e altas de nossa poesia em todos os tempos. É um poeta de faca na bota. Que sabe responder aos desafios intelectuais com um testemunho que sempre procurou expressar a partir de uma proposta ao nível dos mais legítimos interesses do seu povo. E desde Santa Maria, até um lugar esquecido de nossa América, onde alguém morra em luta pela liberdade que nasce no coração do homem, ele canta. E o seu canto cresce como um coro, porque ele pega pela palavra a realidade próxima de cada um.

(Porto Alegre, Correio do Povo, 28/02/76)

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Para entender o caso – O texto que se repete três vezes é de Luiz de Miranda, sobre a poesia de Ferreira Gullar. Como nada queria dizer - e os poemas muito menos - retirei o nome e os textos de Gullar e os substitui pelos textos de Nejar, Trevisan e do próprio Miranda. Caíram como uma luva. Fica como sugestão aos vestibulandos para análises da poesia contemporânea.

Parece que o sábado foi dominado pela perplexidade, pelo menos para os três vates. Trevisan, o primeiro citado, deve ter pensado: “Finalmente alguém me entendeu”. Nejar deve ter ficado boiando. Mas Miranda, este certamente me entendeu.