¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, agosto 12, 2013
 
O PAPA E O RESPEITO IMPOSSÍVEL


O papa Francisco expressou neste domingo, durante a tradicional reza do Ângelus, seu desejo de que os cristãos e os muçulmanos se comprometam a promover o "respeito mútuo", sobretudo através da educação dos mais jovens.

Os antigos papas não lembraram que o dogma aprisiona os papas futuros, e os atuais papas esquecem que estão presos a dogmas antigos. Que respeito mútuo pode existir entre católicos e muçulmanos, quando para os católicos todo muçulmano está condenado ao fogo do inferno?

Extra ecclesia nulla sallus. Fora da Igreja não há salvação. Este é um dos dogmas da Igreja, definido pela primeira vez no Concílio de Latrão (1215) e mais tarde pelo Concílio de Florença:

"A Santíssima Igreja Romana crê, professa e prega firmemente que ninguém que não esteja dentro da Igreja Católica - não apenas pagãos, mas também judeus, heréticos e cismáticos - jamais poderá tornar-se partícipe da vida eterna, mas que será votado ao fogo eterno, "que foi preparado para o demônio e seus anjos" (Mt 25, 41), a não ser que, antes da morte, se una a ela; e que tão importante é a unidade deste Corpo Eclesiástico, que apenas aqueles que permanecem dentro desta unidade podem lucrar dos sacramentos da Igreja para a salvação, e que apenas eles poderão receber recompensa eterna por seus jejuns, suas esmolas, e outros trabalhos de piedade cristã e deveres de soldado cristão. Ninguém, não importa quão grandes e numerosas sejam suas esmolas, ninguém, ainda que verta seu sangue em nome de Cristo, poderá ser salvo se não permanecer no seio e na unidade da Igreja Católica."

Diga-se de passagem, do inferno não escapavam nem crianças inocentes. A rigor, nem os que haviam nascido antes da instituição do batismo. Para resolver o impasse, a Igreja criou primeiro o limbus patrum, para onde vão os justos, como Abraão e Moisés, que viveram antes do Cristo. Segundo, o limbus parvulorum ou limbus infantium, onde ficam os bebês mortos sem batismo. Como carregam a culpa do pecado original mas não cometeram pecados pessoais, não podem ser premiados com o céu nem castigados com o inferno.

O limbo nunca constituiu dogma, era apenas uma posição doutrinária do catolicismo. Ocorre que os papas, a cada vez que tentam espanar a poeira dos séculos do carro da Igreja, criam mais perguntas que respostas. A emenda saiu pior do que o soneto.

Verdade que teólogos mais moderninhos pretendem que a salvação não está presa entre as paredes da Igreja, pois existem em algumas igrejas elementos de salvação. Entretanto, “não podem salvar-se aqueles que, sabendo que a Igreja católica foi fundada por Deus por meio de Jesus Cristo como instituição necessária, apesar disso não quiseram nela entrar ou nela perseverar”(Lumem gentium 14).

Quer dizer, fica o dito pelo não dito. Há uns sete ou oito anos, alertei meus leitores para uma notícia de vital importância para o gênero humano. Em dezembro de 2005, os teólogos do Vaticano se preparavam para recomendar ao papa Bento XVI o fim da idéia de limbo, o lugar para o qual iam, segundo as crenças católicas, as almas das crianças que morreram sem serem batizadas. Conforme a proposta, essas crianças iriam direto ao paraíso graças à "infinita misericórdia de Deus".

Segundo a doutrina do pecado original - comentei então - todo ser humano nasce com folha corrida. Sem batismo, nada de paraíso. Santo Agostinho considerava que os bebês não batizados iam direto ao inferno, embora tenha ressalvado que seu sofrimento seria de alguma forma mitigado. O Concílio de Cartago, do ano 418, negou a estes bebês a felicidade eterna. A Comissão Teológica Internacional (CTI) - colegiado composto de uma trintena de teólogos católicos - recomendava então abolir a noção de limbo de todo o ensino do catecismo católico. Já em outubro de 2004, Sua Santidade o papa João Paulo II considerava o tema de máxima importância e pedira à CTI que elaborasse "uma maneira mais coerente e ilustrada" de descrever, dentro da ortodoxia católica, o destino dos bebês mortos em inocência.

Se para a Igreja até uma criança nasce culpada, que tolerância se pode esperar para adultos de outra religião? Não seria necessário alegar o dogma do “extra ecclesia”. Um deus que se pretende único significa que todos os demais deuses são falsos. Coerente era o velho Jeová, que mandava destruir os altares de outros deuses e queimar suas imagens esculpidas. Um católico só pode considerar Alá uma contrafação. Como então pedir respeito aos muçulmanos?

Muito menos os muçulmanos podem respeitar os católicos. Não está escrito no Corão sobre os infiéis: "Matai-os onde quer que os encontreis" (sura 2:191)? Ou sura 4:91: "...capturai-os e matai-os, onde quer que os acheis, porque sobre isto vos concedemos autoridade absoluta".

Coerente com o Livro, a Igreja de Roma, ao longo de seu percurso, destruiu não poucos templos de outros deuses. Em 391, uma multidão de cristãos, guiados por Santo Atanásio e Santo Teófilo, pôs abaixo o templo e a enorme estátua de Serapis, em Alexandria, duas obras-primas da antiguidade. Em 412, Santo Cirilo, doutor da Igreja, à frente duma multidão de cristãos, incendiou as sinagogas da cidade e fez fugir os judeus.

Verdade que a Igreja, com o tempo, deixou de queimar sinagogas. Passou a queimar judeus. Sempre de Bíblia em punho. Quanto aos muçulmanos, até hoje estão massacrando os cristãos. Há três anos, na Nigéria, os fiéis a Alá chacinaram mais de 500 cristãos. Sempre em nome do Corão.

Nem a Igreja nem o Islã renunciam a seus livros sagrados. Soa então a suma hipocrisia do Sumo Pontífice fazer apelos ao respeito mútuo. Se o papa quer respeito mútuo, primeiro tem de queimar a Bíblia e depois fazer tábula rasa de seus dogmas.

Mas aí a Igreja não seria mais a Igreja. Ainda este ano, quando a imprensa via perspectivas de revolução na Igreja com a eleição do argentino, eu afirmava que revolução mesmo, só quando um papa afirmar ex-catedra:

“Isso de céu, inferno e purgatório são cantigas para ninar pardais. Se a vida de muitos irmãos já é um inferno aqui na terra, para que condená-los a mais um depois da morte? Céu? Depois do Galileu, não há planeta para abrigá-lo. Purgatório foi apenas um achado, em época em que a Igreja andava mal das pernas, para juntar alguns trocados para a obra divina. Tudo o mais é negociável. E antes que me esqueça: Deus não existe”.

Como papa algum jamais dirá isto...