¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, agosto 04, 2013
 
SENADOR PETISTA
CENSURA HISTÓRIA



Em artigo assinado por Francisco Marshall, historiador e professor do Departamento de História do IFCH-UFRGS, leio na Zero Hora de hoje que tramita em regime de urgência no Congresso Nacional o PL 4.699/2012, do senador petista - et pour cause! - Paulo Paim, que trata da profissionalização de historiador.

“O projeto assegura aos historiadores diplomados prerrogativas exclusivas e interdições que atingirão a pesquisa e a difusão do conhecimento histórico – continua o jornal -. O privilégio pretendido encaminha conflitos com os historiadores temáticos, que tratam da História da Arte, das Ciências ou da Literatura, entre muitas especialidades de consistente tradição e relevância. Estes conflitos, decorrentes da luta corporativa por reserva de mercado, já motivaram protestos até da Academia Brasileira de Ciências e da SBPC, e abrem questões de interesse amplo e grave: há benefício social na regulamentação da profissão de historiador, e riscos reais em sua inexistência? Caso existam, estes riscos são tais que justifiquem os transtornos prometidos pelo exclusivismo? Deve a memória histórica ser atribuição exclusiva de certo segmento técnico?”.

Há muito venho escrevendo sobre a mania de regulamentações no Brasil. Já houve até projeto de regulamentação da profissão de astrólogo e – justiça seja feita – não foi iniciativa de Aiatolavo, mas do finado senador Artur da Távola. Que pretendia ainda em vida regulamentar também a profissão de filósofo. O serviço sujo acabou sendo confiado a um outro deputado gaúcho, Giovanni Cherini.

Reza o artigo 5º da proposta: “Admitir-se-á, igualmente, a formação de empresas ou entidades de prestação de serviço previstos nesta Lei, desde que as mesmas mantenham Filósofo como responsável técnico e não cometam atividades privativas de Filósofo a pessoas não habilitadas.” Filósofo passa a necessitar de habilitação para filosofar. O leitor que se cuide quando estiver falando com seus botões. Pode estar filosofando irregularmente, sem capacitação para tanto.

Não me espantaria que o projeto fosse aprovado. Em país em que jornalista, artista e músico são profissões regulamentadas, nada mais me surpreende. Escrevi dezenas de artigos contra esta pressão das guildas sobre o livre exercício de profissões que, por sua natureza, não podem ser regulamentadas.

Ano passado, quando o projeto passou no Senado, em crônica intitulada “Pode um historiador meter o dedo na história?”, escrevi sobre o projeto de Paulo Paim:

Autor da obra? O famigerado senador petista. Não bastasse ter regulamentado a profissão de negro, regulamenta agora a profissão de historiador. O Brasil adora regulamentações. Em 69, os militares regulamentaram a profissão de jornalismo, ofício que em país algum do mundo civilizado é regulamentado. As esquerdas, que sempre condenaram os militares, assumiram com entusiasmo o decreto da ditadura. Afinal, serve para controlar a liberdade de expressão e pensamento. Então é salutar, digno e justo.

Quem não lembra de 1984? Na distopia proposta por Orwell, o Estado controlava toda a informação disponível. A história era constantemente reescrita, de acordo com as resoluções do Ministério da Verdade. Winston, o protagonista principal da obra, tinha por função reescrever reportagens anteriores do Times para que o Partido parecesse sempre estar certo nas suas decisões. É o sonho de um outro partido, o PT. Controlando o jornalismo, controla a história presente. Controlando a historiografia, controla o passado. Controlando presente e passado, controla também o futuro.

“A questão central é sobre a natureza e a potência do conhecimento histórico. Há um método que se aprende apenas tirando diploma? – pergunta-se o professor Marshall -. A posse deste método assegura grau superior e exclusivo para o exame do passado? Esta exclusividade resulta em bem social? Pode o desenvolvimento da investigação histórica ser tolhido de toda a parcela da sociedade não diplomada, e confiada a uma guilda de fornecedores do conhecimento?

Ora, no que dependesse de Paulo Paim, Heródoto não teria escrito suas Histórias. Não tinha diploma. Ernesto Renan teria exercido ilegalmente a profissão, ao escrever os sete volumes de sua colossal história do cristianismo, mais outros tantos da história do judaísmo. No Brasil, um dos mais prolíficos estudiosos de nossa história, Hélio Silva, cuja obra é fundamental para o entendimento do ciclo de Vargas, era médico por formação. Especialização? Proctologia. Pelo projeto ora aprovado, proctologistas não devem meter o dedo na História.

A pretensão do senador é ridícula. Se alguém quiser escrever uma história da matemática ou da medicina, da astronomia ou da gastronomia, da arquitetura, da música ou da pintura, não precisa ser matemático ou médico, nem astrônomo ou arquiteto, nem precisa ter conhecimentos de música, gastronomia ou pintura. Basta ter o diploma do curso de História. De certa forma, estão proibidas as biografias. Biografia é história e biógrafos, de modo geral, não têm diploma de história.

Mais algumas perguntinhas, para acrescer às feitas pelo professor Marshall: se a mim, cronista, me ocorre escrever a história da crônica no Brasil, estaria proibido de escrevê-la? Se a um chef – ou simples amante da boa cozinha – ocorre percorrer a história de nossos hábitos alimentares, estaria proibido de fazê-lo? Se a um engenheiro especializado na produção de vidro apetece escrever uma história do vidro, precisaria primeiro freqüentar um curso de história antes de escrevê-la?

O ridículo é o mesmo que embasa a exigência de diploma para jornalistas. Jornalista não é quem domina uma área do conhecimento, mas quem tem curso de jornalismo. A coisa passou no Senado e agora arrisca virar lei. A nuvem de estupidez continua pairando sobre a casa. Dos 81 senadores, só dois votaram contra o absurdo.

Paulo Paim é o senador que mais desserviços tem prestado ao país. É também de sua autoria um outro monstrengo jurídico, o projeto de lei n° 3.198/2000, também chamado de Estatuto da Igualdade Racial, sancionado por Lula. A lei racista entrou em vigor em 20 de outubro de 2010. De uma só tacada, Paulo Paim exterminou legalmente os mulatos do território pátrio: "para efeito deste Estatuto, consideram-se afro-brasileiros as pessoas que se classificam como tais e/ou como negros, pretos, pardos ou definição análoga".

Escritores já se mobilizam para regulamentar seu ofício. Há mais de uma década, um medíocre cronista do Estadão, o Mário Prata, já pedia a regulamentação da profissão. A quem beneficia tais reservas de mercado? Em primeiro lugar, às guildas. Em segundo, a um partido que até hoje não perdeu seu viés stalinista e até hoje tenta, por todos os meios, esmagar a liberdade de expressão no país.

Os revolucionários da “Revolução de Junho de 2013”, preocupados em transferir o custo de seus transportes ao contribuinte, ignoraram este atentado ao livre pensamento, muito mais grave e ditatorial que o preço de um bilhete.

Não à corrupção pode ser uma bandeira nobre. Mas corrupção jamais deixará de existir enquanto o pensamento for vigiado e proibido. Se passar o projeto do senador, a história do Brasil doravante será feita não por quem a estuda, mas por burocratas que dela se pretendem donos.