¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, agosto 14, 2013
 
VIGARICE AINDA NÃO
FOI REGULAMENTADA



Falei há pouco da auto-regulamentação da profissão de astrólogo – doravante denominados cosmoanalistas. Parece que a antiga denominação se desgastou com o tempo. Cosmoanalista soa melhor. Mas se a moda pega, a criatividade tupiniquim terá um vasto campo para exercitar a imaginação.

Me pergunta um leitor: “mas e os psicanalistas também não são auto-regulamentados?” Boa lembrança. Psicanalista não é profissão regulamentada por lei. A rigor, se você não tem profissão alguma nem pai ou mãe que o sustente, você pode pendurar uma plaquinha na porta de seu apartamento e ir tocando a vida. Basta um pouco de lábia ou talvez nem isso. Os psicanalisandos adoram psicanalistas que não falam e os deixam falar. Afinal, estão pagando para serem ouvidos.

Ainda hoje há quem não acredite que a profissão destes gigolôs das angústias humanas não esteja regulamentada. Pois não está e isto nada tem de novo. Levantei a lebre ainda nos anos 70, quando cronicava em Porto Alegre. Escrevi que ser psicanalista dispensava curso universitário. Mais ainda, dispensava qualquer curso.

Na época, em São Paulo, após o curso de cinco anos, ao preço de dez ou quinze mil cruzeiros por mês, pessoas sem o pré-requisito do curso de medicina podiam exercer a profissão de psicanalista. Enquanto 38 alunos faziam o curso, outros cem esperavam na fila.

Na falta de regulamentação legal, os psicanalistas criaram suas igrejinhas, as associações e sociedades psicanalíticas. Teoricamente, só seria psicanalista quem pertence a tais clubinhos. Ocorre que regulamentar uma escola significa marginalizar as demais. Melhor deixar como está. Psicanalista algum tem interesse na regulamentação. Os clubes são tantos que nenhum vigarista pode acusar o colega de estar exercendo ilegalmente a profissão. Não deixa de ser uma auto-regulamentação.

A guilda reagiu com fúria à minha descoberta do óbvio. Um psiquiatra, lembro que chamado Ronaldo Moreira Brum, me acusou nos jornais de nada entender de medicina – como se psicanálise fosse medicina. Ok! Doutor. De medicina nada entendo. Mas entendo de Direito. E psicanalista não é profissão regulamentada. Portanto, qualquer um pode exercê-la. A propósito, tem muito engenheiro e economista desempregado no Brasil, que puseram plaquinha de psicanalista em seus escritórios para ganhar seu pão.

Uma psicóloga e jornalista, Ivete Brandalise, resolveu enfiar sua colher na sopa. Escreveu que devia existir uma lei que regulamentasse a profissão de psicanalista. Que ela, psicóloga, tinha uma lei que regulamentava a sua. Ora, a dita lei era um trenzinho da alegria, no qual embarcaram todos os licenciados em Filosofia. De filósofos, vaga e suspeita ocupação, viraram psicólogos. Ora, lei tem número e data. Desafiei a Brandalise, e também o Dr. Ronaldo, a me citar o número e a data da lei que regulamentava a profissão. Nunca tive resposta. Nem poderia ter.

A cada semana, começava minha crônica: “Enquanto o Dr. Ronaldo não nos fornece o número e a data da famosa lei que regulamenta a profissão de psicanalista...” Nunca forneceu. Soube mais tarde que propôs, em uma reunião da Amrigs (Associação dos Médicos do Rio Grande do Sul), que a entidade me processasse por calúnia. Ou talvez difamação, já não lembro. Prudentemente, a Amrigs decidiu que não iria dar atenção a “um jornalista em busca de sensacionalismo”.

De fato, os novéis cosmoanalistas seguiram caminho já trilhado. Mas, como os psicanalistas, jamais conseguirão acusar um colega de exercício ilegal da profissão. Vigarice, por milagre, ainda não está regulamentada no Brasil.