¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, setembro 05, 2014
 
A ARMADILHA DOS DOUTORADOS *


Em 2005, a Capes previa investir R$ 3,26 bilhões para aumentar o número de doutores por ano no Brasil. O Plano Nacional de Pós-Graduação apresentado ao então ministro da Educação, Tarso Genro, propunha a aplicação nos seis anos seguintes de R$ 1,66 bilhão a mais em bolsas e fomento de pós-graduação, o que permitiria passar dos 8.000 doutores titulados por ano para 16 mil em 2010. O plano “será acolhido integralmente", disse Genro na ocasião.

Se foi acolhido integralmente, não sei. Na época, falei da desmoralização do título de Doutor que, entre nós, se deve à universidade brasileira, ao distribuir doutorados a torto e a direito, como quem joga milho aos porcos. Não faltou quem protestasse. Que quem jogava milho aos porcos era a universidade francesa, com seus diversos doutorados, o Dr. Ingénieur, o Doctorat d’Université, o Doctorat de IIIe Cycle e o famigerado Doctorat d’État. Pode ser.

O missivista considerava que o único doutorado francês válido seria o Doctorat d’État. “Um doutorado na França é conhecido por doctorat d’Estat (sic!) e esse sim é equivalente o doutorado no Brasil. Lá existem vários tipos de doutorado, a maioria pode ser realizada em no máximo dois anos, à exceção do doctorat d’Estat (resic!), cuja duração é equivalente aos dos outros países – uns cinco anos. Quase todos os nossos intelectuais de esquerda fizeram um curso Troisiéme Cycle na França e se dizem doutores".

O ilustre especialista em doutorados – que escreveu sob pseudônimo – sequer sabia redigir corretamente a designação do título. Também ignorava que o Doctorat de IIIe Cycle se faz em quatro – eventualmente cinco – anos e que o famigerado doctorat d’Estat, como ele grafava , era feito em dez ou mais anos. O Doctorat de IIIe Cycle sempre foi reconhecido como doutorado em todos os países europeus. O d’État era tido como mais uma bizarrice dos galos.

Distorção da universidade francesa, servia como placebo ao desemprego, ao mesmo tempo que mantinha o doutorando afastado por uma boa década do mercado de trabalho. O candidato ao título desenvolvia teses monumentais, às vezes de quatro ou cinco volumes, que nem mesmo a banca julgadora lia na totalidade. Tais calhamaços ficavam entregues às traças e à poeira nas bibliotecas e a universidade francesa sequer percebia que delas poderia tirar algum lucro. Exportando para a Holanda, por exemplo, para fazer diques. O governo Mitterrand tomou consciência desta perversão acadêmica e a extinguiu. Agora existe apenas Doctorat, tout court.

Há horas venho afirmando que os doutorados são uma solene inutilidade. Ou melhor, uma armadilha acadêmica. Você faz um curso universitário e desemboca no desemprego. Para capear a adversidade, você se inscreve em mestrado. Mais quatro anos afastado do mercado de trabalho. Conclui o mestrado e de novo vê o breu pela frente. Seu professor, que precisa de doutorandos para cumprir sua carga horária enquanto folga em casa ou no Exterior, o convida para um doutorado. Você aceita, afinal está desempregado e a bolsa não é de se jogar fora. Mais quatro ou cinco anos fora do mercado.

Quando você vai ver, tem mais de trinta anos e nunca teve carteira de trabalho assinada. Em um país onde se tende a considerar que uma pessoa com 35 anos já é idosa, ou você tem pistolão na guilda e entra no magistério – para que a poleia sem fim dos doutorados continue rodando – ou vai talvez dirigir um táxi ou ser corretor de imóveis. Afinal, comer é preciso.

Isso sem falar no que chamei de mestrandos carecas. Entre as muitas anomalias da universidade brasileira estão os mestrandos quarentões. Aquela iniciação à pesquisa, pela qual o candidato deveria optar tão logo terminasse o curso superior, é adiada para uma idade em que do acadêmico já se espera obra consolidada. Pior mesmo, só os doutorados de terceira idade. Marmanjos de cinqüenta e mais anos, em idade de aposentar-se, postulando um título que só vai servir para pendurar junto com as chuteiras.

Mestrado não é para carecas. Já um doutorando, este deveria defender sua tese no máximo aos trinta e poucos, para que sua experiência em pesquisa possa ser útil ao ensino e à sociedade. Que mais não seja, é patético ver um homem já maduro humilhando-se, ao tentar iniciar-se em metodologias que devia desde jovem dominar. Isso sem falar em métodos que não passam de masturbação acadêmica, como ocorre na área das ditas Humanas. Na universidade brasileira, o doutorado nem sempre é visto como início de uma carreira, mas como louro a coroar a calva do acadêmico quando este está prestes a usar pijamas. Quem paga tais vaidades senis? Como sempre, o contribuinte.

Pelo jeito, os acadêmicos começam a se dar conta desta catástrofe. Acabo de receber artigo de Mark C. Taylor, presidente do departamento de religião da Universidade de Columbia em Nova York e autor de Crise no Campus: um plano arrojado para reforma das nossas Faculdades e Universidades (Knopf, 2010). Em seu ensaio, o professor considera que o sistema de doutorado nos Estados Unidos e em muitos outros países é insustentável e precisa de ser remodelado. Em muitos campos, ele cria apenas uma fantasia cruel de um futuro emprego, que promove o auto-interesse dos membros do corpo docente, em detrimento dos estudantes. A realidade é que existem poucos empregos para as pessoas que gastaram até doze anos em sua formação.

“A maioria dos programas de educação-doutoramento está em conformidade com um modelo definido nas universidades européias durante a Idade Média, em que a educação era um processo de clonagem, que treinava os estudantes para fazer o que os seus mentores faziam. Os clones já ultrapassam o número de seus mentores. O mercado de trabalho acadêmico entrou em colapso em 1970 e as universidades ainda não se ajustaram as suas políticas de admissão, porque precisam de estudantes de pós-graduação para trabalhar nos laboratórios e como assistentes de ensino. Mas uma vez que os alunos terminam o ensino, não existem trabalhos acadêmicos para eles.

Para o professor Taylor, só há duas saídas: reformar radicalmente os programas de doutoramento ou fechá-los. “A especialização levou a áreas de investigação tão estreitas que são de interesse apenas para outras pessoas que trabalham nos mesmos domínios, subcampos ou sub-subcampos. Muitos pesquisadores lutam para conversar com colegas do mesmo departamento, e comunicação entre departamentos e disciplinas podem ser impossíveis".

A bicicleta precisa continuar rodando. Milhões de teses no mundo todo, que já não cabem nas bibliotecas oficiais, precisam de anexos para serem guardadas. Guardadas para quê? Para juntar pó. Uma tese é algo que sai caro ao Estado. É preciso subsidiar os graduandos e os professores que os orientam. Deveria ter retorno aos contribuintes que, no fundo, são quem as financiam. Você já viu alguma tese publicada? Às vezes encontramos alguma, mas precisamos pagar por ela. O doutor recebe para redigi-la e depois cobra de novo para que seja lida.

Se o Brasil eliminasse hoje seus cursos de doutorado, não me parece que perderíamos grande coisa. (Vou mais longe: cursos de Letras, Filosofia ou Sociologia não fazem falta alguma). Os professores americanos parecem estar despertando para o problema. Como o Brasil adora importar modas ianques, seria salutar que esta postura chegasse até nós.

Mas não vai chegar. O Brasil prefere importar rock, blockbusters e outras mediocridades do Primeiro Mundo. Do melhor que acontece lá, Pindorama só quer distância.

PS – O artigo do professor Mark Taylor pode ser lido na íntegra em http://www.nature.com/news/2011/110420/full/472261a.html

* 11/05/2011

quarta-feira, setembro 03, 2014
 
NEGRO PODE,
BRANCO NÃO *



Há uns bons três anos, ao comentar o episódio de dois gêmeos idênticos que foram considerados como branco e negro pelo sistema de cotas, a revista Veja rendeu-se vilmente ao politicamente correto e titulou com gosto na capa:

É mais uma prova de que
RAÇA NÃO EXISTE


Veja sofismava. Se os responsáveis pelo sistema de cotas se enganaram, isto nada tem a ver com a existência ou não de raça. Se afirmo que preto é branco e branco é preto, isto nada tem a ver com a existência ou não do preto ou do branco. Se raça não existe – comentei na época - vamos então parar de falar em dálmatas, buldogs, bassets, beagles, dobermanns, filas, chihuahuas, chowchows, cockers, malteses, pequineses, pitbulls, poodles, yorkshires, São Bernardos, rottweilers. Nem nas mais de 400 raças caninas.

Tampouco se fale mais, quando se trata de cavalos, em raças árabe, crioula, Holsteiner, manga larga, puros sangues ingleses, espanhóis e lusitanos, lipizzaners, appaloosa e quartos de milha, percherons, paint horses, campolinas, favacho, JB, Bela Cruz. Nem nas mais de 100 outras raças conhecidas.

Abominável racismo falar em bois zebu, Aberdeen-Angus, Nelore, Hereford, Limousine, Brahman, Gir, Guzerá, holandês, charolês. Ou em ovinos merino, Texel, Île-de-France, Suffolk, Hampshire Down, Poli Dorset, Corriedale, Ideal, Laucane, Bordaleira. Tenha também respeito pelos galináceos. Elimine de seu vocabulário palavras como Legorne, D’Angola, Cochinchina, Hamburguesa, Brahma e Plymouth.

Ou alguém pretende que raça só exista no reino animal? Quando surge o Homo sapiens, este ser excelso, tocado pela graça divina, raça deixa de existir?

Um ano depois, o politicamente correto voltou a atacar. Desta vez, através do livro Humanidade sem Raças, do doutor em genética humana Sérgio Pena, editado pela Publifolha. O autor defende a tese de que as raças e o racismo são uma invenção recente na história da humanidade. E o conceito de "raças humanas" surgiu e ganhou força com base em interesses de determinados grupos humanos, que necessitavam de justificativas para a dominação sobre outros grupos.

Houve muito negro que não gostou. O livro chegou em momento inoportuno. Em décadas passadas, os movimentos negros haviam concluído que raça não existia. Depois do estabelecimento de cotas para universidades, voltou a existir. Segundo um projeto do senador Paulo Paim, a condição de negro deve inclusive constar em documento. Quando se trata de ganhar no tapetão, o conceito de raça é muito conveniente. Dr. Pena, na introdução de seu livro, dizia:

“Parece existir uma noção generalizada de que o conceito de raças humanas e sua indesejável conseqüência, o racismo, são tão velhos como a humanidade. Há mesmo quem pense neles como parte essencial da "natureza humana". Isso não é verdade. Pelo contrário, as raças e o racismo são uma invenção recente na história da humanidade”.

Por defender a existência óbvia de raças, tenho sido condenado como racista. Tanto por negros como por judeus. Já fui inclusive processado por sete entidades indígenas por crime de racismo. Por ter afirmado que os índios não conseguiram escapar de uma cultura ágrafa e que os antropólogos queriam conservá-los como animais em museus intemporais para contemplação dos homens do futuro. Bem entendido, os indigenistas não levaram nada e tiveram de retirar seu cavalinho da chuva. Mas, em suma, hoje passou a ser apodada como racista toda pessoa que acredita na existência de raças.

Neste sentido, até a Bíblia é racista, pois fala continuamente em raças. O que nega cabalmente a convicção do Dr. Pena, de que raças e racismo sejam uma invenção recente na história da humanidade”.

Na Folha de São Paulo, leio curiosa entrevista com o militante do movimento negro Abdias do Nascimento, cujo nome está sendo lançado para prêmio Nobel da Paz. Que emplaque não me espantaria. O Nobel da Paz é a última esperança de posteridade dos vigaristas. Os ingênuos noruegueses já concederam o galardão a terroristas e escroques, desde Yasser Arafat, Rigoberta Menchu, madre Teresa de Calcutá e Tenzin Gyatso, humildemente conhecido como Oceano de Sabedoria.

Não, um Nobel para o líder negro racista não me surpreenderia. O que me surpreende é vê-lo negar o óbvio, sem que o entrevistador nada objete. Diz o repórter:

- Há quem diga que o Brasil é miscigenado, e por isso não faria sentido enxergar divisão racial aqui.

Responde o líder negro:

- Isto é a cretinice brasileira, a falta de caráter, a sem-vergonhice brasileira. Isso vem de longe. Este discurso é para ajudar o Brasil a continuar racista. A continuar a ter a cobertura moral para o racismo. Eles querem até isto.

Refugiando-se no insulto, sem apresentar argumento algum, Nascimento nega cabalmente a existência do mulato. Ora, segundo o IBGE, a população negra do Brasil, em 99, era de apenas 5,4%. Se forem acrescidos os 39,9% do contingente de mulatos, o Brasil estaria perto de ser definido como um país majoritariamente negro, como aliás é hoje considerado por muitos americanos e europeus. Nascimento está sendo cúmplice da classificação ianque, que só consegue ver pretos e brancos em sua sociedade e nega a miscigenização.

Esta é mesma filosofia do Supremo Apedeuta que, mal foi eleito, saiu arrotando urbi et orbi que o Brasil era a segunda nação negra do mundo, depois da Nigéria. Até mesmo uma pessoa aparentemente culta, como Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores, prestou-se a corroborar o sofisma safado: "como declarou o presidente Lula, o estreitamento das relações com a África constitui para o Brasil uma obrigação política, moral e histórica. Com 76 milhões de afrodescendentes, somos a segunda maior nação negra do mundo, atrás da Nigéria, e o governo está empenhado em refletir essa circunstância". Ao colocar todos afrodescendentes no mesmo saco dos negros, o ministro demonstra que, nos círculos do poder, mesmo homens cultos se dobram à bajulação. Abdias do Nascimento não ficaria atrás de tais sumidades.

Mas o mais surpreendente vem adiante, quando o macróbio ativista afirma, na mesma Folha de São Paulo que publicou o livro do Dr. Sérgio Pena, que negava peremptoriamente a existência de raça. O repórter pergunta se Marina Silva seria a melhor candidata.

- Sem dúvida nenhuma. Tem qualidades e preparo. É de classe humilde, apesar de ter aprendido a ler muito depois de adulta, tem qualidade. Uma das primeiras solidariedades que tive no Senado foi a dela. Todo mundo sabe das minhas posições em defesa da minha raça. E ela não teve medo em vir me abraçar e se colocar à disposição para a ajuda que ela pudesse dar. Não recebi dos outros nenhum apoio.

Em defesa de minha raça? Quer dizer então que raça existe? Onde estão os ativistas negros que consideram racista quem acredita em raça? Se morena Marina apoiou Abdias, ao que tudo indica participa de sua Weltanschauung.

Será morena Marina - a candidata negra, como se apresenta - racista? Ou será que líder negro pode falar de raça sem ser pichado como racista? Estará proibido apenas aos brancos falar de raças?

* 16/06/2010