¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, abril 23, 2004
 
O AUTOR ESQUECIDO

Nicolau Emérico – O Manual dos Inquisidores

Sobre a tortura (2)


Se tudo isso for inútil conduzir-se-á à tortura, durante a qual será submetido a interrogatório, em primeiro lugar referente aos artigos menos graves em que seja suspeito, pois que ele confessará as faltas leves de preferência às mais graves. No caso de ele se obstinar sempre a negar, pôr-se-lhe-ão frente aos olhos instrumentos de outros suplícios e dir-se-lhe-á que vai passar por todos eles, a não ser que confesse toda a verdade.

Se enfim o Acusado nada confessar, pode continuar-se a tortura um segundo dia e um terceiro, mas com a condição de seguir os tormentos por ordem e nunca repetir os já praticados, não podendo ser repetidos enquanto não sobrevierem novas provas, embora não seja proibido neste caso o continuar por ordem (ad continuandum non aditerandum, quia iterari non debent, nisi novis supervenientibus indiciis, sed continuari non prohibentur).

Se o Acusado tiver suportado a tortura sem nada confessar, deve o Inquisidor pô-lo em liberdade mediante sentença na qual constará que após um cuidadoso exame do seu processo, nada se encontrou de legitimamente provado contra ele, no respeitante ao crime de que havia sido acusado.

Quanto àqueles que confessem, devem ser tratados como hereges penitentes não relapsos, se for essa a primeira vez; como impenitentes, se não quiserem abjurar; e como relapsos, se é efetivamente a segunda vez que caem em heresia.

Quando começou a estabelecer-se a Inquisição, não eram os Inquisidores que aplicavam a tortura aos Acusados, com medo de incorrerem em irregularidades. Esse cuidado incumbia aows juízes laicos, conforme a bula Ad Extirpanda do papa Inocêncio IV, na qual esse Pontífice determina que devem os Magistrados obrigar, com torturas, os Hereges (esses assassinos das almas, esses ladrões da fé cristã e dos sacramentos de Deus) a confessar os seus crimes e a acusar outros hereges seus cúmplices. Isto no princípio; posteriormente, tendo-se verificado que o processo não era assaz secreto e que isso era inconveniente para a fé, achou-se que era mais cômodo e salutar atribuir aos Inquisidores o direito de serem eles mesmos a infligir a tortura, sem ser preciso recorrer aos juízes laicos, sendo-lhes ainda outorgado o poder de mutuamente se relevarem de irregularidades em que às vezes por acaso incorressem.

De ordinário utilizam os nossos Inquisidores cinco espécies de tormentos no decorrer da tortura. Como isso são coisas sabidas de toda a gente, não irei deter-me neste assunto. Podem consultar-se Paulo, Grilando, Locato, etc. Já que o Direito canônico não prevê particularmente este ou aquele suplício, poderão os Juízes servir-se daqueles que acharem mais aptos para conseguirem do Acusado a confissão dos seus crimes. Não se deve porém fazer uso de torturas inusitadas. Marsílio menciona quatorze espécies de tormentos: acaba por afirmar que imaginou ainda outros, como seja a privação de sono, também referida e aprovada por Grilando e Locato. Mas, se me é permitido dizer a minha opinião, isso é mais trabalho de carrascos do que tratado de Teólogos.

É por certo um costume louvável aplicar a tortura aos criminosos, mas reprovo veementemente esses juízes sanguinários que, por quererem vangloriar-se, inventam tormentos de tal modo cruéis que os Acusados morrem durante a tortura ou acabam por perder alguns de seus membros. Também Antônio Gomes condena violentamente este procedimento.