¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, julho 11, 2004
 
JORNALISTAS E CORRUPTOS

Está invadindo o Brasil mais uma dessas tantas superproduções americanas, o Homem-Aranha 2, besteirol oriundo de histórias em quadrinhos para adolescentes. Vem precedido de um importante critério estético, como sói acontecer com tais empulhações: em uma semana faturou sei lá quantos milhões de dólares nos Estados Unidos. Pois este parece ser o critério contemporâneo para a avaliação de um filme. Está em 80 salas em São Paulo e em quase 700 no país todo. Tem recebido páginas inteiras dos jornais.

Você quer saber porque bons filmes merecem algumas linhas - quando merecem - e porque solenes abacaxis recebem páginas inteiras? É simples. Olhe o pé da matéria. Lá está: o jornalista Fulano de Tal viajou a Los Angeles a convite da Columbia Pictures. E só porque o jornalista viajou a cargo de uma produtora ianque, o público nacional acaba engolindo o pior cinema americano.

Não há nisto nenhuma novidade. A crítica cinematográfica da grande imprensa desde há muito se prostituiu. Não passa dia sem que vejamos em algum jornal editoriais ou artigos indignados defendendo a ética do jornalista. Claro que jamais passa pela cabeça do articulista que seus colegas de redação vendem a pena prazerosamente por algumas mordomias. Ora, dirá o jornalista, eu não recebi nenhum vintém para promover nenhum filme, estou apenas informando. Pode ser que não tenha recebido. Recebeu apenas passagens aéreas internacionais, hospedagem em hotéis de primeira linha, excelente gastronomia e mimos outros tais como festas regadas ao melhor champanhe ou scotch. Muito melhor que qualquer jabá em espécie.

Entende-se que um festival de cinema patrocine a viagem de repórteres ou críticos. O jornalista vai ao festival, tem chance de ver filmes que jamais veria se não viajasse, e escreve sobre o que bem entender. Diferente é ter tudo pago para a estréia de um único filme e sentir-se obrigado, na volta, a pagar suas mordomias com uma página inteira de jornal. Os coleguinhas que me desculpem, mas isto se chama corrupção, essa mesma corrupção que seus jornais denunciam com tanta ênfase quando ocorre no campo político ou administrativo. Corrupção que ocorre com a óbvia cumplicidade do editor e da própria chefia do jornal, pois o jornalista por si só não tem cacife para oferecer página inteira às grandes produtoras de abacaxis.

Ao destacar quem patrocina as mordomias do jornalista, os editores parecem estar dando um atestado de honestidade, quando em verdade escancaram sua venalidade. Aos leitores, repassam matéria paga ? e muito bem paga ? disfarçada de reportagem. Como pequenas produções, muitas vezes geniais, não têm recursos para financiar mordomias a críticos, o melhor cinema nos é sonegado. Esta prática corrupta travestida de transparência é o que lhe empurra goela abaixo, caro leitor, o lixo das produtoras ianques.

Mas não sejamos cruéis com nossa crítica corrupta. Em outras áreas do jornalismo é também considerado normal que o jornalista venda sua opinião. Particularmente nos cadernos de turismo. Outro dia volto ao assunto.