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¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV
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quinta-feira, julho 22, 2004
MEMÓRIAS DE UM EX-ESCRITOR (XXII) Jornalista, o autor não precisou de lupa para ver que havia uma só imprensa no mundo soviético: Na URSS nunca existem duas opiniões a respeito de um mesmo fato ou acontecimento, porque o direito de pensar e opinar é prerrogativa apenas das elites dirigentes. O governo pensa prodigiosamente por 200 milhões de cabeças, obedientes e submissas dentro das fronteiras da contraditória democracia do proletariado. (...) As rotativas dessa poderosa usina geradora do pensamento comunista rodam ininterruptamente, dia e noite, para alimentar uma das mais fantásticas organizações de propaganda mundial de que se tem notícia. Essa verdadeira enxurrada de literatura marxista inunda os pontos mais remotos da terra e representa a persistente contribuição de Moscou aos seus fiéis, para as tarefas de catequese e proseletismo do proletariado universal. São milhares de toneladas de papel e tinta despejadas mensalmente na garganta anônima das grandes capitais do mundo, numa batalha obsedante pela arregimentação dos rebanhos humanos extraviados na voragem dos conflitos sociais e econômicos do nosso tempo. Jorge Amado, "ruidoso camelô do marxismo", como diz Loureiro, participa desta comitiva e sabe disto muito bem. Em uma visita à União dos Escritores Soviéticos, diz a Loureiro: "Na Rússia Soviética todo o trabalho intelectual é regiamente pago. As tiragens são geralmente elevadas e os escritores recebem grandes somas em direitos autorais. Há poetas que podem viver como milionários." Amado sabe o que quer. Loureiro prefere contar o que vê: A União dos Escritores funciona como um Vaticano para a moderna literatura soviética. O julgamento das obras a serem lançadas obedece a um critério estreito e sectário de crítica literária. Esta função é exercida por um conselho reunido em assembléia, que discute os novos livros e sobre eles firma a opinião oficial da sociedade. A exegese não se restringe aos aspectos literários ou artísticos da obra julgada, senão que abrange com particular severidade o seu conteúdo filosófico, que deve estar em harmonia com os conceitos da "realidade socialista" e guardar absoluta fidelidade aos princípios ideológicos da doutrina marxista. Se o livro apresentar méritos do ponto de vista dessa moral convencionada, se resistir ao crivo desse teste de eliminatória, então passará por um rigoroso trabalho de equipe dentro dos órgãos técnicos da União, podendo vir a transformar-se num legítimo best-seller, com tiragens astronômicas de 2 a 3 milhões de exemplares. E o seu modesto e obscuro autor poderá ser um nouveau riche da literatura e será festejado e exaltado e terminará ganhando o cobiçado Prêmio Stalin. O que explica a fortuna dos Amados e Nerudas da vida, ambos detentores do Prêmio Stalin, suas inúmeras traduções e tiragens milionárias, às custas da opressão, massacre e assassinato de milhões de seres humanos. O relato de viagens de Loureiro, um dos raros a intuir a essência do regime soviético, escassamente mereceu uma segunda edição. Falar em comunistas gaúchos e não citar Luís Carlos Prestes é ignorar o embuste maior que Porto Alegre já produziu. Embalado pelas proezas de uma coluna absurda, que se tornou famosa por suas "gloriosas" retiradas, ao refugiar-se nas margens do Prata acabou sendo contaminado pela mosca azul do poder. Treinado em Moscou, veio a mando do Kremlin fazer a "revolução" no Brasil. Deu no que deu: uma intentona ridícula e sangrenta, liderada por desvairados que de Brasil pouco ou nada conheciam. Preso e derrotado, acabou morando vários anos em Moscou. Cego e teimoso, em todo esse tempo não conseguiu ver o que Loureiro constatou em apenas dois meses. Morreu em odor de stalinismo. E ainda hoje há quem queira erguer-lhe monumentos. Uma estranha patologia contaminou o final de século em Porto Alegre. Por todas as partes do mundo, as sociedades derrubavam mitos, monumentos, símbolos de tiranias passadas. Parece que a peste se entranhou de tal forma na universidade e nas instituições culturais da capital gaúcha que, enquanto a humanidade avança - para a frente, como é normal - a intelectuália do Portinho vira as costas para o futuro e fica acariciando um baú repleto de coisas mortas. |
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