¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, agosto 18, 2004
 
MEMÓRIAS DE UM EX-ESCRITOR (XXV)


A convivência mais intensa com elas ocorreu em Florianópolis. Era professor-visitante na UFSC, ganhava bem e algum bálsamo me era necessário para as crises de hipertensão após uma reunião de departamento. (Esta justificativa tem pouca sustentação: na verdade, sempre gostei do convívio delas). Ao final daqueles massacres mensais e às vezes semanais, em que egos amarrotados voltavam ofendidos e humilhados para seus lares, eu voava em um táxi para um endereço discreto na Adolfo Konder - a casa da Tê - ou para uma sauna explícita, na Anita Garibaldi. Enquanto os PhDeuses estavam preocupados em saber se Capitu havia ou não traído Bentinho, ao alcance de meu desejo havia uma dúzia de mulheres, nuas ou vestidas, ao meu dispor e à minha espera.

Dado o carinho com que sempre tratei as profissionais - as competentes, bem entendido - era cliente preferencial. Jamais desviei de calçada ao encontrá-las na Felipe Schmidt, em geral lhes fazia algum afago. Com algumas delas, me submeti ao sacrifício de tomar aquele café abominável do Senadinho. Uma profissional se sente mal quando evitada em público, e jamais causei este constrangimento àquelas meninas que tanto me alegraram os dias na ilha. Sempre as beijei com carinho ao encontrá-las na rua. Minhas diletas, orgulhosas de serem tratadas como gente por um universitário, quando na sauna, só se tornavam disponíveis aos demais clientes após o 'professor" ter-se decidido por uma delas. Diga-se de passagem, lá na ilha ganhei um nome de guerra que porto como comenda: Professor Paixão.

Para ser franco, o magistério gratificou-me mais no bordel que na universidade. Na UFSC, salvo raríssimas exceções - que se contar na ponta dos dedos me sobra um monte de dedos - as alunas queriam apenas o diploma para obter avanços salariais na função pública. Na casa da Anita Garibaldi, ao refugiar-me na cozinha para ler jornais, era abordado por meninas que preparavam vestibular. Não poucas vezes larguei minha leitura e passei às moças noções rápidas de história, geografia e literatura.

O bordel é uma instituição fascinante, pena que esteja acabando. Em São Paulo, por exemplo, a prostituição adquiriu uma dinâmica que envilece o ofício. As meninas anunciam nos classificados. O cliente, sem ter visto rosto nem corpo, dá um salto no escuro se contrata uma. O que gosto, na verdade, é chegar em um bar ou sauna e examinar as profissionais em oferta. Uma menina de Florianópolis, com quem tive tardes que não consigo esquecer, me perguntou um dia: "me escolheste pelas coxas, Paixão?" Aproveitei sua curiosidade para exercer minha pedagogia: "só um idiota escolhe uma mulher pelas coxas. A sensualidade está nos olhos", disse. Estou certo que até hoje ela me adora. E eu também.

Machista, dirá alguma leitora eivada deste stalinismo sexista, o feminismo. Discordo. Entre os muitos fenômenos contraditórios destes dias de orfandade ideológica, está o dos coletivos ou sindicatos de prostitutas organizados pelos padres católicos. Ou seja, a profissional é uma vítima, e como tal deve ser santificada. Mas o cliente, aquele que lhe garante o sustento, é visto como vilão. Nesta ótica hipócrita, redime-se um dos assinantes do contrato, enquanto o outro - sem o qual o contrato seria inviável - é condenado às quintas dos infernos.

Vontade é o que não me falta, confesso, de criar um sindicato de usuários das profissionais do amor, insistindo em mais competência e carinho no exercício do ofício. Só que, neste universo cada vez mais politicamente correto - versão hodierna da Inquisição - meu projeto talvez não tivesse muitos seguidores.