¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

Powered by Blogger

 Subscribe in a reader

quarta-feira, setembro 08, 2004
 
MEMÓRIAS DE UM EX-ESCRITOR (XXIX)


Volto a Porto Alegre. Meus dias de Diário não foram muitos. O Diário era a porta de entrada no jornalismo, uma espécie de estágio. Ou melhor, de escola, já que na época não existiam cursos de jornalismo. Em seis meses de redação se aprendia muito mais que hoje, nos quatro anos de faculdade. O novato começava escrevendo no Diário, era depois chamado pela Zero Hora. O sucesso profissional era o emprego na Caldas Júnior. Minha trajetória foi um pouco inversa. Quando me dei conta que ganhava apenas oito cruzeiros a mais que o contínuo, pedi aumento. Não tive aumento, pedi demissão. Juntei meus trapos e fui viver em Estocolmo.

De minha iniciação no jornalismo, guardo dois episódios que me marcaram. Redator, logo fui incumbido de redigir o horóscopo. A tarefa nada tinha de misterioso, bastava copiar colunas de edições passadas. Ora, essa metodologia era uma ofensa à minha criatividade. Decidi redigir o meu horóscopo. Só que em vez das previsões amenas e otimistas de praxe, eu prometia raios e trovoadas ao coitado do consulente. Quem acreditasse nos astros e lesse minha coluna, naquele dia não saía de casa. Numa bela madrugada, datilografava eu com fúria, rindo sozinho, quando o "seu" Olinto, o chefe de redação, estranhou aquela alegria toda. Que estás redigindo? O horóscopo, respondi. Foi o fim de minha carreira como astrólogo.

Em outra ocasião, já de madrugada, irrompeu um incêndio na Voluntários da Pátria. Eu estava encerrando minhas tarefas, no corredor me esperava uma turma para cair na noite. Para meu desespero, "seu" Olinto me chamou:
- Olha, estamos sem repórteres, tem um incêndio aqui pertinho.
- Mas "seu" Olinto, eu sou redator.
- É, eu sei. Mas dá um pulinho até lá. Pega uma foto e faz um texto-legenda.

Fui. Peguei fotógrafo e chofer e cheguei no auge do incêndio. O fotógrafo deitava-se no chão, parecia que apostava seu futuro naquelas fotos. Eu, mal anotei a esquina do incêndio, dei no pé. O pessoal na rua insistia em me passar informações, mas eu só pensava em cair fora da redação. Voltei de táxi, disse ao fotógrafo que seguisse mais tarde com as fotos. Redigi então um texto-legenda, no estilo mais brega de jornalismo:

Pavoroso sinistro ocorreu hoje, às duas horas da madrugada, na Voluntários da Pátria, esquina tal. Pronto acorreram os bravos soldados do fogo...

Etc. Entreguei a lauda, ajuntei meus trapos e fui reunir-me à turma que ainda me esperava. Quando estava na porta da redação, lá do fundo da sala, "seu" Olinto me perguntou:
- Quais foram as causas?
Não tive dúvidas:
- Desconhecidas.
Eu já descia naquele antigo elevador de portas pantográficas da redação, quando ouvi ainda, lá longe, o "seu" Olinto:
- E os prejuízos?
O elevador foi descendo, enquanto eu gritava:
- Incalculááááávvveeeeiiiiisssss.