¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, dezembro 18, 2004
 
NO TE CREO!



Recebi, mês passado, a visita de uma amiga sabra, que não via há 33 anos. Esses reencontros não acontecem todos os dias. Para não deixar o leitor confuso, já vou explicando: sabra é o judeu que nasceu em Israel. Ela não conhecia o Brasil e São Paulo muito menos. Tentei explicar esta terra divina por natureza, que beleza! Não foi fácil. Nossa língua comum era o espanhol. Passei a semana toda ouvindo: no te creo!

Para começar, meu bairro, como toda a cidade, tem quase todos os edifícios cercados por grades. Isso sem falar em bares, que mais parecem uma assembléia de presidiários. Os clientes ficam cercados pelas grades, enquanto os criminosos andam livres quais passarinhos pelas ruas. Ela não entendia as grades. Para proteger-se da violência, invasões, roubos, expliquei. Ela, que já revirou o mundo, tirou fotos e mais fotos das grades, para mostrá-las aos seus como uma característica desta grande pátria. Logo ela, que vive em um país em que terroristas se explodem a toda hora em qualquer bar.

Mas não é só isso, expliquei. Os condomínios estão aparelhados de câmeras, para vigilância interna dos que entram e saem. Foi o primeiro no te creo. Mostrei-lhe as câmeras, que nos vigiavam inclusive no elevador. Ela teve de crer. Mas tem mais, continuei. Boa parte das grades têm cercas eletrificadas.

- No te creo? No es un crímen?

Talvez até fosse, respondi, ainda não pesquisei se é crime ou não. Mas é fato. E mostrei-lhe as cercas eletrificadas. Ela creu. Quis saber qual era a idade que determinava a maioridade aqui no Brasil. Depende, respondi. Como depende? Para votar é 16 anos. E ouvi de novo o no te creo. Como é que pode votar uma criança de 16 anos? Pois é, aqui no Brasil pode, expliquei. Nos anos 80, surgiu um partido que julgava ser mais fácil enganar os mais jovens. Tinha razão. Agora, este partido está no poder. Mas 16, continuei, é a maioridade para votar. Para matar, é diferente.

- Pero como? No te entiendo.

Matar, expliquei, é permissível até os 18 anos.

- No te creo.

Podes crer, ó sabra querida! Até os 18, todo brasileiro tem carteirinha de 007, com permissão para matar. As leis não permitem que vá para a cadeia. Se estuprar e matar alguém algumas horas antes de ter completado 18 ? como já aconteceu ? não pode ser punido, apenas reeducado. Vai para escolas de crime, onde cumpre uma curta reclusão e depois tem sua ficha criminal totalmente apagada, mesmo que tenha matado dez ou vinte pessoas. Passado zerado. Pode recomeçar a vida criminosa, cheio de experiência e um promissor futuro pela frente. Se matar mais vinte, teoricamente pode cometer mais vinte crimes e ser condenado a cem ou mais anos de prisão.

Mas - continuei - nossa legislação não permite que alguém fique mais de trinta anos de prisão. Então a hipotética pena de cem anos é reduzida em 70%. Tem mais. Se este grande criminoso tiver bom comportamento, cumpre apenas um sexto da pena. Isto é, sai do cárcere em cinco anos, cheio de vigor e vontade para matar os parentes das vítimas que o denunciaram. No Brasil, expliquei, o crime não é punido. É regulamentado.

- No te creo! - continuei ouvindo.

Falei então dos grandes cárceres, onde os capos das drogas comandam seus exércitos, decretam assassinatos e vendetas, organizam o comércio das drogas.

- Pero como puede ser, si están presos?

Ora, sabra querida, por telefone. Depois do celular, a vida se tornou mais fácil para a iniciativa privada. Ela não entendia. Como podia um preso ter celular? Simples, respondi, suas mulheres ou amantes lhes fornecem. Mas elas podem entrar nas prisões? Sim, querida, aqui podem. Há grupos de Direitos Humanos que defenderam - e ganharam - a idéia de que todo presidiário tem direito a uma visita íntima. Os celulares são levados na vagina.

- Pero eso no es Derechos Humanos. No puede ser. Derechos Humanos no son los derechos del criminal.

Aqui é - respondi. Tese defendida até pela Igreja Católica. Quando contei que os tais de Direitos Humanos só defendiam criminosos, me olhou perplexa: no puede ser. Acontece que é.

Tampouco entendeu as carrocinhas que juntam lixo nas ruas. Que es eso? É o que estás vendo, respondi, gente juntando o lixo da cidade. Pero con tracción humana? Ustedes no han llegado al motor? Chegar, havíamos chegado. Desde inícios do século passado. Mas um partido de extração comunista, que havia tomado o poder na cidade, houve por bem determinar que voltássemos à Idade Média. E a tração humana voltou à moda em todas as capitais dominadas por esse partido.

Para dar uma idéia mais realista deste país surrealista, levei-a à Santa Ifigênia, queria mostrar-lhe a dinamicidade do comércio paulistano. Impressionou-se com a abundância das ofertas de eletrônicos. Ruas e mais ruas vendendo o haut de game da informática, telefonia, som, fotografia, softs, DVDs. Expliquei a relação preço/benefício. Programas que custariam normalmente seis ou sete mil reais, lá eram comprados por... dez reais. Um filme americano, antes de estrear nos Estados Unidos, já tem cópia na Santa Ifigênia. Também por dez reais.

- Pero como puede?

Contrabando, minha querida. Pirataria.

- Pero así, a la luz del dia?

E por que não? O comércio é geralmente diurno, já que à noite o mercado prefere dormir. Às vezes, a polícia, para mostrar serviço, faz uma blitz e recolhe 30, 40 toneladas de muamba. No dia seguinte, o bairro está completamente reabastecido, como se 30 ou 40 toneladas de contrabando fossem uma gota d?água no mar da contravenção. E tem mais, expliquei. Este bairro, onde tudo é crime, está longe de ser o maior centro de contravenção da cidade. O maior está na 25 de Março, onde nem te levo porque é difícil caminhar.

Falei do número de assassinatos nos fins de semana na cidade, uma média de 50 cadáveres, da meia noite de sexta-feira até a meia-noite de domingo. Pero ni en mi país, que está en guerra, se mata tanto en um mes. Pois é, aqui se matava. Em tempos de paz. Só na cidade de São Paulo. Eu não falava do Estado nem do País.

Isso que não falei das invasões de terras, de prédios, de próprios da União. Das aposentadorias obscenas dos comunistas que um dia tentaram destruir o país. Dos milhares de criminosos, julgados e condenados, que flanam soltos nas ruas, porque não há vagas nas prisões. Seria demais para seu cérebro de sabra. Não é fácil explicar o Brasil.

Dassy convidou-me para visitar Israel. Estou pensando no assunto. Países onde se pode flanar com segurança e sem medo sempre me atraem.