¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, fevereiro 24, 2005
 
MEMÓRIAS DE UM EX-ESCRITOR (XXXIX)


O pecado sueco - Naqueles anos 70, Svensson, o sueco típico, ao entrar em um supermercado ou lanchonete no Brasil, ficaria tão excitado quando o turista tupiniquim visitando uma sexshop na Escandinávia. Na época, em que até a posse dos famosos livrinhos suecos dava cadeia entre nós, sexshop era algo inimaginável. Não há povos sem tabus. Os suecos, ao eliminarem o do sexo, passaram a cultivar o do álcool. Sprit só é vendido no systembolag, loja de monopólio estatal que permanecia aberta das 9 às 18 horas durante a semana, fechando às 13 horas de sábado. Nas tardes de sexta e manhãs de sábado, filas - evento raro nos países nórdicos - de previdentes cidadãos congestionam os systembolag. Nas caixas, um aviso previne: esteja pronto para identificar-se. De dez em dez minutos um sinal sonoro lembra os funcionários de exigir documentos dos clientes atendidos naquele instante. Se o identificado estiver na lista negra dos alcoólatras ou se for menor de 18 anos, não poderá comprar nada. Deverá contentar-se com o insípido melanöl, que poderíamos traduzir por quase-cerveja. Este pode ser adquirido nos supermercados, tendo sido sua venda também proibida para menores em junho de 72. A bebida possui no máximo 3% de álcool. A embriaguez dos consumidores é mais psicológica que física.

Estas considerações, sempre é bom lembrar, se referem a uma Suécia de mais de 30 anos atrás. Como o país é pequeno e dinâmico, transforma-se muito rapidamente. Hoje, a Suécia é bem outra. Como meu propósito é rememorar, volto aos anos 70. Em verdade, estou reproduzindo um dos capítulos de meu primeiro livro, O Paraíso Sexual Democrata.

O consumo per capita de sprit pelos suecos era então bastante inferior aos índices da Itália, França ou Espanha. No entanto, em Estocolmo se tropeçava em mais bêbados do que em qualquer outra capital européia. Os latinos bebem, os suecos se embriagam. Enquanto os meridionais sofrem um processo de mitridização tomando umas que outras ao final de cada jornada, Svensson encharca-se nos fim de semana. Não sabe beber. Começa com akvavita, a cachaça nacional, prossegue com vodka, finaliza com uísque ou o que houver. Os skal (saúde) se sucedem. A palavra viria de skalle (cérebro), recipiente em que os vikings brindavam a vitória sobre os inimigos, cujos crânios erguiam aos lábios. Muitos intercalam cafés e licores. Com tal dose, nem uma centopéia mantém-se em pé. Nos fins de semana em Estocolmo, velhos e jovens, homens e mulheres cambaleavam e vomitavam pelas ruas e estações de metrô o hálito azedo de muitas misturas. Cambaleavam e vomitavam, disse. Porque hoje a bebiba é mais liberada e com isso os suecos parecem ter aprendido a beber.

Em relação ao álcool, impera o mesmo sentimento relativo ao sexo nos países católicos. Uma latina envergonha-se - ou envergonhava-se, naqueles anos - ao comprar anticoncepcionais. Svensson intimida-se ao comprar álcool. As compras feitas no systembolag são postas em um pacote de plástico com a inscrição Hall Sverige Rent, Mantenha a Suécia Limpa. Como a latina sentia-se mal carregando pelas ruas um pacote de absorventes higiênicos, Svensson vexa-se ao portar bebidas. Quem bebe é bêbado, parece ser o axioma que determina seu comportamento. Não se admite que alguém possa beber, não para cair, mas simplesmente para degustar a bebida e alegrar-se. Para esconder o plástico revelador, muitos usavam uma pasta. E acabavam identificando-se pela pasta. Isso sem falar naqueles que se refugiavam nas sexshops. Não para ver filmes ou teatro pornô, mas para beber no escurinho.