¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, fevereiro 07, 2005
 
OS QUASE-LÓGICOS


Em debates na Internet, tenho recebido mensagens de jovens que se orgulham de seu domínio precário do português e me picham como elitista. Dadas minhas considerações sobre o Supremo Apedeuta, acham que dele tenho inveja. Afinal, mesmo analfabeto, ele tem mais prestígio que eu. Tais reações provam, definitivamente, que o efeito Lula está se propagando celeremente. Certamente não chegaremos a um regime tipo Pol Pot, onde até mesmo quem portava óculos era fuzilado, pois era suspeito de ler. Mas o homem culto está em baixa e já é visto como uma ofensa a este governo.

Prova disto são as barbaridades proferidas durante o Fórum Social MUndial, reproduzidas pela imprensa como se fossem a mais pura expressão da verdade. Abrindo o Fórum, disse o Supremo Apedeuta: "Alguns companheiros que nunca tiveram problema na vida e já têm sua vaga garantida nas boas universidades públicas federais são contra as bolsas do Prouni porque na verdade eles são contra pobre estudar, contra que pobre tenha acesso à universidade". É a técnica clássica stalinista de argumentar, tão apreciada pelo PT, a de colocar argumentos fictícios na boca do adversário para melhor rebatê-los. Quem neste Brasil é contra o acesso de pobres à universidade? Não conheço ninguém e duvido que o leitor conheça. Pior ainda: em sua dificuldade espantosa de raciocinar com lógica, Lula atribui esta vontade a "alguns companheiros". Que companheiros? Supõe-se que os de seu partido, ou não seriam companheiros. Ora, duvido que algum petista, por mais polpotista que seja, seja contra o acesso dos pobres à universidade.

Logo adiante, garante: "Quando eu terminar o meu mandato, eu não vou para a França nem para os Estados Unidos fazer pós-graduação. Vou voltar para São Bernardo do Campo para conviver com meus companheiros metalúrgicos". Não existirá nenhum assessor caridoso que explique ao bronco que sem graduação não se faz pós-graduação? Nenhum jornalista que denuncie este despautério?

Pelo contrário, já surgiu até uma tese para explicar a estrutura de raciocínio que sustenta os improvisos do Supremo. A este processo de argumentação, a professora Luciana Veiga, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, chama de "quase-lógica", como se lógica admitisse gradações. Para a pesquisadora, "Lula consegue estabelecer acordos tácitos com o público sobre as premissas e pressupostos do discurso porque comunga com as crenças e valores de seus interlocutores". Traduzindo em miúdos: a parolagem presidencial se justifica por ser de um nível de analfabetismo similar ao de seus interlocutores. Por ser analfabeto, Lula é genial. Não sei se o leitor notou, mas estamos chegando àquela sociedade prevista por Orwell, em 1984, onde ignorância é sabedoria.

"Quando improvisa - prossegue a encomiasta de plantão - Lula não tem a pretensão de ser preciso, busca apenas chegar à consonância com o público, assim como se comporta o seu João na conversa corriqueira no balcão do bar ou a dona Maria no portão com a vizinha". Ou seja, como o presidente da República não consegue ir além da prosódia do seu João ou da dona Maria, isto significa que não tem a pretensão de ser preciso. Em seu socorro, a professora cita um estudioso inglês, Stephen Toulmin, para quem a linguagem comum não obedece aos ditames da lógica formal. A quase-lógica do cotidiano da grande maioria seria sustentada em inferências e deduções similares a operações lógicas, mas sem valor formal, porque sua lógica não parte de premissas estabelecidas, "mas de raciocínios particulares elevados à condição de premissa". É o que nos conta a jornalista Dora Kramer, em sua coluna no Estado de São Paulo.

As palavras operam milagres. O que antes chamávamos sofisma, passou agora a ser quase-lógica. O que lembra um pouco a expressão quase-grávida, como se gravidez comportasse quases. Em verdade, sem sequer saber o que é sofisma, o quase-lógico sofisma continuamente, por intuição. Seus "raciocínios particulares elevados à condição de premissa" muitas vezes sequer são sofismas, mas mentiras deslavadas, como os dados que avançou para gabar-se de sua gestão no Fórum Social Mundial. Quando uma pesquisadora universitária se rebaixa a dourar a pílula para defender a estultice, temos de constatar que até mesmo a intelligentsia do país - melhor talvez dizer a burritsia acadêmica - se rendeu definitivamente ao poder do bronco.

Como a imprensa se rendeu ao poder de um outro quase-lógico congênere, que compareceu ao tal de Fórum para enriquecer o bestialógico já farto do rebotalho das esquerdas reunido em Porto Alegre, o coronel venezuelano Hugo Chávez. "Não há solução para a pobreza e a miséria no mundo do capitalismo, porque é o capitalismo que causa a miséria". Aplausos de uma platéia juvenil, estúpida como todos os jovens que adoram embriagar-se de inverdades. Até parece que este senhor não leu os jornais da última década. Talvez não tenha ouvido falar da queda do Muro de Berlim, que desnudou definitivamente a miséria - aliás, já conhecida - do mundo socialista e provocou a debandada em massa dos habitantes do paraíso socialista para o inferno capitalista tão abominado por Chávez.

Se o coronel olhasse para o norte, veria os felizes habitantes do paraíso cubano, arriscando a vida em balsas ou qualquer coisa que flutue, rumo ao inferno ianque. Espichasse o olhar mais um pouco ao norte ainda, e veria mexicanos e latinos e até mesmo brasileiros, arriscando morrer afogados em rios ou de sede no deserto, tentando também alcançar o inferno capitalista. E se conseguisse enxergar um pouco mais longe, veria árabes, africanos, chineses, romenos e albaneses, morrendo de fome e sede em barcaças precárias ou morrendo sufocados em containeres, tentando encontrar um lugar ao sol no inferno capitalista europeu.

Que um insano profira insanidades é normal, isto faz parte de sua natureza. O que não é normal - e sim preocupante - é que uma juventude fanatizada o aplauda e o entronize como ícone a ser cultuado. Mais preocupante ainda é ver uma imprensa que, com medo de ser estigmatizada pelas esquerdas, reproduz sem qualquer comentário tais premissas "quase-lógicas".
Mas o troféu maior deste campeonato de pérolas ao estilo do Enem não foi conquistado nem pelo Supremo Apedeuta nem pelo coronel de fancaria, e sim por um acadêmico, o professor Emir Sader.

O que pelo menos demonstra o que há muito já sabemos: a estupidez é universal e não respeita os limites dos campi. "Estamos na quinta edição do evento e não conseguimos impedir a guerra do Iraque" - disse o quase-lógico universitário. Quer dizer então que o Fórum Social Mundial, este jamboree de maconheiros e utopistas desvairados, pretendia nada menos que impedir a guerra do Iraque? Parece que esqueceram de enviar um comunicado oficial ao Bush. Mas como acontece com todo insano, Sader tem súbitos flashs de lucidez: "parece que nem existimos".

Enfim, um pingo de boa lógica.