¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, março 11, 2005
 
MEMÓRIAS DE UM EX-ESCRITOR (LX)


O pecado sueco - Os suecos, ao saírem de automóvel para uma festa ou giro noturno, reservavam alguém do grupo que ficava sempre sem tomar um gole. 0,5% de palcool no sangue, constatado pela polícia através do teste do balão, constitui ratfylleri, embriaguez ao volante. Significa prisão e perda da carteira por um ano. Ao transgressor é permitido escolher a época do ano em que deseja cumprir a pena - um ou dois dias de trabalhos forçados. A condenação é inapelável e não tem instrução preliminar. Sob o ponto de vista da segurança no trânsito é louvável. Mas não se pode deixar de pensar em fanatismo quando se considera que a ingestão de dois ou três bombons recheados a uísque ou licor podem terminar em cadeia.

O caso de um hoteleiro que precisava passar seu carro de um lado para outro da rua ultrapassou qualquer caricatura que se queira fazer desta obsessão nacional. Como sentia-se embriagado, decidiu empurrá-lo. Surpreendido pela polícia quando "dirigia a pé", foi condenado por um juiz intransigente.

A nossa filosofia irresponsável do "quanto mais se bebe melhor se dirige" causa horror e incredulidade ao nórdico. Uma de minhas professoras de sueco quis saber o que acontece no Brasil quando alguém, alcoolizado, é interceptado pela polícia ao dirigir em excesso de velocidade.
- Paga-se 20% da multa ao guarda e diz-se boa noite - respondi.
- Meu Deus, isso é corrupção! - descobriu ela.

Os imigrantes que servem em bares e restaurantes têm a melhor chance de conhecer esta psicologia. Svensson, superdesenvolvido, cosmopolita, superior, pede com segurança, e em tom que exige pressa e solicitude, um cachorro-quente ao servidor eslavo, latino ou árabe. Ao pedir cerveja, pede-a em voz baixa, sua superioridade encolhe. Seu cosmopolitismo e superdesenvolvimento restam inúteis.

Não faltou quem vissem nesta fraqueza dos Svenssons perspectivas de grandes lucros e passasse a explorá-la. Agências de viagens organizam rápidos tours marítimos até Turku, na Finlândia. Ou à alguma ilha do arquipélago. Svensson pagava dez a vinte coroas por uma viagem de 12 a 24 horas, ida e volta. No navio, as bebidas são skattefria, isto é, livre de impostos. Svensson bebe quanto pode e jamais lhe passará pela cabeça descer em terá durante à rápida - e meramente formal - atracagem do barco. Navegar é preciso, chegar não é preciso.

Em meus dias de Estocolmo, fiz uma navegação dessas. Não pelo álcool, afinal desconhecia tais vantagens marinhas. Queria em verdade conhecer uma ilha qualquer, enfim, sentir que punha os pés em território finlandês.

Não lembro hoje para onde fui. Só lembro que, ao atracar o barco, o único ingênuo a descer fui eu. O porto era uma desolação só. Envergonhado até a medula, voltei ao navio.