¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, junho 13, 2005
 
AO LULA, COM GRATIDÃO
Nos anos 70, corria uma piada nos meios universitários. Que Stalin não quis a instauração do socialismo no Brasil para não desmoralizar o regime. Como piada não tinha muita graça, já que o socialismo fora desmoralizado muito antes, e definitivamente, pelo próprio Stalin. Diga-se de passagem, a desmoralização começou antes mesmo de Joseph Vissarionovitch Djugatchivili - que assim se chamava o monstro -, com Lênin. Vladimir Illitch até que não matou muitos, afinal teve pouco tempo de vida no poder. Mas não tenhamos dúvida alguma: se mais longevo fosse, mais russos mataria. Nenhuma ditadura se mantém no poder sem matanças.

Mesmo com Stalin desmascarado, as esquerdas durante muito tempo quiseram preservar a imagem de Lênin. Mas a história é implacável e não há crime que não venha à tona, mesmo que tenha permanecido impune. Hoje se tem documentos de Lênin autorizando o fuzilamento dos Romanoff. Mal assumiu o poder, já em 1920, Lênin tratou de destruir as aldeias dos cossacos e deportar os sobreviventes. Mais não matou porque desde 1922 estava fisicamente debilitado e morreu em 1924. No imaginário das esquerdas sobrou Trotski, que pouco matou porque não chegou a participar do poder. Mesmo assim, foi o responsável pelo massacre do Kronstadt.

Depois, tivemos Mao, o campeão (65 milhões de mortos) e os êmulos menores, Nicolau Ceaucescu, Envers Hodja, Pol Pot, Hoenecker. Mataram o que puderam. Ao custo de milhões de vítimas - mais precisamente cem milhões de cadáveres - o século XX entendeu que aquela doutrina romântica do alemão iracundo do século XIX só resultava em miséria, gulags, assassinatos em massa. Foram os líderes exponenciais do socialismo - não estou falando da social-democracia, bem entendido - que decretaram de uma vez por todas a morte da idéia socialista. Restam hoje os fantasmas ridículos de Castro e Kim Jong II, que embora tendo levado seus países à miséria, ainda contam com uma grande claque na imprensa internacional.

No Brasil, sempre na rabeira da História, os defensores destas idéias potencialmente assassinas do século XIX só chegaram ao poder ... no século XXI. Por duas vezes (em 35 e 64) tentaram chegar ao poder pelas armas. Nada conseguiram, foram repelidos por forças melhor armadas. Com mais de um século de atraso, o PT, em cujo DNA estão os genes de Marx, Lênin, Stalin, Mao et caterva, consegue assumir o governo através do voto. Mas até aí já havia caído o Muro, a URSS estava esfacelada, o socialismo (como sinônimo de comunismo) desmoralizado. Tarde demais para implantar ditaduras proletárias. Se fosse nos anos 80, quando o PT foi criado, quando a URSS arrotava e o planeta estremecia, talvez o continente todo hoje estivesse comunizado. Vinte anos depois, o PT não tinha mais cacife para fazer do Brasil uma imensa Cuba.

Gozando do clima de um país onde a História do comunismo havia sido habilmente escondida a seus cidadãos, o sedizente Partido dos Trabalhadores (criado não por trabalhadores, mas por sacerdotes católicos e intelectuais uspianos), conseguiu realizar o antigo sonho comunista, colocar um operário no poder. Operário mas não muito, já que o que menos fez em sua vida foi trabalhar. Mas tinha, pelo menos no início de sua trajetória, o perfil de um operário, e como operário continuou sendo considerado, mesmo após deixar de sê-lo. O Brasil estava salvo.
"Proletariado nosso que estás na terra, bendito seja teu nome, seja feita tua vontade, venha a nós o teu poder", dizia a prece revolucionária dos Construtores de Deus, movimento fundado por Gorki e Lunatcharski.
Mas os tempos eram outros. Já era um tanto démodé falar em proletariado ou luta de classes, burguesia ou socialismo. Lula, o eleito, teve um vislumbre de bom senso e traiu sua classe - o tal de proletariado - e mesmo sua biografia. Se antes combatia furiosamente o FMI, uma vez no poder passou a escorchar as classes média e baixa para aumentar o famigerado superávit primário, muito além do que o FMI esperava. Se antes manifestava com ira sagrada sua ojeriza a bancos e banqueiros, transformou seu governo em um paraíso inesperado para bancos e banqueiros, que hoje encontraram num país do Terceiro Mundo o melhor dos mundos para viver. Este nosso país incrível teve sorte. Foi preciso que a esperança dos proletários traísse o proletariado para que não caíssemos em uma economia miserável como a da Rússia, Cuba ou Albânia.

O Brasil teve sorte, mas apenas a sorte de não cair no abismo, o que não constitui avanço algum. Perspectiva nenhuma de afastar-se, um passo que fosse, do abismo. O grande mérito de Lula é não ter feito nada do que propunha em sua campanha. Pelo contrário, acelerou a política econômica escorchante de Fernando Henrique, enfiou mais fundo a mão no bolso do contribuinte, particularmente no bolso dos velhos e aposentados, que sequer têm a possibilidade de fazer greve para defender-se. Não bastasse isso, o PT montou o eficiente esquema de compra de deputados, hoje denunciado pela imprensa toda, em proporções jamais vistas na História deste ou de qualquer outro país.

Lula, como já se sabe através de inúmeros testemunhos, não ignorava esta corrupção generalizada de seu partido. Consciente dela, com sua inação deu aval para que continuasse. PC Farias - que deu origem ao impeachment de Collor - nunca meteu a mão no bolso do contribuinte. Coletava o dinheiro sujo junto a empresas, que naturalmente esperavam cortesias de volta. Delúbio Soares, o PC Farias do PT, compra deputados com dinheiro público e mais, com a conivência do presidente da República. Daquele que arrotava: em meu governo não se rouba nem se deixa roubar.

E aqui reside a grande contribuição de Lula e do PT ao país. Com a instituição do mensalão, estão desmoralizados de vez o partido e o presidente. O PT durou o que duram as rosas. Mal chegou à maioridade - e ao poder - mostrou ao que vinha: o saque da nação e a compra de consciências. Tudo isto muito coerente com as suas origens leninistas-stalinistas: os fins justificam os meios. Se é que o PT ainda tem como fim algo que não seja a manutenção indefinida do poder.

Segundo Delfim Netto, o PT precisava chegar ao poder para que o Brasil ficasse vacinado contra o PT. Chegamos à hora da vacina e a honra de ministrá-la coube ao primeiro - e esperamos que último - operário a tomar as rédeas do país. A administração de uma economia imensa e complexa, nestes dias em que vivemos, não é para o bico de um torneiro-mecânico malandro e sem maiores escrúpulos. Neste Brasil sempre na rabeira, coube a Lula a honra de pôr uma pá de cal nos ideais desvairados do século XIX. O PT, é verdade, já gerou um aborto, o PSOL. Talvez gere outros. Mas, no Brasil pelo menos, tais alucinados não conseguirão mais enganar o eleitor. (Eu, ateu, nestes momentos viro místico: que o bom Deus me ouça!) Quem votou no PT, a começar pelo funcionalismo público, hoje está se arrancando os cabelos. Só defende o PT, hoje, quem come milho em seu bornal.

A Lula, operoso coveiro do socialismo neste cantão da América Latina, meu eterno e comovido agradecimento