¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, junho 06, 2005
 
VERISSIMO MENTE
Convidado para uma feira de livros que se realiza em Montpellier todos os anos, junto com outros amigos do Rei (tais como Milton Hatoum, Chico Buarque, Tabajara Ruas, Charles Kieffer et caterva), Luis Fernando Verissimo, não satisfeito de enganar no Brasil, passou a enganar na França. Como fiel compagnon de route das viúvas de Moscou, repetiu pela milionésima vez a mentira criada pelos comunistas sobre o episódio ocorrido no dia 12 de outubro (Dia de la Raza) de 1936, na universidade de Salamanca, Espanha. Diga-se de passagem, a mesma mentira foi repetida em março passado por um outro velho marxista, Fernando Henrique Cardoso.

"Quando chegou a minha vez - escreve o filho do Erico Estadão de quinta-feira passada -, recorri àquele episódio da Guerra Civil Espanhola em que um general alucinado de Franco terminou um discurso que fazia na Universidade de Salamanca com um "Viva a morte, abaixo a inteligência!" e Miguel de Unamuno, reitor da universidade, respondeu com uma candente defesa da cultura e do espírito criador. Ali, naquela festa de livros, lembrando o martírio de Florence e de sua família, nós também estávamos, como Unamuno, respondendo à barbarie com um viva às palavras, às idéias e à inteligência e dizendo abaixo a guerra, abaixo o terror, abaixo a burrice. E fui me sentar, achando a ovação do público um pouco desproporcional à minha oratória improvisada e sem jeito. Foi quando descobri que o francês que fazia a tradução do discurso me entendera mal e em vez de "abaixo a burrice!" dissera "abaixo a polícia!". Com o que o povo de Montpellier concordara entusiasticamente".

O tradutor pode ter-se enganado na tradução e o público pode ter-se enganado na ovação. Mas não é este o problema. Tanto o tradutor como público deixaram passar erro maior, a versão do episódio do Día de la Raza. Cada vez que um velho comunista repete esta potoca, sinto-me no dever de desmenti-lo. Assim sendo, vou repetir, talvez pela décima vez, o que já escrevi sobre o assunto.

Em História Ilustrada de la Guerra Civil, Ricardo de Cierva considera o episódio maltratado pela propaganda, silenciado pelos testemunhas autênticos e tergiversado por comentaristas empenhados em com ele demonstrar uma ou várias teses preconcebidas.

"Celebrava-se no Paraninfo da Universidade de Salamanca a Fiesta de la Raza. Assistia o ato a esposa do recém-nomeado chefe de Estado, Dona Carmen Polo de Franco. Presidia a cerimônia o reitor da Universidade, don Miguel de Unamuno. Também estavam presentes, entre outras personalidades, José María Pemán e o general Millán Astray. Este último, em um breve discurso, intercalou um inciso inoportuno no qual confundiu regionalismo com separatismo. Invocou logo a Morte, noiva de sua Legião. Feito o silêncio, todos os olhares convergiram para don Miguel de Unamuno".

Millán Astray era um general de Infantaria, que havia participado das campanhas das Filipinas e Marrocos. Nesta última, perdera um olho e um braço. Julián Zugazagoitia o descreve como um "general recomposto com garfos, madeiras, cordas e vidros". Em sua alocução, falara dos dois cânceres que corroem a Espanha: País Basco e Catalunha. Unamuno, basco e iracundo, tomou a palavra.

- Calar, às vezes, significa mentir- disse o reitor com voz firme - porque o silêncio pode ser interpretado como aquiescência. Eu não poderia sobreviver a um divórcio entre minha consciência e minha palavra, que sempre formaram um excelente par. Serei breve. A verdade é mais verdade quando se manifesta desnuda, livre de adornos e palavrório. Gostaria de comentar o discurso - para chamá-lo de alguma forma - do general Millán Astray, que se encontra entre nós.

Segundo o relato de Luis Portillo, em Vida y martírio de don Miguel de Unamuno, o general tornou-se rígido.

- Deixemos de lado - continuou Unamuno - o insulto pessoal que supõe a repentina explosão de ofensas contra bascos e catalães. Eu nasci em Bilbao, em meio aos bombardeios da segunda guerra carlista. Mais adiante, me casei com esta cidade de Salamanca, tão querida, mas sem esquecer jamais minha cidade natal. O bispo, queira ou não, é catalão, nascido em Barcelona.

Após uma pausa em meio ao silêncio tenso, continuou:

- Acabo de ouvir o grito necrófilo e sem sentido de Viva a Morte! Isto me soa o mesmo que Morra a Vida! E eu, que passei toda minha vida criando paradoxos que provocaram o enfado dos que não os compreenderam, tenho de dizer-lhes, como autoridade na matéria, que este ridículo paradoxo me parece repelente. Posto que foi proclamado em homenagem ao último orador, entendo que foi dirigida a ele, se bem que de uma forma excessiva e tortuosa, como testemunho de que ele mesmo é o símbolo da morte. E outra coisa! O general Millán Astray é um inválido. Não é preciso dizê-lo em tom mais baixo. É um inválido de guerra. Também o foi Cervantes. Mas os extremos não servem como norma. Desgraçadamente, há hoje em dia inválidos demais na Espanha e logo haverá mais, se Deus não nos ajuda. Um inválido que careça da grandeza espiritual de Cervantes, que era um homem - não um super-homem - viril e completo apesar de suas mutilações, um inválido, como disse, que careça dessa superioridade do espírito, costuma sentir-se aliviado vendo como aumenta o número de mutilados em torno a si. O general Millán Astray gostaria de criar uma Espanha nova - criação negativa, sem dúvida - segundo sua própria imagem. E por isso desejaria ver uma Espanha mutilada, como inconscientemente deu a entender.

Astray não consegue conter-se e grita:
- Morra a inteligência!
José María Pemán corrige:
- Não! Viva a inteligência! Morram os maus intelectuais!

Há um alvoroço no Paraninfo, professores togados cercam Unamuno, os camisas azuis se juntam em torno a Astray. Unamuno retoma a palavra:

- Este é o templo da inteligência. E eu sou seu sumo sacerdote. Vós estais profanando seu recinto sagrado. Eu sempre fui, diga o que diga o provérbio, um profeta em meu próprio país. Vencereis mas não convencereis. Vencereis porque tendes sobrada força bruta. Mas não convencereis, porque convencer significa persuadir. E para persuadir, necessitais algo que vos falta: razão e direito de luta. Me parece inútil pedir-vos que penseis na Espanha. Tenho dito...

A esposa do general Franco, rodeada por sua escolta, toma Unamuno pelo braço e o conduz até a porta da Universidade, onde o esperava um carro do Quartel General. Mas a narração soa melhor aos ouvidos dos leitores - amestrados por um pensamento de esquerda - mostrando Astray como franquista, afinal era general. Unamuno, basco, filósofo e reitor de uma universidade, só poderia ser anti-franquista. Para vender, os jornais transmitem ao leitor o que o leitor gosta de comprar. A mentira impressa passa então a fundamentar teses e tende a fixar-se como História. Mas os fatos são teimosos e, mais dia menos dia, mostram sua verdadeira face.

O que tanto Fernando Henrique Cardoso e Luís Fernando Veríssimo omitiram é que, naquela solenidade, o generalíssimo Francisco Franco de Bahamonde - que salvou a Espanha e a Europa do totalitarismo soviético - era representado oficialmente pelo reitor Miguel de Unamuno. Mas tanto FHC como Verissimo jamais admitiriam tal fato. Seria renegar toda uma vida e biografia, montadas sobre mentiras.

A frase de Astray, proferida no ardor do debate, é de uma infelicidade extrema. Mas tanto Millán Astray como José Maria Pemán, naquele momento, representavam o pensamento do mesmo Francisco Franco que Unamuno representava oficialmente na cerimônia. Ambas as partes defendiam o mesmo lado. O qüiproquó era outro: o confronto entre os nacionalismos do galego - como Franco - Millán Astray e do basco Miguel de Unamuno.

Mas a vida é assim mesmo. Não se pode exigir honestidade intelectual das viúvas de Moscou.